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“Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
Antes se afirma para a eternidade. ”
- William Shakespeare -
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Inglaterra – Século XIX
~ Lydia ~
Não é curioso como às vezes certos fatos, aparentemente irrelevantes, da infância nos vem à mente, assim, do nada? Naquele dia, antes de sair de casa, eu me lembrei de uma noite qualquer ocorrida durante o inverno de 1826. Parecia que eu ainda era capaz de ouvir a minha própria voz, infantil e estridente:
— Aí está você, Branquelo!
Na escuridão da sala vazia, ele parecia um amontoadinho de roupas do jeito que estava: todo encolhido no canto da sala. Mesmo tendo seu esconderijo descoberto, ele não esboçou nenhuma reação. Mal me olhou e voltou a abaixar a cabeça. Parecia triste.
Além de termos a mesma idade, dez anos, usávamos o mesmo uniforme do internato para garotos. E essa parte é interessante, já conto o porquê. Bem, a roupa era composta por calças justas e um grosso casaco de lã. A única diferença é que eu usava uma boina na cabeça.
— Como me achou? — perguntou o pequeno Daniel Brand.
— Fui ao seu quarto e você não estava lá. Vasculhei este internato inteiro atrás de você!
Apesar de ser inverno, eu senti o suor – devido à correria – formar-se em minha testa. Então arranquei a boina, o que revelou os meus longos e revoltos cabelos aloirados.
E é aí que eu explico o porquê de meu modo de vestir ser interessante. Não era algo que se permitia que uma menina vestisse. Mas também não me permitiriam andar pelo internato se soubessem que eu era uma menina, então esse era o meu disfarce perfeito.
Desde criança que eu já tinha a estranha atração por tudo o que não era permitido. Não era à toa que minha mãe sempre fez questão de dizer que eu era a maior das inconvenientes.
Por falar na minha mãe, digamos que ela nunca tenha ido muito com a minha cara. Eu tinha oito anos quando ela praticamente me largou no Internato de Boas Maneiras para Moças, que funcionava em uma luxuosa construção anexa ao colégio para meninos. Sei que a intenção real disso era apenas se livrar de mim, mas ela alegava que era para que eu aprendesse a me portar como uma dama, para, quando crescer, me tornar uma boa esposa. Mas, ao invés disso, eu aprendi a vestir calças, pular muros e, assim, passei a frequentar o colégio masculino, que era bem mais divertido. E, dessa forma, eu conseguia ficar perto do meu melhor amigo. Na verdade, do meu único amigo.
Ali, eu não precisava forçar boa postura ou modos e, ao invés de conversas chatas sobre chás, piano e roupas, tinha alguém com quem falar a respeito dos livros que eu tanto gostava de ler.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, sentando-me no chão ao lado dele.
Levou alguns segundos até que Daniel respondesse, de forma constrangida:
— Hoje o meu pai veio buscar o Adam para passar o Natal com ele, no castelo.
Compreendi, então, qual era a situação. Daniel Brand e Adam Harrington eram meio-irmãos, ambos filhos de um Lord.
Unidos pelo sangue, mas separados pelos ditames sociais. Daniel era filho bastardo do Lord para quem sua mãe trabalhara na juventude, e por quem foi seduzida e enganada com falsas promessas. Ela morreu no parto e, desde então, o Lord deve ter sentido peso na consciência, porque passou a cuidar do sustento do menino, logo o colocando em um colégio interno. Às vezes, o visitava, mas era sempre bastante formal.
Adam, em contrapartida, era o filho legítimo, sempre cercado de mimos e atenção paterna. Quando a mãe faleceu, seu pai decidiu que talvez fosse bom que os irmãos se conhecessem e, assim, colocou o filho legítimo no mesmo colégio interno do bastardo. Também era uma forma de suprir a necessidade de presença familiar dos dois meninos e de fugir da responsabilidade de criá-los. Nos feriados, ele levava o Adam para a casa, onde este desfrutava do descanso e da companhia da família: tios, primos e avós. Já Daniel não tinha as mesmas regalias. Ainda que tivesse assumido seu sustento, a paternidade não poderia ser legalmente revelada. O menino era a vergonha da família Harrington.
O fato que nem mesmo o Lord contava é que seus dois filhos haviam se aproximado e se tornado melhores amigos. Porém, deixava claro que o relacionamento de amizade deveria se limitar à escola. Tudo pela moral e pelas boas aparências.
Não era à toa que eu sempre odiei essas tais de “boas aparências”. Parecia só servir para deixar as pessoas infelizes.
Sentei-me ao lado do Daniel, com cuidado para não deixar cair o livro que eu levava dentro do casaco.
— Você sabe que sempre foi assim, Branquelo. O Natal está chegando, e o Lord todos os anos leva o Adam para casa nessa época.
— E o Alex vai amanhã. Mais uma vez, acho que vou ser o único dos meninos que vai passar o Natal aqui.
Ah, Alex era o outro melhor amigo de Daniel e Adam. Os três formavam um grupo inseparável, mas só o Branquelo gostava de mim. O Alex era um chato, e dizia que meninas não sabiam fazer nada direito e não eram boas companhias para jogos ou conversas. Já o Adam concordava com a minha mãe na opinião de eu ser uma inconveniente. Ele sempre foi todo certinho e dizia que não queria estar perto quando algum professor descobrisse o que eu fazia, muito menos que achassem que ele tinha conhecimento disso.
Apenas o Daniel gostava de mim. Tratava-me da mesma forma como tratava os outros garotos. E eu adorava viver essa ilusão de que eu poderia fazer as mesmas coisas que eles. Ser tão livre quanto eles.
Mas, é claro, o tempo me ensinou que não era assim que as coisas funcionavam.
— Olha pelo lado bom, Branquelo. Eu também não vou a lugar algum.
Ele esboçou um sorriso. Mas era mais de alívio, por não ficar sozinho, do que propriamente de alegria. Nossa situação não era nada animadora. Ambos abandonados, praticamente sem família. Devia ser por isso que tínhamos ficado amigos e nos dávamos tão bem.
— Que livro trouxe hoje, magrela? — Ele apontou para a minha barriga, onde, por baixo do casaco, eu trazia sempre um livro roubado da biblioteca, para lermos juntos.
Peguei o exemplar de capa grossa e mostrei a ele.
— Sir William Shakespeare.
O Branquelo fez careta.
— De novo?
Mais uma vez, precisei explicar minha preferência:
— Era o escritor favorito do meu pai. E por isso é o meu também.
Ele bufou, mas sabia que de nada adiantaria reclamar. Era a única leitura que tínhamos para aquela noite e ele teria que aceitar. Ajeitei-me sentada ao lado dele, colocando o livro entre nós. Como sempre fazíamos, cada um de nós lia uma página. E ficaríamos assim, entretidos na leitura, até o amanhecer, quando eu voltava para o meu internato, onde também era o meu lar.
A Megera Domada falava sobre acordos de casamento. E, como sempre acontecia, a leitura era constantemente interrompida pelas nossas conversas. O Branquelo, que era bem menos focado do que eu, era quem quase sempre puxava algum assunto com relação à história do livro.
— Quando crescer, vou querer uma noiva como a Bianca.
— Falta muito para isso! — retruquei. A ideia de crescer nunca me pareceu muito animadora.
— É claro que não falta. Logo serei um homem adulto, e poderei me casar!
— Coitada da sua esposa! — impliquei.
— Coitado é do seu marido, que vai ter que te aturar, sua magrela!
— E quem te disse que eu vou me casar?
— Vai ser solteira para sempre? — Ele franziu a testa.
— Vou!
— E como fará para viver?
— Bem, nisso eu ainda não pensei, mas... Deixa de ser chato, Branquelo! Sua vez de ler!
Continuamos com a leitura. E, como era previsto, passamos a noite inteira assim. Muito embora a gente não conseguisse entender boa parte do que líamos, era a nossa forma de passar o tempo, de se divertir um pouco... e de ficarmos juntos.
Apenas anos depois, quando ambos saímos da escola, foi que eu realmente compreendi a importância daqueles momentos. E, mesmo agora distantes, de certa forma eu tinha certeza de que o Daniel compreendia também.
Agora, como daquela vez, também era inverno. Mas muitos anos tinham se passado. Novamente, eu saía de um lugar, escondida e usando calças. Novamente, fui à procura do meu melhor amigo.
Do meu ainda único amigo.
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Capítulo um - Magrela?* * * * * * * * * *"Quando o amor é sincero ele vem com um grande amigo, e quando a amizade é concreta ela é cheia de amor e carinho"- William Shakespeare - * * * * * * * * * *Londres – 1841~ Daniel ~ Em uma época em que os casamentos arranjados e de conveniência eram um fato normal à sociedade, duas pessoas unidas pelo amor representavam algo raro e, ao mesmo tempo, comovente. Mas esse, definitivamente, não era o caso do casal à minha frente.&nbs
Capítulo dois - Entrando em problemas* * * * * * * * * *“Se você se sente só, é porque ergueu muros em vez de pontes"- William Shakespeare -* * * * * * * * * *~ Lydia ~ Eu ainda aguardava por alguma resposta. Ensaiei aquele momento tantas vezes, que esperava por qualquer tipo de reação da parte dele. Esperava que ele gargalhasse, que dissesse que eu estava louca em lhe pedir algo daquele tipo, ou mesmo que levantasse e saísse correndo. Mas nunca, em momento algum, imaginei que ele, simplesmente, não tivesse reação alguma. Ficou parado, estático, me encarando com os olhos azuis arregalados. Sequer piscava!— B
Capítulo três - "Você o ama"?* * * * * * * * * *“O amor não se vê com os olhos, mas com o coração”- William Shakespeare -* * * * * * * * * *~ Daniel ~ Se, posteriormente, fosse perguntado sobre aquilo, eu certamente não saberia como me explicar. Não conseguiria dizer o que me levou àquela atitude. Foi como se os olhos dela tivessem atraído os meus, como dois ímãs, causando em mim um incontrolável desejo de beijá-la. Apenas me dei conta do que estava prestes a fazer quando nos afastamos subitamente, assustados com uma vassoura que havia caído – após a mão de Lydia, acidentalmente, esbarrar nel
Capítulo quatro - Sonhos* * * * * * * * * *“Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos.Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.”- Willian Shakespeare -* * * * * * * * * *~ Daniel ~Praticamente nem senti aquelas duas semanas passarem. No fim das contas, nossa armação não foi um “massacre” para nenhum dos dois. Tiv
Capítulo cinco - Inveja ou falsidade?* * * * * * * * * *“Não pode haver couraça mais potente do que um coração limpo Está três vezes armado quem defende a causa justaAo passo que está nu, ainda que de aço revestido, o indivíduo de consciência manchada por ciúmes e injustiças”- Willian Shakespeare -* * * * * * * * * *~ Lydia ~Tio Joseph ficara na mansão por poucos dias. Apenas duas semanas depois que Daniel foi embora, ele também se foi. Para mim, as semanas que se seguiram foram angustiantes. Contava nos dedos os dias que faltavam para que o Branquelo retornasse.<
Capítulo seis - Descobertas* * * * * * * * * *"Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente."- William Shakespeare -* * * * * * * * * *~ Lydia ~Aquela era a quinta visita de Daniel. Ou seja, o quinto mês em que a farsa do noivado era mantida. Apenas mais três meses, e tudo estaria terminado: eu completaria os meus vinte e seis anos de idade e, com isso, estaria livre de minha obrigação de me casar com Lord Gregory. Não haveria mais motivos para fingir estar comprometida com outra pessoa. Daniel estaria livre.Evitava pensar a respeito disso. Apenas me sentia feliz a cada visita de Daniel, e quando ele ia embora, sofria o martírio de contar os dias que faltavam para que ele voltasse. As semanas que ele passava comigo eram simp
Capítulo sete - As batidas de dois corações* * * * * * * * * *“Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram;Assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; Assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.”- William Shakespeare -* * * * * * * * * *~ Lydia ~ Aos poucos, comecei a despertar, sentindo-me um tanto quanto zonza. Primeiramente, senti minhas pálpebras pesadas e ardendo... Aquela sensação típica de quem pegou no sono depois de tanto chorar. Uma sensação que eu desconhecia já há muitos anos. Aquilo me trouxe um gosto amargo de infância... Da minha infânc
Capítulo oito - Por uma última noite* * * * * * * * * *“Nossas dúvidas são traidorase nos fazem perder o quê, com frequência,poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar.”- William Shakespeare -* * * * * * * * * *~ Daniel ~ Quando voltei para casa, levando Lydia comigo, tive o terrível desprazer de, logo no jardim, me deparar com Sarah. Ela estava sentada em um banco, escrevendo algo que deveria ser uma carta – como as muitas que dizia enviar ao noivo – mas se levantou e veio em nossa direção. — O que aconteceu? — A pergunta