Nathália
Adoro usar saltos. Mas também adoro o momento de tirá-los quando chego em casa. Tenho o hábito de tirar os sapatos logo na entrada e de calçar meus chinelos macios antes mesmo de trocar de roupa.
Uma música baixinha tocava no som da sala, mas o ambiente estava na penumbra. Um cheiro delicioso de comida vinha da cozinha. Certamente Beatriz estava preparando alguma receita nova. Respirei fundo e olhei para a minha sala de estar. Eu tinha orgulho de cada pedacinho do meu apartamento. Ele foi decorado do jeitinho que sonhei. Ambiente aconchegante, com cores alegres e que ao mesmo tempo proporcionava um aconchego familiar.
Olhei para os sofás, um de três lugares e outro de dois. Quando os escolhi pensei em finalmente encher a casa de amigos para assistir filmes ou mesmo jogar conversa fora. Mas ainda não tinha cumprido essa promessa para mim mesma. O meu jeito workaholic de ser ainda não permitiu fazer as tão sonhadas reuniões nos fins de semana. Mas, pelo menos, eu teria Beatriz para me alegrar pelos próximos dias, mesmo que eu só pudesse aproveitar a sua companhia à noite.
Bia, como prefere ser chamada, é minha amiga de longa data, desde quando eu morava no interior. Sempre teve dotes culinários e conseguiu realizar o sonho de expandir a pequena pensão da sua família em um restaurante especializado em comida italiana. E todas as vezes que ela vinha para a cidade realizar algum curso fazia questão de hospedá-la em meu apartamento.
— Nath?! — Bia gritou da cozinha. — Cadê você, mulher? Vem aqui experimentar minha mais nova receita.
Tive que dar uma sonora gargalhada assim que entrei na cozinha. Ela estava toda paramentada com chapéu de mestre cuca e um avental. Uma luminária reforçava a iluminação e um tripé apoiava seu celular.
— Uau! Quer dizer que aqui virou um cenário de culinária? Gravou mais um vídeo para o seu canal do YouTube justamente aqui? Desse jeito a hospedagem vai ficar mais cara. — brinquei.
— É um pecado ter uma cozinha tão bem equipada e linda para esquentar congelados. — Bia deu uma rodadinha apontando para todos os cantos. — Deus castiga, sabia?
— E se os congelados forem essas delícias que você prepara? Meu pecado será amenizado? Vou para o purgatório em vez de ir direto para o inferno?
— Credo, Nathália! Aqui ninguém vai pra purgatório ou inferno. Você se lembra de um quadrinho que eu tinha no meu quarto com os dizeres “Meninas boas vão para o Céu e as más vão para onde quiserem.”.
— Eu me lembro! Você sempre curtiu essas coisas.
— Um dia eu vou comer algo preparado especialmente por você, Nath. Não desisti do meu plano ainda. Mas, justamente esse seu jeitinho me inspirou numa nova linha de receitas.
— Inspirada em mim?! Que honra!
— Exato. Apesar de achar um sacrilégio, esse seu jeito executiva e sem tempo me fez pensar em finalmente lançar uma linha de congelados. Vai se chamar Piccole Porzioni, que é a tradução de pequena porção em italiano. Porções individuais para solteiros que não tem tempo para cozinhar.
— Agora eu me senti representada! — Vibrei. — Parabéns. E cadê essa delícia?
— Experimente isso aqui.
Bia colocou uma pequena porção de nhoque a bolonhesa em um pratinho e, ao dar a primeira garfada, dei um gemido involuntário de prazer. A expressão dela era uma mistura de riso e deboche. Cruzou os braços sobre o peito, encostou-se na bancada e continuou me encarando.
— Por que você está me olhando com essa cara? — Perguntei ao mesmo tempo em que colocava outra generosa garfada na boca, soltando mais um gemido.
— Se você grunhir desse jeito quando finalmente conseguir transar com o Alex, ele vai te pedir em casamento no segundo seguinte. — Bia começou a fazer movimentos sensuais segurando a colher de pau e tive que rir. — Amiga, falando sério. Seu gemido foi tão sexual que desconfio que seus prazeres tenham sido apenas gastronômicos nos últimos tempos.
Puxei uma cadeira, larguei o corpo nela e apoiei o rosto em uma das mãos.
— Acho que o último cara que eu fiquei deve ter uns três meses. — confessei.
— Isso não faz bem pra saúde. — Ela gesticulava com a colher de pau e falava em tom de reprimenda. — Aprendi com um desses coaches que postam um bocado de vídeos na internet que devemos equilibrar todas as nossas partes da vida. E a sexual é uma delas, sabia? Você só pensa em trabalho.
— Olha quem fala. Você faz um curso atrás do outro.
— Faço mesmo. Mas já adicionei um dos alunos gatinhos nas redes sociais. Uma bundinha linda e uma tatuagem que pula das mangas da camisa apertada que usa. Já estou fazendo planos de checar até onde essa tatuagem vai.
— Você não tem jeito, Bia! — Joguei um pano de prato em cima dela. — Não perde tempo.
— Não perco mesmo. E você deveria fazer o mesmo. Um mulherão desses criando teia de aranha? E por vontade própria? Mas, agora me conte. Como pretende pegar o tal do Alex?
— Não sei ainda. Mas pode deixar que se isso acontecer saberá de todos os detalhes.
— Vamos corrigir isso agora, dona Nathália? Não gostei da parte do “se isso acontecer”. Vamos trocar por um “quando isso acontecer” agora mesmo.
— Que fogo, hein? Qual é mesmo o número dos bombeiros?
— Fogo?! Eu passei o último ano da sua faculdade ouvindo o quanto o cara era lindo, gostoso e rei da beleza que eu mereço, inclusive, ganhar um prêmio por melhor ouvinte na categoria “amores platônicos”.
— Eu vou ser a profissional exemplar de sempre durante uma semana. Mas, com o fim do trabalho, nada me impede de comemorar o sucesso do evento com ele.
— Agora minhas esperanças começaram a sair do CTI. Bom, com fome eu falo ainda mais besteiras do que o normal. Vamos jantar. — Ela desligou o fogo e começou a arrumar a pequena mesa da cozinha. — Ela fez aquela pose das mães italianas que falam gesticulando. — A senhorita vai agora tirar essa roupa de escritório e colocar uma roupa confortável. Vamos comer essa delícia e já deixei engatilhada a nova temporada de Outlander para assistirmos em seguida.
— Aquele ruivo maravilhoso? Sim, senhora, vou agora mesmo!
Levei um senhor tapa na bunda ao sair da cozinha e corri para o chuveiro. Ter a Bia em casa era certeza de diversão, boa comida e uma pitada de conversas picantes. A água escorrendo pelo corpo deu uma sensação gostosa de relaxamento. Foi um ótimo investimento o sabonete com óleos essenciais com lavanda aromática.
Antes de colocar o pijaminha confortável, olhei-me do espelho do quarto. Quando me senti feliz com o meu próprio corpo fiz questão de colocar um espelho de corpo inteiro. Foi um grande progresso para a minha autoestima. Antes eu mal conseguia me olhar naqueles espelhinhos de bolsa.
Não foi difícil me imaginar assim, nua, no mesmo quarto com o Alex. Eu tinha fantasiado aquilo durante muito tempo. A antiga Nathália nunca conseguiria. Não por ser excessivamente magra e sem jeito, mas por não confiar em si mesma.
A Bia estava certa. Eu estava negligenciando o meu lado mulher e focando muito no lado profissional. Desde que eu soube que seria promovida a diretora executiva, apesar de achar que seria o maior desafio profissional da minha vida, no fundo eu sabia que eu daria conta. Conheço aquela agência como se fosse minha. Essa mania de perfeccionismo às vezes me atrapalha. Eu realmente preciso aprender a relaxar mais.
O jantar com a Bia foi delicioso e divertido e com boas doses de Sam Heughan, o ator que interpreta o Jamie Fraser de Outlander.
NatháliaOs dias que separaram meu encontro com o Alex passaram rápido. Adiantei bastante coisa com a Roberta, deixei algumas tarefas de outros eventos com duas assessoras e cá estou eu em pleno domingo no Silver Hitz.Oito executivos de outros estados viriam para as reuniões. Como elas começariam cedo já na segunda-feira, vários chegaram no decorrer do domingo. Faz parte das minhas atividades gerenciar os motoristas que vão buscá-los no aeroporto, ficar de olho nos horários dos voos e auxiliar no check-in do hotel.Já estava ligada no modo executiva desde a hora do almoço. A agência possui dois uniformes para os eventos, um verde, que geralmente usamos nas reuniões externas, e um preto para reuniões internas. Gosto do preto, ele é tipo um terninho feminino com saia ou calça comprida e blusinha verde clara. Optei pela saia e furei o protocolo do
AlexCheguei ao Silver Hitz meia hora antes do evento. Precisei dispensar uma festinha privê para dormir mais cedo no domingo. Dormir em teoria, já que acordei de uma em uma hora com medo de me atrasar. Só poupei meu lindo corpinho de doses de álcool. Doeu o coração quando dispensei o encontro mensal na casa do Cadu, que é sempre cheio de gatas loucas por aventuras sem compromisso. Será que você está começando a tomar jeito na vida, Alex? Terei outras oportunidades de farrear com o Cadu. Preciso ter foco! Tudo pela promoção e pelo brinde final com a gostosa da Nath.Troquei apenas alguns e-mails com ela para ajustar todos os detalhes. Eu já tinha entendido tudo, mas me fiz de idiota só para poder falar com ela, mesmo que por texto. Preferi não falar pelo telefone, pois correria o risco de a voz dela provocar reações no meu corpo que
NatháliaApós o almoço, voltei para o espaço do evento para autorizar a arrumação da sala antes da segunda parte da reunião. Peguei o espelhinho dentro da bolsa apenas para retocar o batom e ver se tinha alguma coisa nos dentes. Tem vergonha maior do que sorrir para os outros com os dentes sujos?O pessoal do hotel é muito eficiente e rapidamente concluíram o serviço. Esperei até que todos os participantes estivessem dentro da sala de reuniões para ir ao banheiro. Estava apertadíssima e também queria retocar a maquiagem e o cabelo.Enquanto me olhava no espelho e ajeitava alguns fios rebeldes, pensei no almoço com o Alex. Eu percebi a estratégia dele assim que aconteceu. Um lado meu ficou toda animada, pois vi que ele queria ficar sozinho comigo. Mas quando começamos a conversar, minha animação foi murchando ao ponto
GabrielDepois de tomar um analgésico para a dor nas costas e um banho quente, deitei um pouco para relaxar antes de esquentar a lasanha congelada no micro-ondas. Geralmente gosto de cozinhar, em especial um bom filé acompanhado de salada, mas aquela semana seria puxada. Com a experiência dos eventos anteriores e sabendo que eu chego em casa cheio de preguiça de enfrentar o fogão, fiz meu estoque de congelados, apesar de não curtir muito. Precisei focar na praticidade quando planejei as últimas compras. Estávamos apenas no primeiro dia, mas muito importante para o planejamento do ano seguinte.Por mais que eu tivesse me concentrado ao máximo durante as reuniões e na minha apresentação, não tinha como evitar pensar na Nath. Ainda mais ela estando tão perto. Ela estava ainda mais linda do que sempre foi.Quando o Ricardo, o gerente da filial de Goiâ
NatháliaO plano inicial era ir com a Bia ao teatro naquela quarta-feira. Já estava tudo perfeitamente organizado dentro da minha cabeça. Até que ela me fez uma visitinha surpresa no Silver Hitz na tarde de terça. Quase enfartei quando recebi a mensagem dela faltando dez minutos para o coffee break da tarde.Bia: Amiga, apesar de você agora ter um corpão digno de madrinha de escola de samba, um dos seus uniformes da Executive Premium coube em mim.Nath: Não tinha o que fazer no apartamento e resolveu fuçar o meu armário? Rsrsrs...Bia: Não. Eu não sabia mais o que fazer com a minha curiosidade para ver o do Alex pessoalmente. E agora com o bônus de saber que o tal Gabriel possivelmente era a fim de você.Nath: Não estou entendendo nada. Você bebeu vinho de alguma receita e já está meio altinha?Bia: Estou perfeitamente l&
AlexSinceramente não sei no que eu estava falhando. Percebi que a Nath ficou interessada desde o dia do fechamento do contrato. Mas, no decorrer da semana, vi que me tratava com educação, assim como fazia com todos os outros. Sua postura profissional não dava margem para qualquer tipo de cantada ou insinuação. Só consegui almoçar sozinho com ela no primeiro dia. E agora, último dia de evento, precisava dar minha cartada final.Antes do coffee break da tarde, arrumei uma desculpa para sair de uma apresentação enfadonha do gerente financeiro. Precisava aproveitar que ela estaria sozinha em sua mesa para tentar alguma coisa.Fui ao banheiro para disfarçar, dei uma conferida do visual e segui para o ataque. Ela digitava algo no computador e estava concentrada olhando para a tela. Precisei simular aquela tosse básica para chamar a sua atenção.— Oi,
GabrielOlhava pela janela do hotel para a linda vista da Praia de Iracema em Fortaleza. Eu ainda estava sem acreditar em tudo aquilo... Dentro do quarto, outra vista maravilhosa: Nath, com seus longos cabelos negros espalhados em cima do travesseiro, dormia coberta apenas pelo lençol. Não podia acreditar em tanta sorte. E esse era apenas o segundo dia de viagem.Durante o jantar, após a peça de teatro, apesar de ser um tanto arriscado, resolvi brincar que ela poderia me acompanhar na viagem de férias. Afinal de contas, ela estaria livre no mesmo período. E ela, sendo uma mulher totalmente decidida, não só aceitou o convite como emitiu as passagens ali, na minha frente, pelo aplicativo.Sempre gostei da antiga Nath. Mas eu duvido muito que ela faria isso sete anos antes. Agora, totalmente ciente de seus encantos e vontades, era ainda mais sedutora. Dizem por aí que os homens têm medo de mulhere
NatháliaUma confissão a fazer: nunca fui dada a festas de casamento. Compareci a algumas cerimônias, aceitei ser madrinha uma vez, já peguei um buquê disputadíssimo e me emocionei bastante assistindo cenas de filmes ou novelas. Entretanto, quando penso no meu caso particular, se eu vier a me casar um dia... Acho que dispensaria tudo isso sem remorsos.É tanta preocupação meses a fio, além dos gastos com roupa, igreja, flores, festa e buffet... Já soube de cerimônias que custaram o valor de um carro. Respeito o sonho de quem deseja tudo isso, mas... Na boa? Eu trocaria tudo por uma longa viagem de lua de mel. Bolo? Somente com a família próxima, com uma taça de champanhe. Não, não estou sendo mão de vaca. Nem todas as mulheres sonham com vestido branco e sou uma delas. Apenas não me sinto menos romântica por causa disso.<