ELENA:
Era uma Loba Lunar Guardiã, uma das poucas que a Deusa escolhia a cada mil anos para uma missão sagrada. A minha geração, destinada a possuir poderes extraordinários, perfilava-se como a última esperança para restaurar o equilíbrio. Mas eu tinha falhado. A minha confiança, transformada em arrogância, tinha-me cegado, e agora estávamos a enfrentar o preço desse erro.
Claris, relutante em abraçar a sua natureza, e Clara, manipulada com tanta facilidade, eram a prova mais dura do meu fracasso. Elas, assim como eu, estavam destinadas a trazer de volta o equilíbrio perdido, mas eu não tinha conseguido prepará-las. Esse vazio era precisamente o que as Lobas Antigas tinham aproveitado para estender a sua sombra, e agora cabia-nos detê-las. Tudo tinha começado com a visita ao refúgio da mãe místicCLARIS: Quando voltei a despertar, foi porque senti a falta do calor dele. Procurei-o com o olhar e ouvi a água do duche. Levantei-me rapidamente, decidida a aprender a ser uma loba. Não só tinha de o fazer, como também o desejava. Corri para a casa de banho e entrei no duche com ele. Não disse nada, apenas me olhou e deu-me espaço debaixo do jato de água. Saiu antes de eu terminar. Ao sair, já não estava. Vesti umas calças confortáveis, decidida a não me separar de Kieran durante todo o dia. Desci as escadas a correr, lembrando-me de que ele já me tinha dito que Clara estava a cuidar das crianças. Isso tranquilizou-me, embora ainda tenha subido para lhes levar leite. Encontrei-as a dormir, abraçadas à tia. —Clara, vou percorrer a alcateia com o meu Alfa. Não saias de casa com as crianças —indiquei-lhe com firmeza. —Cuida-te, Claris, e não exageres, lembra-te da tua situação —respondeu entre balbucios, apertando as crianças contra o peito antes de voltar a adormecer. —O que
CLARIS: Passo a passo, a floresta começou a parecer menos estranha, como se as sombras se afastassem para me deixar entrar num mundo ao qual nunca acreditei pertencer. Houve momentos em que senti que o meu corpo não seria capaz de manter o ritmo. Queria demonstrar o meu valor, mas, perante cada desafio que enfrentava, surgia também uma sensação de vulnerabilidade que não podia ignorar. Kieran observava-me em silêncio, sem julgar, mas também sem se deter quando percebia as minhas dúvidas. Isto era outro tipo de prova, uma em que ele parecia esperar que eu começasse a compreender algo que ainda não conseguia pôr em palavras. De repente, parou de forma repentina. —O que sentes, Claris? —perguntou diretamente. Fechei os olhos e tentei organizar os meus pensamentos. Sentia muitas emoções contraditórias, mas, acima de tudo, es
KIERAN:Eu tinha-me proposto a educar a minha Lua, mas, após um único treino, percebi que não tinha paciência suficiente para o fazer. Claris não tinha qualquer traço de instinto lupino. Nós, os licantropos, mesmo na nossa forma humana, preservamos a essência do nosso lobo: agudeza, força, reflexos, olfato. Mas nela… nada. Atka rugia como um trovão na minha cabeça, irritado e frustrado. Nunca tínhamos treinado ninguém antes, nem sequer considerávamos que essa era a nossa responsabilidade. Sempre deleguei essa tarefa a Fenris, o meu Beta. Ele tinha a experiência necessária e a moderação que me faltava. Mas agora… não podia nem queria permitir-lhe fazer isso. Não se tratava de desconfiança para com Fenris. No entanto, conhecia demasiado bem a sua lealdade e respeito por Claris. Não seria sufi
CLARIS:Estava assustada, não vou negar. Nunca tinha sido covarde na minha vida humana; contudo, este mundo sobrenatural ao qual pertencia era demasiado vasto e desconhecido para mim. Por isso, aterrorizava-me a ideia de ser deixada com aquele lobo estranho e temível. Esforçar-me-ia ao máximo, mas ao lado dele, ou pelo menos ao lado de alguém da alcateia. —Segue-me —ordenou e começou a correr pelo trilho de regresso à alcateia. Fi-lo; costumava correr e gostava. Ainda a escuridão do amanhecer nos envolvia, embora a lua cheia brilhasse no céu. Ao chegar a uma clareira, ali estava a alcateia em pleno, a treinar sob as ordens de Fenris e Rafe. Não parámos. Continuámos a correr sob os olhares curiosos até chegar onde estavam os filhotes e parámos. Será que me ia colocar com eles? Isso envergonhava-me. Seria motivo de troça
KIERAN:Tinha sentido o chamado de Elena, a loba Lunar Guardiã, e por isso deixei a minha Lua com os pequenos, ordenando-lhes que a tratassem como mais uma entre eles. Pensei, por um breve instante, que Claris iria protestar, que o seu orgulho não aceitaria tal desafio. Para minha surpresa, não só o aceitou, como o superou com distinção. Calou as risadas e as chacotas dos adultos, que, ao vê-la conectar-se de forma tão natural com os mais pequenos, sentiram uma pontada de inveja que não conseguiram esconder. Essa conexão, que inicialmente estava destinada unicamente a mim, devia surgir de forma tradicional na cerimónia de apresentação como minha Lua. Segundo os costumes, o momento de união seguia uma ordem hierárquica: primeiro os anciãos, depois os do conselho, seguidos pelos lobos da alcateia; a eles seguiam-se as mulheres e, por fim, os cachorros. Mas
CLARIS:Os seus lábios chocaram contra os meus, e por um breve instante esqueci tudo: o frio da madrugada, o cansaço do treino e até mesmo os ténues raios de sol que se infiltravam pelas cortinas. O seu beijo tinha essa estranha maneira de me fazer lembrar que, embora houvesse uma parte humana em mim, isso não importava. Kieran era capaz de amar todas as minhas versões. Quando ele finalmente se afastou, foi com uma lentidão que quase me fez suspirar novamente. Abri os olhos para encontrar o seu olhar intenso de cor cinzenta, que parecia sempre despir-me, como se pudesse ver até ao último recanto da minha alma. —O quê? —perguntei com um sorriso trémulo. Ele inclinou ligeiramente a cabeça, mudando apenas a expressão, como se estivesse prestes a contar um segredo. —Há algo que quero mostrar-te &mdas
KIERAN: Eu era um Alfa, e os alfas não cedem. Não ao instinto, não aos impulsos, e muito menos aos caprichos daqueles que ainda não entendem o seu lugar. Mas com ela, manter o controlo era uma batalha constante. O meu lobo rugia dentro de mim, exigindo que a possuísse como um lobo faz com a sua Lua, marcando-a, reclamando-a, sem mais explicações. No entanto, o humano em mim sabia que Claris ainda tinha de aprender. Não se tratava apenas de satisfazer a sua necessidade humana de amor. Não ia contentar-me com isso. Ela precisava de entender que já não era apenas uma mulher, nem mesmo apenas a minha companheira. Era uma loba. A minha loba. E, para isso, tinha de a ensinar, fazê-la compreender, não com palavras, mas com a linguagem que os lobos partilham. O lugar não importa quando o vínculo é real, pensava enquanto avançava com ela
VIKRA: Eu não sabia o que se passava para além das paredes desta caverna onde o alfa Theron me tinha encarcerado desde que cheguei para o avisar dos planos dos seus inimigos. O meu objetivo principal tinha sido claro desde o início: encontrar uma forma de me aproximar de Claris. Convencê-la a fugir comigo para o mundo humano, onde estaríamos seguros de todos os males que aqui nos ameaçavam. Desde aquela noite em que as nossas mentes se encontraram, eu estava convencido de que éramos almas destinadas a unir-se. Essa conexão tinha sido tão pura, tão poderosa, que não deixava espaço para dúvidas. Mas desde então, algo tinha mudado. O nosso vínculo, aquele fio invisível que nos tinha mantido unidos, parecia ter desaparecido. Dia após dia eu tentava alcançá-la, procurar a sua presença no vazio da distância, chamá