SarahO raspar em minha garganta é dolorido, a sede competindo ferozmente com a fome que me assola o estômago. Faz pouco mais de duas horas que um homem me trancou nesse quarto, as paredes com um papel de parede antigo descascando, a única luminária que funciona piscando furiosamente, sem nenhuma janela para me guiar em que horas é.Toda vez que giro meu olhar pelo cômodo, um estremecimento me percorre e já nem sei mais se é pela fome ou pelo medo.Nessa altura eu já sei que deu algo errado. Posso estar me confundindo, mas tenho quase certeza de que já passa do segundo dia.O filho da puta não me deu uma gota de água sequer. Sei o que ele planeja, sei muito bem. Ele quer me enfraquecer, me tornar mais maleável. Posso até não recuar ainda, mas começo a pensar que se não o fizer, tenho a séria possibilidade de pôr a minha gravidez em risco. Se fosse só por mim, eu o mandaria pro inferno, nem que fosse definhando... mas essa criança em meu ventre.... ela merece mais do que isso.Levo m
SamuelMeu punho acerta a textura rígida do saco de areia com força. Uma vez e de novo. Faço desse movimento um mantra, para não me perder no desespero como fiz a pouco mais de meio dia atrás. Olhar para aquela sala vazia e subir os níveis daquele subsolo no meio de uma cidade deserta na Europa foi como levar um soco na boca do estômago. Eu a perdi, perdi seu rastro, perdi a porra da minha mulher e filho. Meu último soco faz uma dor subir pelo pulso, tamanha a força que eu usei para o golpe. Eles nos jogaram em uma cidade que já nem me lembro o nome, a equipe de Ren tendo me dito apenas uma vez. Não havia um carro sequer passando pela estrada de barro, escondida por entre as árvores.Nós erroneamente partimos do pressuposto que eles nos colocariam no mesmo lugar e claramente, o desgraçado que armou tudo isso, tinha outros planos. Um grito rouco, desesperado sai por entre meus lábios, enquanto meus golpes se fazem mais rápidos, mais furiosos.— Quebrar os pulsos não vai te adianta
Samuel A venda escura é retirada dos meus olhos com força e eu pisco incessantemente, tentando me adaptar a nova luz. Surpreso, eu olho ao redor, do que deveria ser um castelo antigo, as ruinas, dando ao lugar um aspecto quase lúgubre. Eu estou em uma cadeira e vejo Ren ao meu lado, se remexendo no assento de ferro, tentando verificar se está com todas as suas pistolas e claro, ele se decepciona. — Achou mesmo que eles te deixariam armado, em meio a o que deveria ser uma negociação? — eu pergunto, para me distrair do constante nervosismo em meu estômago. — Seria muito apreciado. — Ren me responde, a voz um pouco estressada. — Se concentre, Ren. — Peço, vendo que alguém se aproxima. Minha primeira reação é olhar embasbacado, para a mulher que seria estranhamente bela, se não fosse pela expressão em seu rosto de traços delicados, as sobrancelhas bem delineadas e olhos azuis quase incandescentes, nos encarando com frieza, os cabelos curtos e quase platinados de tão loiros, emoldura
Samuel Colocar o colete agora é quase um mantra, todo meu corpo, tenso, se assemelhando a uma corda de um arco, pronta para disparar. O quarto em que estou é um pouco mais afastado do outro cômodo, onde a maioria do pessoal tático de Ren e de Frida já estão prontos. Ponho uma camiseta escura e um casaco grosso por cima de tudo, após recebermos um alerta de possível tempestade de neve. Estamos a um passo de tudo dar muito certo ou muito errado. A calça escura e cheia de bolsos que uso está com um comunicador e dois tasers que podem ou não serem usados. Ren não confiou em mim para me dar uma de suas pistolas e sinceramente não o julgo, pois nunca usei isso em minha vida inteira. Olho-me no espelho, vendo um homem atormentado, que não come ou dorme bem a mais de quatro dias. Um homem que sabe que falhou com a mulher que ama e que se não fizer o que deve, pode não os ver pelo resto da vida. Não. Eu me recuso a perde-la para esses miseráveis. Eles não vão me tirar a família que eu t
SarahDois dias antesMeu andar pelo quarto é vagaroso, a vontade de tirar o vestido sujo da minha pele só não sendo maior, que o medo de ficar nua nesse lugar.Por Deus... eu quero sair daqui.A cada hora que passa, eu fico mais tensa com o que pode ter acontecido a Samuel ou ao Ren.Minha vontade é parar de bancar a vítima plácida e lhes mostrar um pouco do que realmente sou, mas tenho segurado o meu gênio em garras firmes, poderosas.Um pequeno espelho em frente a cama me chama atenção. Olho-me nele, por um momento, vendo minha mãe. As olheiras, a tez ficando cada vez mais pálida, os olhos atormentados.De súbito, eu vou entendendo o que Demétrio está fazendo comigo. Ele pode estar sendo mais sutil que seu pai e seu irmão, mas é a mesma atitude.Ele está me quebrando, pouco a pouco. A tática de me tornar mais plácida o acalmou tempo o suficiente para que ele não partisse para meios mais rudes, mas ele ainda está me quebrando, tomando a minha vontade, me fazendo recuar até que eu es
AgoraSarahAcordo como se algo muito pesado repousasse em minhas pestanas. Minha primeira tentativa de abrir os olhos se da em uma tonteira terrível.Conheço essa sensação. Fui drogada, de novo.As lembranças do que me ocorreu vão desencadeando batidas frenéticas em meu peito, assim como o pavor.Minhas mãos vão ao meu ventre e me sento, mesmo que isso me custe uma onda de náusea terrível. Testo as minhas pernas e meu sexo para ver se sinto alguma dor, mas nada me acomete. Minha barriga também permanece sem ferimentos e eu a apalpo até a exaustão, a possibilidade de terem me tirado meu filho, sendo dura demais.— Seu filho está aí, menina. — Ouço Nicolas me dizer e o procuro com o olhar.O vejo encostado na parede, os braços cruzados e olhar atento em mim.— Demétrio... ele ... — começo a dizer minha língua um pouco pesada.— Ele viajou assim que a deixou aqui, não se preocupe. Ele sempre foi um moleque que não aguentava ver as próprias atrocidades, então foi a algum lugar, fingir qu
Sarah Um movimento me faz despertar e levanto minha cabeça, sentindo-a latejar em resposta. — Está doendo muito? — Ouço a voz grave de Samuel me perguntar, a raiva nítida em seu tom. Olho bem para ele, cada traço, até as imperfeições e sentindo as lágrimas me encherem os olhos, eu o abraço, não sabendo quando que terei o suficiente dele. — Eu pensei que nunca mais fosse te ver... Meu Deus, eu odeio todos eles. — Esbravejo, agarrada a sua camisa. Sinto outro tranco e percebo que estamos em um carro, esse que segue em alta velocidade. — Ren? — Chamo, olhando desesperadamente no banco da frente. — Fala, patroa. — ele me cumprimenta, sua voz sempre cheia de charme, me enchendo o peito — Esse pessoal é meio barra pesada, sabe...acho que quero um aumento. Samuel me puxa para seu peito novamente e sinto a risada no vibrar de seu peito. — Fale com o cara das finanças. — Respondo a ele, aproveitando esse pequeno intervalo nessa loucura toda, antes que eu me veja obrigada a reconhecer
Sarah Eu tenho ouvido muito sobre como é normal se sentir emotiva durante a gravidez, como é necessário ter uma certa paciência e isso de certa forma me chateia, pois eu sei que não só os hormônios da gravidez, que me fazem correr para os braços de Silos nesse momento e chorar em seu ombro como uma criança. É saudade e uma boa dose do revés de ter tido uma das piores experiências da minha vida, essa que me mostrou como os laços se estreitam no medo, na incerteza. Eu tive momentos ruins naquele quarto, em que me senti presa, presa em algum tipo de piada ruim do destino. Tive decisões importantes lá e depois disso, uma delas, sendo essa, de valorizar cada pequeno momento com quem amo. Sinto como Silos me aperta firme, uma sensação de afago, proteção me cercando. Samuel teve uma longa conversa com Silos e Lucas pelo telefone, tendo que contar a eles, claro, omitindo as piores coisas, sobre os acontecimentos na Europa. Silos, que já vinha planejando suas férias, as retirou as pressa