Quando Clarice acordou, percebeu que estava deitada em uma cama de hospital. O cheiro forte de desinfetante invadia suas narinas, deixando o ambiente ainda mais opressivo. Jaqueline, ao vê-la despertar, suspirou de alívio. — Clarinha, como você está se sentindo? Está tudo bem? Clarice balançou a cabeça levemente. — Estou bem. Sem dizer mais nada, ela afastou o cobertor e tentou se levantar. — Descansa mais um pouco. — Jaqueline disse, segurando-a pelo braço para impedir que ela saísse da cama. — Quero passar um pouco mais de tempo com minha avó. Quando o dia amanhecer, ela será reduzida a cinzas, guardada em um pequeno recipiente. Depois disso, nunca mais poderei vê-la novamente. — A voz de Clarice era calma, quase indiferente, o que deixou Jaqueline preocupada. Clarice estava lidando com a morte da avó de maneira fria demais. Jaqueline preferia mil vezes vê-la chorando e desabafando sua dor, como havia feito no início, do que reprimindo tudo dentro de si. Guardar tanto
Ao sair do necrotério, Clarice engoliu a tristeza e, com a cabeça fria, começou a organizar os preparativos para o velório da avó. Afinal, estando sozinha, que direito ela tinha de se entregar à dor? Depois de preparar a sala onde seria o velório, o celular de Clarice tocou. Era Ana, sua mãe. Clarice passou o endereço do hospital para ela e, em seguida, começou a avisar os parentes da família que viviam na cidade natal da avó. A avó havia passado anos sozinha, deitada em uma cama de hospital, esperando que alguém fosse visitá-la. Agora que ela havia partido, Clarice queria que ela fosse cercada de pessoas, que sua despedida fosse cheia de vida e calor humano. Não demorou muito para Ana chegar, acompanhada de Antônio e Beatriz. No entanto, o que deveria ser um momento de homenagem e respeito se transformou em algo completamente inesperado. A primeira coisa que fizeram ao entrar não foi prestar condolências à falecida, mas ir direto até Clarice. Antes que Clarice pudesse dizer
— A Sra. Ana, como filha da falecida, deveria estar ajoelhada diante do altar, chorando pela perda. Petrus, leve a senhora até lá para se ajoelhar! — Uma voz inesperada ecoou no ambiente, fazendo Clarice levantar a cabeça surpresa. Ela viu Asher parado não muito longe, emanando uma aura tranquila. Sua expressão carregava um leve sorriso, tão gentil que parecia capaz de curar qualquer ferida no coração. Naquele instante, Clarice não pôde evitar se lembrar de sua infância. Sempre que ela era repreendida ou castigada em casa, Asher aparecia com sua voz suave para acalmá-la. E, como mágica, ela sempre se sentia melhor. Mesmo depois de tantos anos, a presença dele ainda conseguia trazer paz ao coração dela. Ana foi forçada a se ajoelhar diante do altar de Fernanda. A grande foto da falecida parecia ter olhos vivos e penetrantes, o que fez Ana, sem querer, olhar diretamente para a imagem. O susto foi tão grande que ela ficou paralisada, esquecendo até mesmo de chorar. Para ela, era c
Asher havia visto Clarice crescer e conhecia bem o temperamento dela. Túlio sempre foi tão bom para ela, mas ela nem mesmo o avisou sobre o que estava acontecendo. Isso só podia significar que havia algum problema entre Clarice e Sterling. Embora ele já tivesse deduzido isso, como Clarice não mencionou nada, ele preferiu não perguntar. — Você não dormiu nada esta noite, não é? Seus olhos estão cheios de sangue. Vai descansar um pouco. — Asher sugeriu, preocupado. Ele sabia que Sterling se casou com ela, mas nunca soube valorizá-la. Se pudesse, ele mesmo daria uma boa lição em Sterling. — Eu não estou cansada, não vou descansar. — Clarice respondeu com firmeza. Aqueles eram os últimos momentos que ela podia passar ao lado da avó, e ela não queria desperdiçá-los. Asher percebeu que não conseguiria convencê-la, então decidiu ficar ao lado dela. Caso ela desmaiasse, ele estaria ali para levá-la ao hospital imediatamente. Beatriz, ao ver a maneira gentil como Asher falava com Clar
Jaqueline estava olhando na direção da porta quando viu Túlio entrar, com os cabelos prateados brilhando sob a luz. Ela imediatamente chamou Clarice: — Clarinha, o vovô Túlio está aqui. Clarice ficou surpresa por um momento, mas logo se virou devagar. Túlio, apoiado em sua bengala, caminhava com passos largos em sua direção. — Clarice, como você não me contou uma coisa tão importante! — Túlio a observou com o rosto cheio de cansaço e preocupação. Ele sentia um aperto no coração ao ver aquela garota tão teimosa tentando suportar tudo sozinha. Clarice tentou se levantar, mas as dores nos joelhos a impediram. Sem alternativa, permaneceu ajoelhada e disse: — Vovô, o senhor veio? Ela não tinha avisado a família Davis de propósito. Não queria que Sterling soubesse de nada. Afinal, na cabeça dele, ela era apenas uma mulher desonesta que usava a morte da avó como desculpa para fugir de suas responsabilidades. Que fosse. Se ele queria pensar assim, que continuasse acreditando nisso.
O mordomo queria convencer Túlio a não se preocupar mais com Sterling. Alguém como ele, com aquele temperamento rebelde, jamais seguiria o caminho traçado por outra pessoa. O rosto de Túlio ficou sombrio de repente. — Tudo o que a Clarice sofreu nesses três anos foi causado por mim! Eu sempre soube que ela estava sendo tratada de forma injusta, mas me recusei a encarar a realidade. Chega! Que ele faça o que quiser! Se Clarice decidir pedir o divórcio, será mais do que merecido! …Três dias depois, chegou o dia do enterro de Fernanda. Uma chuva fina caía do céu, tornando o ambiente ainda mais melancólico. Clarice vestia roupas pretas e segurava um guarda-chuva enquanto estava parada diante da lápide. Sua expressão permanecia calma, sem demonstrar tristeza ou alegria. Era como se sua avó não tivesse partido para sempre, mas apenas viajado para algum lugar distante e que, um dia, voltaria. Jaqueline estava ao lado dela e não conseguia esconder sua preocupação. Nos últimos três d
Jaqueline se assustou tanto que rapidamente retirou a mão e virou-se, dando de cara com os olhos sombrios de Simão. Ao lembrar que havia ignorado suas ligações nos últimos dias, Jaqueline sentiu o coração apertar. Será que ele faria alguma coisa ali, naquele lugar? Afinal, Asher ainda estava presente... Simão notou o rosto pálido de Jaqueline e sentiu a raiva subir como fogo. Por que ela ficava tão assustada ao vê-lo? Ele era tão aterrorizante assim? Jaqueline percebeu a frieza que emanava de Simão e ficou preocupada que ele pudesse explodir a qualquer momento. Ela rapidamente caminhou até ele, com um sorriso forçado e conciliador. — O que te trouxe aqui? — Esta é a minha hospital. Não posso vir para uma inspeção? — Simão respondeu com um tom ríspido, deixando claro que estava irritado. Jaqueline hesitou por um momento, mas, com cuidado, estendeu a mão para puxá-lo e disse baixinho: — Hoje à noite, eu mesma cozinho para você. Que tal passar lá em casa para jantar? Ela s
Jaqueline respirou fundo, aliviada, e disse para Asher: — Eu já volto, fique aqui esperando a Clarinha. Simão nunca foi uma pessoa paciente. Se ele tivesse que esperar muito, com certeza perderia a cabeça. Asher acenou com a cabeça, sem fazer perguntas. Ele não se importava com os problemas dos outros. Jaqueline lançou um último olhar profundo para ele antes de se virar para ir embora. Entre ela e Asher... Nunca mais haveria uma chance. Na verdade, ela já havia desistido há muito tempo. No corredor de emergência, Simão estava encostado na grade de proteção, com um cigarro entre os dedos. A fumaça subia lentamente, e atrás dela, o rosto dele surgia como uma pintura, de tão bonito. Jaqueline parou na porta e olhou para ele. Não conseguia negar, o homem era realmente lindo. Ele notou sua presença e ergueu o olhar na direção dela, com as sobrancelhas levemente arqueadas: — Por que não vem até aqui? Está com medo que eu te devore? Jaqueline desviou o olhar e começou a cami