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Capítulo 3: Terapia

Eu já perdi as contas de quantas vezes precisei corrigir que Jung é meu namorado, não amigo. Não escondemos da minha família a anos. Porém, em estado de negação as pessoas sempre se referem a nós assim. 

A sociedade julga a amizade entre homens e mulheres, dizem ser impossível esse tipo de relação sem o mínimo de interesse. Mas tratam um relacionamento homoafetivo como uma simples amizade, sinceramente isso cansa, em ambos os lados. 

Eu sonho com um mundo onde a sociedade poupe o universo de suas opiniões desnecessárias. Adubar o planeta é necessário, mas não com palavras. 

Yejun sabe sobre nossa relação, mas claramente faz de propósito já que adora me provocar. Nunca entendi o motivo, foi ele quem se afastou, mas não é como se eu me importasse. 

— Vocês não vão falar com o titio dois, não? — Jongun perguntou se abaixando ao meu lado para alcançar as meninas.

— Oi, tio Gun! — disse Bora. 

— Elas não são suas sobrinhas — Yejun disse em tom de implicância. 

— Você não é gente mas eu considero, então é a mesma coisa — Jung rebateu debochando me arrancando uma gargalhada alta. — Olá meninas, como vocês crescem rápido estão lindas, preciso me acostumar com isso antes de me tornar pai.

— Não precisa ter pressa, ainda não existe ciência capaz de fazer um homem ter um bebê — mais uma vez Yejun provoca fazendo com que Jongun revire os olhos e foque em fazer carinhos nas pequeninas. 

— Engraçado... pensei que fosse você quem tinha feito Bora e Hayun, duas opções: É corno ou não é um, homem? — contrapus me levantando com dificuldade para me equilibrar com as sacolas e Hayun nos braços, Jongun faz o mesmo com Bora — Vamos entrar! 

Meu cunhado não disse mais nada, apenas deu lugar para que entrássemos já nos deparando com minha mãe e irmã sentadas na sala. Elas não se importam muito com nossa presença, mas estou feliz em vê-las. 

— Boa tarde mamãe, Minji. Como vocês estão? — foi a primeira coisa que eu disse ao notar a expressão carrancuda das duas para Jongun, colocando Hayun com cuidado no chão. 

— Trouxe seu namorado para envergonhar a gente? — perguntou mamãe se levantando para pegar as sacolas da minha mão, ignorando as que Jongun estendeu a ela. 

— O que? Do que a senhora está falando? — questionei realmente confuso trocando olhares com Jongun, que dá de ombros e faz um bico e desce Bora de seu colo em seguida. 

— Não é óbvio Jihoon? Nossos problemas de família nada tem a ver com seu macho, não acha inconveniente deixá-lo saber de nossas dificuldades e ainda trazê-lo com você? — quem pergunta é Minji se acomodando nos braços de Yejun, que sentou a seu lado com Hayun.

Jongun sorriu azedo e também se sentou no sofá, largando as sacolas no chão e ignorando os olhares tortos de seus cunhados. Bora que é apaixonada por ele corre para subir em seu colo, e é muito bem recebida. 

— Jongun é meu marido, sabe de absolutamente tudo a meu respeito, aliás... — suspirei dando alguns passos em direção de onde Jung está para me sentar com o mesmo. — quem tem dinheiro é ele querida, ainda não sou rico. Graças a meu macho — debochei usando suas palavras. — que segura as pontas praticamente sozinho, posso enfiar meu dinheiro na bunda preguiçosa de vocês — Jung sorri e me recebe com um selinho. 

— Está vendo Minji, ele está jogando na nossa cara e ainda nos desrespeitando com indecências na frente de nossas filhas. Quando eu conseguir um emprego, vou cuidar de vocês para que não precisemos passar por esse tipo de humilhação — Yejun reclamou e se levantou para se retirar da sala levando as meninas consigo, o que não as agrada pois começam a chorar me deixando furioso com o pai, mas eu não contesto. 

Minha mãe que até agora estava na cozinha voltou, mais uma vez ignorando os itens próximo a Jongun, que não se importa nem um pouco com seu desprezo e cruza as pernas se acomodando melhor em seu assento. 

— Onde estão as meninas? — perguntou ao notar que as crianças não estão presentes. 

— Yejun as levou para o quarto, Jihoon estava com indecências na frente delas — Minji respondeu fazendo com que minha mãe nos olhe com repulsa e julgamento. 

— Senhora Park, isso não é verdade. Eu apenas dei um beijinho inocente em seu filho e... — Jongun que geralmente apenas ignora, resolveu responder. 

— Me poupe de explicações vocês são homens, precisam saber como se comportar na frente das crianças, fiquem de agarramento na casa de vocês, longe das meninas.

— Eu quem vou me poupar de responder vocês mamãe, não querem o resto das coisas, né? Posso levar para casa sem o menor problema, vai estragar tudo minha dieta não inclui guloseimas, mas, e daí? Meu macho como vocês dizem, é rico. Vamos Jongun, já terminamos o que tínhamos a fazer aqui — digo me colocando de pé e estendendo a mão para ajudá-lo a se levantar também. 

— Espera... pode deixar aí, obrigada meninos, que Deus abençoe vocês e tenha misericórdia de suas vidas — as palavras da minha mãe fazem com que eu me sinta mais amaldiçoado que abençoado.

— Tudo bem, agora vamos indo, fiquem bem — não consegui dizer nada além disso.

Agarrei a mão de Jongun e saímos em silêncio, com a mesma sensação de sobrecarga que sentimos todas as vezes em que precisamos vir até aqui. Nem me despedi das minhas sobrinhas, mas é melhor que mais desgaste. 

Qualquer demonstração de afeto entre mim e Jongun próximo a eles é motivo de comentários vazios e preconceituosos, minha família se esconde atrás do cristianismo para justificarem suas atitudes. 

Me cansei de tentar conversar sobre, é como jogar pedras preciosas aos porcos, não vale a pena. Todas as vezes que precisamos vir pra cá, temos que lidar com olhares tortos e comentários homofóbicos. 

No mundo dos ringues ouvimos coisas do tipo: luta é coisa para macho, não é para macho que gosta de macho. A masculinidade tóxica é exaltada dentro das academias de luta, infelizmente, mas um reflexo da sociedade, que desde cedo ensinam nós homens a engolir o choro e ser fortes. 

Estereotipando os homens como os fortes e inabaláveis, as mulheres como sensíveis e frágeis. Quando isso tem a ver personalidade, independente do sexo. 

Criando homens machistas e preconceituosos que repudiam qualquer sinal de fragilidade, o que se reflete sobre as mulheres e a comunidade LGBTQ+, mas o que é ser um homem, afinal?

Sofrer em silêncio para não demonstrar fragilidade? Não expressar emoções, não se comportar de modo que pareça feminino? 

E o que é ser feminino? 

Homens de comportamento tóxico não sabem como, e não têm recursos para dialogar, escutar ou entender as pessoas. Estão acostumados a fazer valer o exercício da força, e por que?

Tudo na vida é questão de gostos e preferências, algo totalmente relativo. Não cabe a ninguém julgar o que é certo ou errado, baseados naquilo que consideram como um padrão. 

Jongun e eu nos encaixamos naquilo que chamam de "macho" ou "parecem homens de verdade". Pelo simples fato de que temos forte ligação com a arte de socar caras. O que é estranho, na minha infância diziam que eu tinha "aquele jeitinho". 

Só quando demonstrei interesse pelo esporte, me encaixei no quesito ser macho. já que a luta geralmente é associada a violência, "masculinidade".

Luta não é violência! 

Os verdadeiros lutadores são aqueles que levam para sua vida social a educação aprendida nas academias, como pugilista tenho certeza que em todas as academias a primeira coisa a ser ensinado é a educação.

É claro que existem exceções, infelizmente.

Lutadores esportivos lutam por amor ao esporte, para mudar o mundo da violência. Lutadores de rua, em sua maioria, promovem o uso da violência como uma forma de punir aqueles que não os agradam. 

Sei disso porque estive lá!

Se todas as vezes que eu como lutador me sentisse incomodado, desferia um soco em terceiros. Já teria levado a nocaute metade das pessoas e dos meios de comunicação aos quais convivo. 

Inclusive a minha própria mãe.

— Você já parou para pensar que por trás de todo homem incrível, existe uma família fútil que não o valoriza direito? — Jongun comentou ao entrarmos no carro, assim que se sentou no banco passageiro. 

— Discordo, você é incrível e seus pais são maravilhosos, não só eles mas toda a sua família — respondi ligando o carro e pisando na embreagem, pronto para dar a partida. 

— Eles são maravilhosos porque eu sou um problema. Já se esqueceu que meu acidente foi ocasionado por consequência do meu próprio egoísmo? Tentando esconder minha real sexualidade para preservar a minha carreira, a troco de nada — rebateu amargo prendendo o cinto, antes de tocar minha mão em cima da marcha, olhei para seu rosto brevemente para voltar a atenção ao caminho. 

— Não seja tão duro consigo mesmo, você não foi egoísta só não estava preparado para lidar com todo julgamento, não tem nada de errado nisso. Aliás, vamos aproveitar nosso dia de folga para tomarmos sorvete, precisamos conversar — dei meu ultimato desviando o percurso para ir a sorveteria.

— Você vai tomar sorvete? — assenti. — o assunto deve ser bem sério para que queira quebrar sua dieta, que ousadia, na frente do seu treinador. Podemos levar para casa? Prefiro conversar no conforto do nosso lar, não estou com paciência para dar autógrafos e responder um monte de perguntas.

— Claro meu príncipe, sem problemas.

[...] 

O final de semana é algo que valorizamos muito, pois é o momento onde podemos conversar sobre nossos problemas pessoais, tenho andado bastante preocupado com alguns comentários de Jongun.

Sei que tudo é devido a falta que estar em cima dos ringues trás a ele, por mais que haja com naturalidade o fato de estar longe de toda a ação e glamour das lutas, entristecem seu coração. 

Me preocupo com sua saúde mental, por isso quero propor terapia para que ele saiba lidar melhor com sua nova realidade, e entenda de uma vez por todas que não é um impossibilitado. 

Apenas não pode lutar, está apto para outros tipos de atividade. O acidente causou uma fratura exposta dos ossos da perna direita, por isso faz o uso de placas e parafusos no tratamento das fraturas da diáfise dos ossos, eu não entendo ao certo o que isso quer dizer. 

Apenas decorei o que os médicos me diziam ao questionar o tratamento de Jongun. Eu sentia tanto medo de perdê-la que quase levei os doutores à loucura com meus questionamentos.

Ele ficou desacordado por longas 48 horas, os piores dois dias da minha vida. Se existe algum culpado em tudo isso este alguém, sou eu. Pois quem o pressionou a fim de que o tomasse uma posição, foi eu. 

Enfim, agora estamos sentados na sala no mesmo sofá um de frente para o outro mais um pote de sorvete. Jongun está animado como sempre fica com qualquer coisa que fazemos juntos, eu amo esse homem. 

— Eu conheço você, está preparando território para dizer alguma coisa que talvez eu não vá gostar, né? — deduziu levando uma colher cheia de sorvete até sua boca, cena que eu claramente não veria a 2 anos atrás.

— Olha só... acertou! Sou tão previsível assim? — digo levando os olhos para a colher que seguro dentro do pote, brincando como uma criança sem fome no recipiente. 

— Na verdade nem tanto, não faço ideia do que vai dizer agora — respondeu com um pouco de dificuldade devido a colher de sobremesa estar em sua boca. — do que se trata? Se for para falar sobre seu cronograma de treinamento me procure na segunda, por favor meu amor.

— Nada disso — digo levando uma mão até seu rosto, para tirar sua franja comprida de seus olhos deixando minha colher no pote de sorvete. — Você sabe que eu te amo mais que tudo nesse vida, certo? — assentiu também deixando sua colher para olhar em meus olhos. 

— É... acho que sei sim, vai terminar comigo e dizer que o problema é você não eu, é isso? — sua conclusão me fez rir e querer abraçá-lo. 

Por isso tirei o sorvete do sofá e coloquei na mesa de centro fazendo Jung reclamar, para puxar seu corpo para pertinho do meu e sentir seu cheirinho gostoso de shampoo de camomila. Ele sorri baixinho e me dá um selinho com gosto de sorvete de chocolate. 

Agora com Jongun deitado em meu colo faço carinho em seus cabelos, estes que em breve terão tamanho o suficiente para um rabo de cavalo, me curvo e deixo um beijinho estalado em sua testa para finalmente voltar a falar.

— Se você sabe que eu o amo, também deve saber que quero seu bem mais que tudo. Então... estive pensando, o que acha de fazer terapia?

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