Ângulo. Tudo na vida é uma questão de ângulo, perspectiva. Há um mês eu estava chorando na minha cama, me perguntando como fui me envolver com um cara possessivo e acabar em um relacionamento tóxico. Logo eu, que sempre achei que isso nunca aconteceria comigo! Tive medo, fiquei ansiosa e estressada, mas o enfrentei e deu tudo certo no final. Consegui terminar com Victor, mesmo que não tenha sido lá muito fácil, mas a sensação de estar livre dele foi revigorante.
Há um mês eu não imaginava o quanto a minha vida iria mudar em tão pouco tempo. Tive apoio da minha família e dos meus amigos, fui acolhida quando estava sofrendo por uma ausência que meu coração não compreendia. Mas me refiz, recebi uma oportunidade e a agarrei com unhas e dentes. Essa mudança não foi apenas geográfica, sinto que virei uma página do livro da minha vida.
Hoje eu chorei de novo, mas foi na minha cama nova e de felicidade. A minha primeira reunião na redação da revista foi incrível, muito melhor do que eu poderia sequer imaginar. Nunca me senti tão encaixada em um lugar, tão pertencente a um ambiente profissional. Foi eletrizante, gente falando sem parar, ideias surgindo, decisões sendo tomadas em tempo real. E eu ali, participando de tudo, opinando e sendo ouvida. Parece que estou anestesiada.
— Toc, toc, posso entrar?
— Desde quando você precisa de convite?
Zula entra no quarto e eu sorrio diante de seu rosto risonho emoldurado pelos cabelos cor de rosa. Ela se deita na cama ao meu lado e coloca as pernas na parede, assim como eu.
— Nossa, meus pés doem. Acho que andei essa cidade inteira hoje. Pelo menos valeu a pena, as fotos pro meu novo portfólio ficaram ótimas. Como foi lá na revista?
— Maravilhoso! O lugar transpira criatividade e a equipe é cem por cento feminina. Foi uma experiência inigualável.
— Uau, eu sinto uma energia boa nesse teu sorriso. É bom vê-lo novamente.
— Obrigada, por tudo. Você e o Will me ajudaram tanto. Eu não sei o que seria de mim sem vocês. Acho que eu não estaria aqui.
— Você seria louca de não aceitar essa oportunidade. Eu ia dar na sua cara! – Nós duas rimos. – Mas sério agora, nós estaremos sempre aqui por você. Melhores amigos são pra isso. – Ela me puxa e dá um beijo na minha testa. – Falando no Will, cadê ele?
— Ele me deixou em casa e saiu sem dizer nada. Agora que você perguntou, eu achei ele estranho o caminho todo. Perguntei se estava tudo bem e ele só assentiu. Eu devia ter insistido. – Digo, me arrependendo por não ter questionado mais sobre o motivo do baixo astral do meu amigo.
— Ele deve estar com saudades da Lu.
— Será que é só isso?
— Bem, a gente tenta tirar dele quando ele chegar.
— Ta bem, eu vou fazer o jantar.
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— Oi, meninas.
Will entra em casa com a gravata frouxa e o paletó jogado sobre o ombro.
— Até que enfim! Quase desistimos de te esperar pra jantar e comemos tudo sozinhas. – Zula sai na frente brincando, mas para ao notar a expressão dele. – O que aconteceu, Will?
— Vocês podiam ter comido sem mim. Estou sem fome. – Ele diz, se jogando no sofá.
— Você sem fome? Tem algo muito errado. Fala logo o que aconteceu. – Eu digo, enxugando as mãos no pano de prato e me sentando no braço do sofá perto dele.
— A minha entrevista foi horrível. Eu entrei em uma sala enorme, gelada e cheia de pessoas mais frias ainda. As perguntas eram tendenciosas, eles queriam saber os colégios que estudamos na infância, a escolaridade e profissão dos nossos pais, se tínhamos experiências no exterior, o que não faz sentido, já que nada disso era relevante para a vaga de assistente.
— Parece mais que estavam querendo filtrar riquinhos filhinhos de papai.
— Pois é. E pra completar a maioria dos candidatos tinha feito algum estágio em empresas grandes, que com certeza foram arranjados por conhecimento.
— Mas você é muito inteligente, se formou com honras em uma faculdade federal, foi indicado direto para o mestrado, vendeu ótimos projetos e ainda foi aprovado pra fazer um doutorado na USP. – Eu digo, tentando amenizar a chateação dele.
— Você é cabeçudo, Will. Aposto que era o concorrente mais forte daquela sala. – Zula completa.
— Pode ser, se eu tivesse chegado a ser entrevistado individualmente, talvez eles tivessem lido o meu currículo.
— Como assim, Will? – Eu pergunto, sem entender.
— Morg, eu era o único cara negro numa sala com nove caras brancos. Fizemos uma dinâmica juntos, ouvimos uma palestra sobre a empresa e depois cada um foi sendo chamado para as entrevistas individuais. Um por um. Eles entravam no escritório do CEO e ficavam por cerca de quinze minutos cada. Eu fiquei por último. Na minha vez de entrar, a secretária me informou que ele não tinha mais tempo para entrevistar ninguém.
— Não acredito. – Zula deixa escapar e se levanta, transtornada.
— Eu perguntei se deveria voltar amanhã, mas ela me disse que já tinham candidatos suficientes, que se precisassem de mim, voltariam a entrar em contato.
— Eles nem te ouviram? Nem te deram uma chance? – Eu pergunto, indignada.
— Por que eles iriam querer o candidato preto tendo tantos brancos à disposição?
— Mas você foi indicado por uma pessoa influente na área, não foi?
— Sim, por um dos meus professores da faculdade. Ele é grande amigo de um dos diretores dessa empresa há muitos anos.
— Então deve haver algum engano.
— Não tem engano nenhum, Morg! Tá na cara que só me chamaram lá pra não fazer desfeita para o Professor Rainer.
— Desculpa, só é difícil demais de acreditar. – Eu me inclino na direção dele e o abraço.
— Isso é um absurdo. Você tem que denunciar essa empresa! – Zula anda pela casa bufando.
— E dizer o que, Zula? Que eles se recusaram a me entrevistar porque eu sou preto? Não tem nenhuma prova disso, eles não disseram nada insinuando isso. Eles não são idiotas de falar isso com todas as letras e correrem o risco de serem processados. Eles podem simplesmente dizer que já tinham selecionado o candidato para a vaga.
— Mas isso é tão errado. – Zula se senta no outro lado de Will e segura sua mão.
— É errado, horrível e, infelizmente, inevitável. E as pessoas ainda dizem que não existe mais preconceito racial nesse país. – Eu digo, engolindo a raiva e a tristeza pelo meu amigo.
— Essa porta se fechou, Will. Mas pode ter certeza de que muitas outras ainda vão se abrir pra você. Você é um cara incrível, talentoso e super profissional. Tenho certeza de que logo você vai estar trabalhando em um lugar muito melhor do que essa empresa preconceituosa. – Zula diz e eu torço para que Deus a ouça.
— É isso mesmo. Você merece estar em uma empresa que enxergue todo o seu potencial, muito além da cor da sua pele. E isso não vai demorar. – Eu digo e lhe dou um beijo na bochecha.
— Obrigada, garotas. Tudo o que eu quero é encontrar o meu lugar e poder dar uma vida melhor pra minha mãe e pra Lu.
— E você vai. Você já é o orgulho da sua mãe e logo vai poder recompensá-la pela educação maravilhosa que te deu. – Eu digo, me lembrando com carinho da Tia Monalisa.
— E a Luciana vai se casar com o melhor partido desse Brasil! – Zula completa.
— Vocês são as melhores. – Ele sorri fraco.
— Estamos juntos nessa, enfrentando leões, engolindo sapos, comemorando vitórias... – Zula une as nossas mãos.
— Sempre, para o que der e vier. – Eu digo e trato de levantar e enxugar uma lágrima fujona.
— Então vamos jantar, pois meu estômago já acordou dando cambalhotas. – Will levanta e arregaça as mangas da camisa.
— Aí está o Will fominha que eu conheço. – Zula implica e eles seguem se empurrando como duas crianças até a pia do banheiro para lavar as mãos.
O Parque Ibirapuera é ainda mais bonito do que vi pelas fotos, e maior. Depois de dar algumas voltas de bike e apreciar a natureza, volto pra casa toda suada e ofegante, mas com a energia renovada para mergulhar nas pesquisas para a minha coluna na revista. Lorie está tão animada por minha primeira contribuição para a revista que fica me mandando uma mensagem atrás da outra. Eu já devia estar quase terminando o meu texto, mas bloqueie no meio. Acho que é a ansiedade a apreensão pelo feedback falando mais alto. Deixo a bicicleta estacionada na garagem e pego o elevador até o meu andar.— Oi, cheguei! – Anuncio, abrindo a porta do apartamento.— Ai, graças a Deus, Morg! Me salva? – Zula me olha com cara de desespero.— O que aconteceu aqui? – Eu pergunto, me aproximando da c
[Newlover123: Oi] Eu respondo, tentando me concentrar em não surtar. O que eu vou dizer pra ele agora? Eu tinha que ter pensado nisso antes, eu sei. No mínimo ele pensa que eu estou em busca de um relacionamento e isso é tudo do que eu estou fugindo nesse momento. Será que devo agir como se estivesse interessada ou ser honesta e dizer de cara que só quero informações? [Rav028: Você já disse isso. =)] Verdade, eu já tinha dito antes. Mas eu ainda não sei o que dizer!!! [Rav028: De onde você é?]&
[Ravi: Bom dia, Sereia. O sol está brilhando aqui hoje. Me fez lembrar de você.] Sorrio ao ler sua mensagem. Me viro na cama, me espreguiçando e criando coragem para levantar. [Morg: Boa tarde. Aqui o tempo hoje está chuvoso. Estou lutando para sair da cama.] Segundas-feiras já são dias naturalmente mais preguiçosos, mas com essa chuvinha e esse céu cinzento... Definitivamente São Paulo me deixa um pouco deprimida. Saudades de abrir minha janela e ver o brilho do sol refletindo no mar na minha querida praia do Forte. Saudades de casa. [Ravi: Mesmo assim tenho certeza de que um belo dia te e
[Ravi: O que está fazendo?] [Morg: Pipoca e brigadeiro. Vou assistir a um filme.] [Ravi: Mas é sexta. Não vai sair, explorar a cidade?] [Morg: Eu não gosto de baladas. Meus colegas de trabalho até tentaram me arrastar para uma hoje, mas eu desconversei.] [Ravi: E seus amigos? É Will e Zula, né? Zula é um nome... interessante. Eles estão aí com você?] [Morg: Não, estou sozinha. Will pegou a estrada para ver a noiva no Rio
Zula está pintando as unhas dos pés de verde florescente enquanto me conta sobre o encontro com Suellen, a crush. É a terceira vez que elas saem em um mês e pelo visto estão prestes a assumir um relacionamento aberto. Fico feliz por ela, porque minha amiga merece se distrair um pouco. Ela andava focada demais em só trabalhar todo final de semana, fotografando casamentos, aniversários, formaturas, qualquer evento que surgisse. Zula sempre foi a mais moderna de nós e se intitulou bissexual ainda na adolescência. De lá pra cá já teve relacionamentos fechados, abertos, semiabertos... Ela não tem medo de se jogar de cabeça nas relações e eu a admiro demais por isso. Até a invejo um pouco nesse quesito. &nb
Blog da MorgPílula diária de verdades difíceis de engolir: Você não pode controlar o que os outros sentem, mas pode tentar minimizar os efeitos colaterais. Eu disse tentar. Vocês já se depararam com uma situação em que precisavam demonstrar uma reação e simplesmente não conseguiram? Pois é, eu já. É uma sensação bem ruim. A pessoa fica na expectativa, aguardando para ver como você vai agir, o que vai dizer, mas não sai nada. Nessas horas eu sinto uma certa fa
Não tem como eu negar que foi um choque ouvir de Ravi que ele virá ao Brasil em breve. Eu não soube o que dizer na hora, ou como reagir. Simplesmente disse: “Legal. Eu preciso dormir agora, boa noite.” Sim, foi idiota. Ele estava muito empolgado com a novidade e deve ter sido um baita balde de água fria, mas o que mais eu podia fazer? Eu travei! Desde que começamos a conversar, eu sempre tive muito claro na minha cabeça que a nossa amizade era puramente virtual e que nunca teria qualquer chance de um dia virmos a nos ver pessoalmente. Isso pra mim já estava resolvido na minha mente. Mesmo flertando uma vez ou outra, eu sabia que não tinha como nos envolvermos romanticamente devido a distância. Poderíamos continuar amigos por anos sem nunca nos c
Acordo de um jeito estranho, como se nem tivesse dormido, apenas piscado por cinco segundos. O sol entra pela fresta da cortina e pinta uma faixa de luz do chão ao teto do quarto. Me levanto e imediatamente sinto um peso se depositar nos meus ombros. Desde o dia em que vi – ou acho que vi – Victor tem sido assim, o dia já começa me esmagando com a perspectiva de dar de cara com ele. Felizmente hoje não vou ter muito tempo de pensar nisso. É domingo e meu irmão está aqui. Ele chegou ontem de manhã, depois de Will dizer que eu precisava de companhia masculina enquanto ele estivesse fora. Eu pedi muito para que e