Capítulo 9

Por Lilian Alcântara.

Após daquele fatídico encontro com Kevin no restaurante, não tive mais sossego o dia todo. Ele simplesmente não saá dos meus pensamentos. Oh, Deus, não foi fácil ter que olhar naqueles olhos, que antes eram carinhosos e cheios de amor e que agora carregavam frieza e ódio. Respirei profundamente quando me lembrei do seu hálito quente, batendo em meu ouvido, que me causou terríveis arrepios na coluna... Droga! Droga! Droga! Mil vezes droga! Grito internamente. Algumas batidas na porta do meu quarto me arrancando dos meus pensamentos, que inundam ultimamente  a minha cabeça, e mamãe entra logo em seguida, abrindo um lindo sorriso em seu rosto.

_ Oi, meu amor! Só vim avisar que teremos um jantar na casa dos Lacerda essa noite. Célia nos convidou... _ Ela começa a falar e falar e eu só consigo pensar em, como farei para escapar desse jantar? _ Contei para ela que estava aqui de férias e como você e Karina são super amigas...

_ Ãh... não sei vou poder ir a esse jantar mamãe. _ interrompo a conversa e ela parece se surpreender com o que acabei de falar, então, ela se senta ao meu lado na cama.

_ Porque não pode, querida? Olha se for pelo Kevin, não se preocupe, Célia me garantiu que ele só costuma ir visitá-los nas sextas. Eu não entendi bem, mas acredito ser devido ao trabalho. _ Olho para mamãe intrigada.

_ Por que pensa que tem a ver com o Kevin?_  Procuro saber.

_ Bom, porque vocês morriam de amores um pelo outro, e de repente tudo acabou e até hoje eu ainda não entendi o porquê de vocês acabarem um relacionamento tão lindo como aquele. Ah, filha, vocês eram tão perfeitos juntos! _  diz com uma voz arrastada e sonhadora. _  Acredita que eu cheguei a sonhar com o casamento de vocês?_ Eu também. Pensei desanimada. Afasto-me da cama e vou até uma janela, e olho para fora, tentando pensar em alguma desculpa plausível. Então volto o meu olhar para a minha mãe, que espera por minha resposta com um sorriso esperançoso nos lábios.

_ Não tem nada a ver com Kevin mamãe. Eu só não sei se quero ir a esse jantar, só isso. Mas se você faz tanta questão, por mim tudo bem! _ Forço um sorriso e dou de ombros. _ Pode confirmar minha presença.

_ Hum! Obrigada, filha linda! _ cantarola revelando uma felicidade que me arranca um sorriso maior, então ela me abraça e vai para fora do quarto. _ Vou avisar a Célia agora mesmo.

 🖤🖤🖤🖤

A noite estou pronta para o tal jantar. Optei por uma calça pantalona vermelha e uma blusa delicada de renda branca. Pus os saltos altos de bico fino e para acompanhar esse look, escolhi um conjunto de brinco e pulceira com minusculas pedrinhas da cor da calça. Fiz um coque em meus cabelose uma maquiagem simples e assim que desci as escadas, encontrei todos na sala a minha espera. No caminho não converso com ninguém, pois minha mente estava fervilhando em pensamentos. Faz muito tempo que não vejo Karina e que não nos falamos. Qual será sua reação ao me ver na mansão, visto que ela é a única pessoa de fato que sabe o que realmente aconteceu?  Sim, fomos grandes amigas, daquelas de contar confidências uma para a outra, porém, nossa amizade ficou bastante abalada com o término violento do nosso namoro. Sinto meu estômago embrulhar só de saber que estou indo aquela casa de novo, e sei que lá as lembranças serão mais vividas do que em minha própria casa.

Somos recebidos por dona Célia Lacerda, Karina e pelo senhor Álvaro Lacerda. Logo na entrada, sou abraçada com muito carinho pelo casal, mas abraço que Karina me deu foi muito esquisito e por incrível que pareça, eu entendo o seu receio e o tempo todo, Karina parecia sem graça e desconfortável com a minha presença ali. Não me surpreende, depois que tudo aconteceu, eu me afastei completamente dela e, do dia para noite, inventei um intercâmbio e saí do país sem ao menos me despedir, e desde então, não a procurei mais. A conversa na sala está bem animada, quando a campainha da casa começa a tocar e dona Célia vai atender, ela volta segundos depois segurando a mão do seu filho. Nossos olhos se encontram, ou melhor, os deles digladiam com os meus e a noite para mim, acabou! Se já estava difícil aguentar os olhares acusatórios da  Karina em cima de mim, imagine como ficou sufocante agora com ele bem ali na minha frente.  Desvio os meus olhos do par de olhos gélidos, quando ele começa a cumprimentar todos no cômodo, e conto os minutos para que essa noite termine. Na mesa a senhora Lacerta tenta manter um assunto animado e me fazem perguntas sobre NY  e sobre o meu trabalho, isso manteve a minha mente distante do meu desconforto. 

_ Então você trabalha como psicóloga? Imagino que deve ter muito trabalho por lá, aquela cidade é uma loucura! _ Senhor Álvaro comenta, me fazendo sorrir.

_ Não é tão trabalhoso assim, seu Álvaro. _ Começo a falar, quando o meu celular vibrar no bolso da minha calça. Olho paridamente a tela e vejo que Cris, minha amiga de trabalho. _ Desculpe, eu preciso atender _ peço, me levantando, e sem graça me afasto da mesa e vou direto para o jardim da casa. _ Oi, Cris! _ sibilo entusiasmada com sua ligação.

_ Alguém está muito ocupada aí no Brasil, tanto que se esqueceu até dos amigos aqui em NY! _ Ri do seu comentário. _ Como estão as coisas por aí amiga? _ Suspirei audível.

_ Difíceis _ confesso desanimada. _ Estou na casa dos pais dele.

_ O quê? _ indaga quase aos gritos. _ Como assim está na casa dos Lacerda... Ai, meu Deus, vocês voltaram?! Me diga que conversaram, ou algo do tipo? _ Sua empolgação é frustrante.

_ Só que não. _ retruco desanimada. _ Minha mãe teve a brilhante ideia de me trazer para um jantar na casa deles e, aí já viu, né? Depois eu te ligo, Cris, preciso voltar para mesa.

_ Tá bem, mas quero saber de todos detalhes, viu? Te amo amiga linda, se cuida!

Ount! Também te amo e estou morrendo de saudades de você!

_ Está nada, não seja falsa! Já faz uma semana que está aí, e nem sequer me ligou!

_ Não fala isso, você sabe o quanto amo você! Depois a gente se fala, beijos. _ Encerro a ligação, olho para a garagem e penso em nosso cantinho, aqui mesmo nesse jardim, bem perto de um pequeno lago, e sem pensar duas vezes, desço os três degraus e sigo para o nosso cantinho,  e mais uma vez esbarro em uma parede de músculos na minha frente. Seguro firme em seus ombros e falo em um fio de voz:

_ Desculpe! _ Suas mãos quentes seguram firme a minha cintura, queimando a minha pele por cima do tecido, fazendo meu coração bater acelerado no peito. Seu rosto está tão próximo do meu, que... _O que estava fazendo aqui? _ Caio na real e pergunto quando percebo que ele estava perto demais de onde eu conversava com minha amiga. Ele não estava ouvindo a minha conversa, não é? Claro que não, isso é loucura, a final, o cara é casado!

_Eu estava tomando um ar _ diz se afastando. _ Estava quente lá dentro. _ Ele me solta aos poucos e parece sem graça. Respiro fundo e me recomponho. _ Estava indo embora sem se despedir? _ acusa. _ Minha mãe ficaria desapontada, ela gosta muito de você _ diz, olhando para os lados, menos para mim.

_ Não estava indo embora... eu só, ia dá uma volta._ Faço um gesto com as mãos, indicando o jardim. Kevin me olha nos olhos e depois para minha boca, porém, eu me afasto um pouco constrangida. _ Vou voltar para mesa. _  aviso, apontando para a porta e me viro para deixá-lo no jardim, sem esperar que diga algo. Enquanto caminho pelo saguão, puxo a respiração várias vezes, tentando acalmar o meu corpo e quando chego a mesa, peço desculpas por ter que atender o telefone. Eles apenas me sorri e eu me sento em minha cadeira sobre o olhar especulativo de Karina, desvio o meu olhar do dela e tento me concentrar na conversa, que agora, é sobre a nossa infância. Kevin entra na sala de jantar minutos depois e se acomoda em seu lugar. Ele olha para a sua irmã e depois para mim e baixa sua cabeça.  Quando o jantar termina, vamos todos para a sala de estar e uma empregada da casa  nos serve um café, que eu dispenso e todos voltam com a conversa animada ainda sobre a nossa infância. Noto um resquício de um sorriso no canto da boca de Kevin, por conta de um comentário de meu irmão e me pego admirada com aquele minusculo sorriso. O primeiro desde que o vi mais cedo. Às onze, finalmente entramos no carro e confesso que me sinto aliviada de poder sair da mansão. Papai e mamãe se demoram um pouco com as despedidas, e quando entram no carro, soltam uma bomba que eu não esperava.

_ Convidei os Lacerda para nosso aniversário de casamento nesse sábado. _ Porra, quanto mais eu corro, mais perto ele está de mim! Bufo. Vão ser as férias mais cansativas que eu já tive na vida! Penso.

_ Que bom, mamãe! _ digo, porque não sei exatamente o que dizer disso tudo.

_ Não é filha?

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