— Mas o que farei, Senhor? Como resgatarei Anna, lutarei com os que se levantam contra mim, sem deixar que o que realmente sou derrote quem eu venho tentando ser?
O homem ao seu lado parou, virou-se para Heylel e o segurou nos ombros com um carinho fraterno. Seus olhos revelavam puro cuidado e amor, não havia um único resquício de ressentimento em sua face. Naquele momento, sob aquele olhar de amor, Heylel sentiu-se pequeno, insuficiente, incapaz, mas infinitamente amado e compreendido.
— Acredite na força que tem e em tudo o que é capaz de ser por elas. Agora é chegado a hora de se entregar ao amor e deixar que ele cure suas feridas, que molde você por completo. Pois chegará o momento, meu filho, e sei que não está longe, em que terá de deixar vir à tona sua verdadeira face. E quando esse momento chegar, elas precisarão ter certeza de quem você é para que, então, permaneçam ao seu lado.
E então, da mesma forma que repentinamente surgiu, sumiu. Diante dos olh
Bateu a porta com força, deixando claro o descontentamento com a situação. Voltou para a cama, sua respiração ainda acelerada quando se sentou ao lado de Naiara e a puxou para os seus braços. Sem nem ao menos perceber, falava: — Marcada... ele que não ouse chegar perto de você. Marcada ou não, você é minha... – Ele a apertava em seus braços. – Minha... não ligo para essa história de marca... — Do que está falando, Agares? – Ela estava totalmente confusa. Soltou-se com alguma dificuldade e se sentou em posição de lótus, olhando para o rapaz à sua frente e esperando uma resposta para a cena que presenciou. Aguardou com paciência, viu-o respirar fundo por três vezes antes de, enfim, começar a falar: — Acreditam... não... isso é real. As pessoas nascem predestinadas umas às outras, como se fossem feitas de duas em duas. E durante a vida são atraídas uma para a outra, isso em todos os planos. – Deu de ombros, vendo a reação de surpresa da namorada. – Quand
“Eu tenho essa coisa de ficar mexendo com a magia.” (Caio Fernando Abreu) – Sabe que não precisa pirar por causa disso, né? – perguntou Agares sentando-se ao lado dela no telhado da torre. Ela não o olhou, continuou abraçada aos joelhos. – Como não preciso? Todos esperam que a grande filha de Lúcifer, herdeira de Sheol e, agora, descendente de Amarantha, pisque e salve a todos, destruindo os inimigos... Mas não dá, Agares, sou só uma adolescente que ainda tem problemas com o cabelo. – Deu de ombros, vencida. Ele a puxou para os seus braços e a envolveu com carinho, apoiando o queixo em sua cabeça. O perfume de baunilha do shampoo dela o inebriava e, mesmo não querendo, fazia-o se lembrar da tarde em seu quarto. – Ninguém espera que você resolva tudo, meu amor. Sabemos que é informação demais para digerir. Não quero que fique dessa forma, sobrecarregada. – Agares, se sou mesmo tudo isso, se realmente po
“Uma bruxa nunca consegue ser perfeita num disfarce de princesa. Nem um lobo é convincente em pele de cordeiro. Coloque-os à prova, e todos falharão, irremediavelmente.” (Augusto Branco) Seria somente mais um dia normal para Anna, sua rotina estava traçada havia anos. Sua vida se resumia à casa, ao lado de Robert, seu marido e pastor da congregação local, e ao ministério. Era uma pessoa de bom coração, estava sempre disposta a ajudar, não havia como negar a facilidade que tinha em não somente se envolver com os problemas das pessoas ao seu redor, mas em sentir empatia por cada história contada. Após o culto de sábado à noite, Anna se despediu e, como sempre acontecia, Robert ficou mais tempo na igreja. Ela foi para casa, acompanhada de algumas mulheres da congregação. A casa estava vazia. Há meses Anna sentia um vazio diferente, como se um pedaço dela estivesse perdido no espaço, como se algo de grande importância tivesse sido tirado de sua vida, som
– O que você quer, demônio? – perguntou endireitando a coluna e encarou a besta à sua frente com o queixo erguido. – Não adianta o teatro, Amarantha. Sei do seu feito com Samyaza e sei que não tem mais forças nem para descascar uma laranja. – Ele entrou no quarto e parou poucos passos longe dela. – Terrível, não é mesmo? Trocar a majestade de ser uma das maiores bruxas por isso... Somente uma humana sem graça e totalmente quebrável. Não houve tempo para resposta, um vulto negro envolveu Anna e sua respiração foi arrancada de seu peito. O chão veio de encontro à sua cabeça, o impacto levou-a ao desmaio sem nem ao menos conseguir lutar. Antes de se perder na escuridão, viu os olhos de Robert a encará-la em um pedindo silencioso de desculpas, tarde demais. Anna acordou em um quarto tão branco que, por alguns minutos, acreditou estar no céu. Afinal, essa era a visão que estava sendo ensinada a ter de um reino onde Deus regia todas as coisas. Seus olhos foram se a
“O porto é o lugar mais seguro para um barco, mas ele não foi feito para ficar lá; seu destino é navegar.” (O livro da bruxa –Roberto Lopes) Ela ainda sentia as mãos do pai em volta da sua, ainda o sentia à sua frente e seus olhos ainda estavam focados nos dele, quando seu corpo convulsionou de uma forma dolorida. As pernas cederem e não conseguiu manter-se em pé, caiu de joelhos na frente do pai e, antes mesmo de atingir o chão, as mãos de Agares sustentavam seu corpo. Ela notou o choque no rosto do namorado, que a observava incrédulo. – Amor, seus olhos... – disse voltando a atenção para Heylel, como se pedindo ajuda. – O que tem meus olhos? – a jovem perguntou levando a mão ao rosto, limpando lágrimas quentes que caíram sem permissão. Sentiu o líquido mais espesso e, quando notou, suas mãos estavam sujas de vermelho, manchadas. Não eram lágrimas, e sim sangue. De alguma forma havia chorado sangue quando sentiu seu
– Nai... – Agares sacudia os ombros dela com gentileza. – Você está sonhando, acorde. Ela se sentou e se encolheu nos braços dele, ainda sentindo a presença de Yekun por todo o seu corpo e o gosto de seus lábios nos dela. Sentia-se culpada por algo que não fez e o cuidado de Agares a abraçando deixava a situação um pouco pior. – O que foi? Você está tremendo, com o que estava sonhando? – Não me lembro – mentiu. – Só me abraça e não me deixa, por favor. – Claro que não... Vem cá. – Puxou-a ainda mais para si, ajeitando a coberta grossa sobre ela, aninhando-a em seus braços e beijando o alto de sua cabeça. – Minha menina, não gosto de vê-la assim. Isso tudo não está lhe fazendo bem... Mas vai dar tudo certo, amanhã tudo isso terá acabado e teremos paz novamente. As palavras de Agares trariam confortado seu coração se a sua preocupação fosse realmente a luta do próximo dia. Naiara tocou os próprios lábios e sentiu o gosto de Yekun em sua boca nov
“Em tempo de paz convém ao homem serenidade e humildade; mas quando estoura a guerra deve agir como um tigre!” (William Shakespeare) A imagem seria maravilhosa se o objetivo não fosse atacar e destruir. Saíram em formação de V com Heylel à frente, Naiara ao seu lado direito e Agares ao seu lado esquerdo. Élida, Yekun e Abigor seguiam nas laterais. Assim que cruzaram a porta principal, depararam-se com um exército incontável de criaturas das mais variadas formas e quase todas faziam a espinha da jovem gelar de pavor. Estavam todas abaixadas sobre um joelho, reverenciando a chegada de seu mestre, um mar negro e vermelho de peles grossas, corpos gigantes e dentes afiados. Garras para as quais não se fazia necessário arma, algumas cujo longo rabo trazia em sua ponta um punhal venenoso. Heylel parou diante dos seus soldados, maravilhado. Havia um brilho diferente em seus olhos, estava claro que a guerra despertava o melhor e o pior nele. Naiara se viu tão a
“A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace.” (Victor Hugo) Naiara não sabia exatamente para onde estava indo, somente corria pelos corredores da fortaleza com seus instintos a direcionarem seus passos, tendo todos ao seu redor. Sentia como se as paredes a chamassem, orientando o caminho a seguir. Somente ouvia-se o barulho dos passos e a respiração acelerada do grupo. Estava tão focada no caminho, levada por seu instinto, que não se deu conta do comitê que os esperava assim que um dos grandes corredores terminou, revelando um amplo espaço aberto. No centro dele, Belial sorria com sarcasmo e Samyaza, ao seu lado, ainda parecia usar um irritante vestido a vácuo. A menina parou de súbito, deparando-se com seus inimigos e notando que o grupo às suas costas imitou seu movimento. – Que pena! Estava tão bonita, pequena Naiara, enquanto corria ao encontro da mamãe