Paixão Proibida
Paixão Proibida
Por: ABDENAL CARVALHO
01. A Família

Ela pertencia a uma família tradicional, filha de um diplomata e uma advogada de renome na sociedade carioca. Ele, um jornaleiro. O edifício de vinte andares localizado numa área nobre da cidade mais parecia um quartel general, cercado de vigilantes por toda parte, afinal, ali moravam pessoas ilustres. O luxuoso veículo parou por alguns instantes, obedecendo o tempo exigido pelo semáforo, o suficiente para que de dentro do carro ela observasse aquele jovem interessante.

 Ele estava sentado em frente a banca de jornal, lendo algo, totalmente distraído que sequer notou sua presença, no entanto a impressionou. O carro faz um retorno a cem metros adiante e ao entrar para o estacionamento do prédio ela dá uma última olhada na direção onde esteve minutos atrás e rever aquele jovem distraído que tanto prendeu sua atenção.

 No amplo apartamento de oitocentos metros quadrados moravam ela, o irmão caçula de dez anos e seus pais.  A convivência harmoniosa criava um clima maravilhoso no lugar, e de seu quarto com janela para a avenida que passava em frente, ficava fácil observar tudo. Via a banca de jornais próximo dali que sempre esteve lá, mas somente agora lhe despertou a atenção.

 ― Filha, venha aqui me ajudar!

 ― Está bem, mamãe!

 ― São tantas coisas que nem sei onde guardar todas elas

 ―Também, parece que a senhora quer comprar tudo que vê no shopping

 ― Não reclame, pense em quantas pessoas neste momento não podem possuir metade do que temos

 ― Eu sei, me desculpe!

 ― Pois eu adoro fazer muitas compras!

 ― Fica quieto, moleque!

 ― Mãe, ela me brigou!

 ― Parem com isso, vocês dois, será que não podem conviver um ao lado do outro por um segundo sem brigar?

 Era uma família normal como qualquer outra, sem grandes problemas, bem estruturada e sólida emocionalmente. Bem, pelo menos até aquele momento. A escola em que a adolescente estuda fica a duas quadras dali e o motorista é quem a leva todas as manhãs.

 Aos dezesseis anos de idade ela nunca andou sozinha ou a pés pelas ruas da cidade, não tomou um sorvete ou um suco na lanchonete da esquina, pois sendo filha de alguém tão importante poderia ser vítima de sequestro. Mas isso não significava que suas preferências fossem diferentes das outras meninas da mesma idade, apenas era sua triste realidade. Era de poucas amizades, apenas Lorena e Fabrício, que carinhosamente chamava de Fab, eram seus amigos mais chegados.

Nunca namorou, nem sabia direito o sabor de um beijo, adorava ver novelas e ler os vários romances de amor que recebia todos os meses da tia Carla, que mora em São Paulo. É, geralmente, uma jovem calma e paciente, mas saia do sério ao ficar um só minuto próximo do caçula, que lhe tira do sério.

 Apesar de possuir uma estatura avantajada possuía pouca idade e de amor e paixão só entende do que já leu nas histórias fantasiosas dos livros de ficção. Sua mãe sonhava em vê-la concluindo uma faculdade de Direito, o pai, desejava para ela a Diplomacia, que seguisse sua mesma carreira, porém isso não fazia parte de seus planos, afinal, não queria se tornar escrava do trabalho como ele.

 Mas seu ideal era se tornar uma grande escritora, contrariando as expectativas de ambos. As matérias preferidas eram história, gramática e redação, e sempre tirava nota máxima em cada uma delas. O tempo passa rapidamente, no próximo mês completará mais uma primavera e ficará cada vez mais distante da adolescência e dará novos passos rumo à maturidade, onde tudo deixa de ser fantasia e surgem sentimentos estranhos ao coração, difíceis de entender e de saber lidar.

 Época em que se muda o gosto em relação a certas coisas e troca-se as antigas amizades. É vista como alguém mais responsável e cheio de deveres. A escola onde passou parte da infância em breve ficará para trás, dando lugar a uma faculdade repleta de gente estranha, de conceitos modernos.

 Que nem sempre condizem com a realidade vivida em casa com os pais. Luana, uma linda menina de pele clara e aveludada, cabelos castanhos e ondulados, olhos amarelos e brilhantes, em breve concluirá com êxito o ensino médio.

 E daqui a alguns meses iniciará seus estudos superiores numa faculdade particular a mais cara e conceituada do Rio de Janeiro.  Para em breve se tornar uma conhecida advogada, diplomata ou, quem sabe, uma escritora de sucesso. Isto, na verdade, somente o tempo dirá.

Pedro, era um rapaz simples e absoluto, de família pobre desestruturada, morador da baixada fluminense, numa das várias favelas que existem por lá. Passa o dia vendendo revistas e jornais na banca do tio, quando não aparece clientes fica sentado numa velha cadeira de plástico marrom, lendo páginas policiais no jornal local. 

Não mais estuda, parou na quinta série do ensino fundamental e sequer pensa em recomeçar. Fala um português arrastado e misturado com gírias normalmente usadas por quem mora no morro. Seu círculo de amizades não é dos melhores. Envolve gente simples, sem futuro certo, usa o local de trabalho para vender salgados feitos em casa para ganhar um troco a mais, nunca roubou ou matou ninguém. 

É limpo com a polícia e se considera um batalhador sobrevivente na selva chamada cidade maravilhosa que. Na sua humilde opinião não tem nada de maravilhoso, apenas morte e violência para tudo quanto é lado. No final da tarde segue em direção aos barracos de madeira, onde mora com a mãe e três irmãos menores, levando alguma coisa para o jantar.

Vive na favela desde que se entende por gente. convivendo com todo tipo de pessoas, boas e ruins, honestas e desonestas, mas nunca seguiu pelo mau caminho.  Mesmo vindo da pobreza, era rico na boa aparência e sonhava um dia se dar bem na vida.

 Descolando uma coroa cheia da grana ou ganhando o prêmio da loteria que jogava todos os sábados. É namorador e as moças vivem disputando espaço para ver quem fica mais tempo ao seu lado. Teve muitos sonhos na infância, mas agora não tem mais, entendeu que gente pobre sobrevive na marra. Vence com luta e morre sem nada deixar para quem chorou ao lado do seu caixão. 

Filho de pedreiro, nunca viu seu pai feliz ou conquistar grandes coisas, era um fracassado igual a tantos outros por ali, entretanto não pensava desistir de um único objetivo que era um dia poder ser feliz no amor. Nas madrugadas fica ouvindo o som funk vindo das baladas em redor, evita frequentar tais ambientes para não se envolver com quem nada tem de bom a oferecer.

 Muitos já morreram por andar nestes caminhos tortuosos em que as drogas rolam soltas.  A bastante tempo ela passava por ali todas as manhãs, quando retornava de carro da escola, mas não havia percebido aquele rapaz. Sempre a ler um jornal, próximo ao semáforo, de frente ao edifício onde morava por mais de cinco anos. O motorista parava o veículo no mesmo lugar, todos os dias e quase no mesmo horário, tão perto e seus olhos jamais perceberam a existência dele bem ali sentado.

Mas que bom, finalmente uma novidade que mudaria o rumo de sua vida medíocre, vazia e monótona.  Agora encontrou razões de se alegrar ao chegar o momento de voltar para casa, até contava as horas e pediu o motorista para que não se atrasasse, fosse pontual, pois percebeu que a banca de revistas fechava ao meio dia. De segunda a sexta passava no interior daquele carro preto, com vidros escuros, oculta aos olhares de quem a observasse. Mas naquele dia em especial ela ousou baixar o vidro e observar mais de perto quem tanto aprendeu a admirar.

 Talvez tenha sido esse seu maior erro ou acerto, dependendo do ponto de vista daqueles que mais tarde irão julgá-la, mas a curiosidade fala mais alto e não se contém. Precisa vê-lo um pouco mais de perto, nem que seja por alguns segundos, chega o tão desejado final de semana e ficar em casa é a única opção para quem teve o azar de ter como pai um diplomata.

Homem com pouco tempo livre para levar a família numa praia ou fazer uma viagem, um lazer qualquer.  Novamente olhou através da janela de vidro embasada pelo tempo frio. E através dela viu no calçadão muitas pessoas que caminhavam de um lado para o outro. E uma banca de revistas com seu jornaleiro ali sentado, lendo as notícias do dia:

   ― Mas o que tanto ele lê na droga daquele jornal? Parece hipnotizado, levanta poucas vezes para atender a clientela e depois continua com os olhos presos nessa leitura incansável!

  ― O que você disse?

  ― Nada, mãe, só pensei alto

  ― Agora deu de ficar olhando a rua e falar sozinha? Acho que precisa fazer uma visita de rotina ao psicólogo

  ― Qual é, mãe, que ideia mais sem sentido!

  ― E que forma de se expressar foi essa, minha filha, anda conversando com alguma coleguinha na escola que fala gírias? Já lhe falei para evitar essas amizades!

  ― Ah, mãe, por favor dá um tempo! Isso não tem nada a ver foi só uma maneira de me expressar. E a senhora precisa entender que os jovens falam assim hoje em dia

  ― Pois saiba que não gastamos uma fortuna para lhe dar a melhor educação e no final vê-la se expressando dessa maneira. Como uma garotinha da favela. Você pertence a elite desse país, então comporte-se como tal!

 A conversa deixou um clima ruim entre as duas, Eduarda não admitia que Luana se assemelhe nem de longe às pessoas simples e humildes das classes mais pobres da sociedade, e isso irritava a garota que preferia se manter trancada em seu quarto a ouvir as mesmas ladainhas de sempre — Você pertence a elite carioca, não se misture com essa gentinha medíocre! ― Retrucava sua mãe

 Luana era conhecedora de todo o passado de seus pais. Nenhum dos dois tiveram origens abastadas. Carlos Eduardo, seu pai, tinha vergonha dos parentes por serem todos pobretões, nasceu no Maranhão, crescendo meio aos cocais de babaçu, alimentando-se de arroz branco e feijão verde colhidos da roça; Eduarda, sua mãe megera, era nordestina, mulher da peste.

 Vinda do Sertão, cresceu comendo rapadura com farinha e bebendo lama, visto que aquela região sofre uma seca terrível que mais parece uma maldição. E, agora, que deram a volta por cima e conquistaram com grandes esforços a posição que ocupam na sociedade menosprezam suas raízes. Ao celular ela conversa com a melhor amiga. e desabafa seu descontentamento:

― Não suporto mais a pressão de minha mãe, Lorena, ela já está passando dos limites!

― Calma, amiga, ela só está pensando no seu futuro, quer o melhor para você

― Tudo bem que ela se preocupa comigo e queira o melhor para mim, mas daí querer me fazer ver as pessoas pobres como um lixo é inaceitável, principalmente porque, agindo assim ela menospreza as próprias origens dela e de papai, afinal, de onde eles vieram, não foi da pobreza?

― Mas, talvez seja por isso mesmo que eles lutem tanto para evitar que você e o Junior não tenham que passar pela mesma situação de miséria que passaram

― Tudo bem, concordo, mas precisam nos ensinar a repugnar os mais carentes? Meus avós maternos e paternos são pobres e quase nunca lhes visitamos. Papai alega ser um homem muito ocupado e sem tempo, mamãe odeia a ideia de ir no Ceará vê-los, alegando odiar aquela região. E sabe qual é o resultado final disso? A gente ficar presos na droga deste apartamento sem nenhum lazer, não viajamos, nem passeamos, eu odeio tudo isso!

 ― Minha amiga, veja como são as coisas: Meus pais não são tão ricos e importantes como os seus, mas levamos uma vida maravilhosa, e eles nos ensinaram a amar e respeitar nossos avós e parentes mais humildes, independentes da situação financeira de cada um deles nós os amamos e respeitamos

 ― Está vendo? É disso que estou falando a você, às atitudes dos meus pais não é correta e me enojo disso!

 ― Porque você e o Junior não vão passar um final de semana com a gente lá no sítio, estaremos indo para lá no próximo sábado? Sério?

 — Poxa, vou falar com meus pais!

 ― Faz isso, depois me dá uma posição

 ― Combinado, farei isso!

 As duas amigas concordaram em voltar a se falar em breve, Luana ia conversar a respeito desta proposta com os pais e pedir a aprovação deles para realizar a viagem. Nesta história a única coisa que a entristecia era ter que levar o irmão mais novo junto, pois o pestinha geralmente fazia um relatório de tudo o que via a irmã mais velha fazer e relatava para a mãe.

Mas, se o preço a pagar era aquele, estaria disposta a aceitar. Depois de receber o sim deles e o ardoroso compromisso de levar e cuidar do danadinho.  Parte com Lorena e sua família em direção a um sítio localizado próximo a praia Rio das Ostras, a alguns quilômetros da capital carioca.

 O lugar era lindo e a natureza podia ser apreciada de perto, transmitindo paz e serenidade aos que ali chegavam. Luana estava mesmo precisando relaxar e aquele lugar era propício para isso. Parada na beira da praia, com os pés descalços sobre a areia fria, ela observa o mar e viaja pelas ondas da imaginação.

 Apaixonada por literatura, em particular a poesia, recita versos de Gonçalves Dias. Seu poeta predileto. Lorena, a seu lado, pergunta sobre o que estaria falando, pois não entendia nada de poesias, ela então explica em detalhes tudo sobre o poema recitado, e completa:

― Este poema é do poeta maranhense Gonçalves Dias, por consciência ele nasceu bem próximo a cidade em que meu pai, inclusive foi papai que me falou bastante sobre ele e me mostrou algumas de suas obras

― Então, aí está o responsável por minha melhor amiga desejar tanto se tornar uma escritora de sucesso!

― Uma poetisa, para ser mais objetiva. Gonçalves Dias me inspira a criar tantos poemas de amor, devido sua história de paixão proibida

― Paixão proibida, Luana, me explica isso!

― Está certo, vamos nos sentar aqui, um pouco, e já te explicarei tudo:

 “Antônio Gonçalves Dias nasceu em 10 de agosto de 1823, no sítio Boa Vista, em terras de Jatobá a quatorze léguas de Caxias. Morreu aos quarenta e um anos de idade em um naufrágio do navio Ville Bologna.

Local próximo à região do baixo de Atins, na baía de Cumã, município de Guimarães. Advogado de formação, é mais conhecido como poeta e etnógrafo, sendo relevante também para o teatro brasileiro, tendo escrito quatro peças. Teve também atuação importante como jornalista.

 Nesta área, encontra-se colaboração da sua autoria na Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, de 1859 a 1865. Era filho de uma união não oficializada entre um comerciante português com uma mestiça, e estudou inicialmente por um ano com o professor José Joaquim de Abreu.

 Foi quando começou a trabalhar como caixeiro e a tratar da escrituração da loja de seu pai, que faleceu em 1837. Iniciou seus estudos de latim, francês e filosofia em 1835. Quando foi matriculado em uma escola particular. Foi estudar na Europa, em Portugal, onde em 1838 terminou os estudos secundários e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Em 1840, retornando em 1845, após bacharelar-se. Mas antes de retornar, ainda em Coimbra, participou dos grupos medievistas da Gazeta Literária e de O Trovador. Compartilhando das ideias românticas de Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho. Por se achar tanto tempo fora de sua pátria, inspira-se para escrever a Canção do Exílio e parte dos poemas de "Primeiros cantos" e "Segundos cantos".

O drama Patkull; e "Beatriz de Cenci", depois rejeitado por sua condição de texto "imoral" pelo Conservatório Dramático do Brasil. Foi ainda neste período que escreveu fragmentos do romance biográfico "Memórias de Agapito Goiaba", destruído depois pelo próprio poeta, por conter alusões a pessoas ainda vivas.

No ano seguinte ao seu retorno conheceu aquela que seria a sua grande musa inspiradora. Ana Amélia Ferreira Vale. Várias de suas peças românticas, inclusive “Ainda uma vez - Adeus” foram escritas para ela.  Nesse mesmo ano ele viajou para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, onde trabalhou como professor de história e latim do Colégio Pedro II.  Além de ter atuado como jornalista, contribuindo para diversos periódicos:

Jornal do Comercio, Gazeta Oficial, Correio da Tarde e Sentinela da Monarquia, publicando crônicas, folhetins teatrais e crítica literária. Em 1849 fundou com Manuel de Araújo Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo a revista Guanabara, que divulgava o movimento romântico da época.  Em 1851 voltou a São Luís do Maranhão, a pedido do governo para estudar o problema da instrução pública naquele estado. Gonçalves Dias pediu Ana Amélia em casamento em 1852.

Mas a família dela, em virtude da ascendência mestiça do escritor, refutou veementemente o pedido. No mesmo ano retornou ao Rio de Janeiro, onde casou-se com Olímpia da Costa. Logo depois foi nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Passou os quatro anos seguintes na Europa realizando pesquisas em prol da educação nacional. Voltando ao Brasil foi convidado a participar da Comissão Científica de Exploração, pela qual viajou por quase todo o norte do país.

Voltou à Europa em 1862 para um tratamento de saúde. Não obtendo resultados retornou ao Brasil em 1864 no navio Ville de Boulogne, que naufragou na costa brasileira; salvaram-se todos, exceto o poeta, que foi esquecido, agonizando em seu leito, e se afogou. O acidente ocorreu nos Baixos de Atins, perto de Tutóia, no Maranhão.

― Nossa, Luana, você está mesmo por dentro de literatura, hem amiga?

―  Nossa, não, sei mais sobre este literário por amar seus poemas

― Pois eu sou uma anta neste assunto, minha amiga

― Pode ser, mas é imbatível, quando se trata de cálculos matemáticos, já nisso a anta passa a ser eu!

Sua mãe passou a madrugada toda mal de saúde, complicações na diabetes, e ele teve que correr feito louco por todos os hospitais das proximidades para conseguir um leito a fim de interná-la. Contou com a ajuda de alguns vizinhos, como Seu João que cedeu o carro para que levassem a idosa para ser socorrida. Depois de muito sacrifício finalmente a internaram num hospital da região metropolitana do Rio. Mas na manhã seguinte é notificado que ela está com seu quadro clínico comprometido e precisa realizar certas intervenções médicas para obter melhorias, porém devem ser realizadas numa clínica particular.

― Agora é que o bicho vai pegar, Seu João, como vou transferir a coroa para uma clínica particular se mal arranjo o do feijão trabalhando lá na banca de revistas?

― É mesmo uma situação complicada, meu filho!

― Mas eu preciso encontrar um jeito de salvar a vida de minha coroa, tem que existir uma solução!

 Daquele momento em diante ele passou a buscar ajuda em todos os lugares. Amigos, vizinhos, comerciantes do bairro e até foi na prefeitura pedir socorro ao prefeito e aos vereadores, mas os políticos sequer o receberam. E como insistia em falar pessoalmente com eles as autoridades o expulsaram e ainda o espancaram. Revoltados, os moradores se reuniram e foram fazer protestos em frente à residência oficial do prefeito, solicitando que o atendesse.

 Mas o clamor do povo mais uma vez foi sufocado pela força da polícia que os expulsa à força dali. Ligeirinho era um conhecido traficante da baixada que a lei não conseguia colocar a mão. Ele era protegido pela população pobre das favelas a quem ele geralmente prestava muitos favores. Logo que foi informado da situação de Pedro e sua mãe mandou alguns de seus homens irem ao seu encontro para lhe levarem até a boca de fumo onde o malandro se entocou.

 Lá, Ligeirinho propôs ajudá-lo a salvar a vida de sua mãe, mas em troca queria poder contar com ele numa parada que iriam fazer no dia seguinte. Pedro nasceu ali e conhecia bem como funcionavam as coisas e nunca se envolveu em nenhuma ação criminosa, por isso era tão visado por Ligeirinho. Um sangue novo seria ideal para seus planos, pois, se caso algo saísse errado e fossem pegos ele não seria visado.

Não seria identificado como integrante do tráfico e os policiais não iriam incomodar no morro. Além do que, como réu primário, seria logo liberado. Mas, logo de cara, Pedro recusa a oferta. Ele sabe como as coisas funcionam no tráfico, ou você paga o que deve ou perde a vida.

Sua busca intensificando-se ainda mais não alcança resultados positivos e do hospital já ligaram avisando que a paciente deveria deixar o leito em no máximo quarenta e oito horas. Sem saída vai até a casa de Mão Branca, um dos vários colegas que possuía no morro, pedi uma força. 

Ao explicar a situação difícil em que se encontrava recebe a péssima resposta de que não há como ajudá-lo. Retornando para o barraco onde estão seus irmãos mais novos é consumido pela dúvida de como resolver aquele enorme problema. O lugar onde morava era um pequeno barraco de madeiras apodrecidas. Ratos passeavam por cima e por baixo do assoalho sujo e do amontoado de caixas, móveis envelhecidos e entulhos em redor.

 Na verdade, a miséria ficaria assustada com tanta pobreza. Ao chegar foi logo abordado pelos irmãos, pedindo-lhe algo para comer, pois, devido estar correndo de um lado para o outro, tentando ajudar a mãe que estava entre a vida e a morte num hospital público, nem teve tempo de ir trabalhar e arranjar alguns trocados. Mas a vez teve que ocupar Seu João, pedir a ele algo para saciar a fome dos pequenos.

Pão, farinha e umas conservas foram misturadas a alguns ovos e pronto, a janta estava pronta, comeram e dormiram. Ele, entretanto, não podia pregar os olhos de preocupação. Corria o risco de acordar com a notícia de que sua mãe teria morrido no hospital por falta de cuidados.

 Fechando o barraco voltou às ruas, andou por várias horas a esmos, sem uma direção certa, confuso e sem saber ao certo onde ir. Sentado numa calçada próximo ao beco que dava rumo a boca de fumo, onde o traficante se esconde, decide se volta atrás e aceita ou não a proposta que lhe fez.

Tinha consciência que quem entra na vida do crime não consegue mais sair, e tentar fazer isso morre, é um caminho sem volta. Deu meia noite, tudo silêncio em redor, somente ouve passos ocultos dos vigilantes do tráfico, aqueles caras armados até os dentes que dominam a área e impedem a invasão do inimigo. Também protegem o ninho onde dorme o restante do bando. 

Estava ciente de que o observavam, ainda permanecia ali porque certamente receberam ordens para deixá-lo subir. Era uma da madrugada quando tomou sua decisão final, não tinha outro jeito. Teria mesmo que se render e vender a alma ao tráfico, dane-se, o importante era salvar a coroa. Ao se dirigir rumo ao ponto em que a encontraria é logo seguido de perto.

Dois capangas o seguiram, armados até os dentes.  Todos aqueles jovens vieram até ali pedir ajuda para resolver algum tipo de problema e acabam ficando reféns do tráfico, que os ajudou, mas pede em troca suas vidas. Ali, eles aprenderam o vício das drogas e o prazer de matar sem o medo de morrer. Esse será o destino dele, também, a partir de agora:

 ― Vim aceitar a tua proposta

 ― Muito bem, então compreendeu que essa era a única solução para livrar a tua mãezinha da morte?

 — Saquei a parada, sim!

— Tá certo, vamos fechar o negócio. Logo que amanhecer vou m****r alguém de minha confiança ir ao hospital transferir a senhora sua mãe para uma clínica particular e providenciar tudo o que for necessário para ela ficar bem. Quanto a ti, vai com uns moços meus resolver uma parada

 ― Cara, não tenho jeito para vender drogas nem matar ninguém

 ― Mano, nenhum de nós aqui parecia ter jeito algum para esse negócio, meu chapa, mas hoje fazemos isso muito bem

 ― Só aceitei essa parada para ajudar salvar a vida de minha mãe, mas depois que saldar minha dívida não pretendo mais ficar nessa

 ― Muito bem, cumpre a tua parte no trato e depois te libero

O acordo era Pedro ir juntamente com maus cinco indivíduos invadir e sequestrar uma mulher que estaria num sítio, localizado na praia Rios das Ostras, no litoral. Ciente de que sua mãe já estaria sendo transferida para um local mais apropriado, onde receberia os cuidados médicos necessários, Pedro segue rigorosamente o plano traçado por Ligeirinho.

 Na companhia de cinco outros elementos. O local era um sítio a beira mar, com uma linda mansão e árvores frutíferas a perder de vista.  Os bandidos estacionam nas proximidades. Depois de ter ocultado o carro na mata próxima, e vão executar a missão da qual se propuseram. Na propriedade estavam um casal, quatro adolescentes entre doze a dezessete anos, e uma criança. 

Também, numa outra casa, um pouco afastada, certamente do caseiro, também haviam outras pessoas. Todos estavam sentados à mesa, almoçando, quando os bandidos chegaram e tocaram o terror.

 Dominaram facilmente a todos os presentes que não demonstraram qualquer reação. O temor tomou conta deles e passaram a ficar agitados, o que logo foi contido por um dos integrantes da quadrilha que os ameaçou de morte. Isso se caso não se calassem.

A intenção era levar a jovem de pele clara e olhos castanhos, de cabelos ondulados, para o morro. Lá os traficantes entrarão em contato com os familiares dela e exigirão o valor do resgate.   Nenhum dos envolvidos sabiam exatamente quem era aquela garota, nem sua procedência, a missão era levá-la até Ligeirinho e estavam determinados a fazer isso. Os criminosos usavam um tipo de máscara preta que cobria toda a cabeça, deixando apenas os olhos à vista.

Quem se encarregou de verificar qual das meninas ali presentes possuía as características de acordo com a descrição. As mesmas feitas pelo mandante do sequestro, foi Pedro.  Ele observa cada uma delas, colocando-as de pé e encostadas na parede, e lhes olha bem de perto. Ao ficar cara a cara com aquela que acredita ser a escolhida, paralisa ao ver o quanto é brilhante o seu olhar. Conhecia muitas mulheres, lindas até, mas, aqueles olhos pareciam ter um certo mistério.

 Um feitiço qualquer que hipnotizou por alguns segundos. Ele, então, pergunta seu nome. Ela não responde, ele insiste, ela mexe a cabeça negativamente. Deixando claro a ousada decisão de não revelar sua identidade ao criminoso.  Ele aperta forte seu braço direito numa tentativa brusca de intimidá-la, mas ela é osso duro de roer e lhe mostra isso, dando-lhe um forte chute nas pernas. Irado o bandido dá-lhe uma tapa no rosto e segura forte seus longos cabelos cacheados e explodindo em fúria ordena que diga logo seu nome.

 Ela resiste, então um dos outros elementos aponta a arma na testa do garoto menor que está ao lado dela e avisa que irá atirar na cabeça dele caso ela não obedeça, e assustada que algo possa acontecer a seu irmão caçula se identifica:

― Luana, meu nome é Luana, por favor não faz mal para ele!

Os bandidos, então, puxam-na violentamente pelo braço e a forçam ir com eles. Desesperados, após o rapto da jovem, os pais de Lorena ligam imediatamente para a polícia e avisam sobre o sequestro. Visto que eles sequer tiveram a cadência de levar os celulares. Depois da polícia informaram a mãe dela sobre o ocorrido, que comunicou ao pai e este se imediato exigiu do secretário de segurança pública do Rio de Janeiro imediatas providências para resgatar a filha, o carro de cor prata voava sobre quatro rodas enquanto os criminosos fugiram em direção a baixada fluminense.

 Local em que o traficante aguardava pela encomenda. A ordem dada pelo comando da polícia militar foi para que cercassem todas as entradas e saídas. Desde o litoral até toda a extensão da capital carioca, nada nem ninguém entraria ou sairia sem ser monitorado. Eles se aproximam da cidade e percebem uma blitz logo à frente, abandonam a rodovia e entram num acostamento, Pedro liga para Ligeirinho e informa a situação.

 Ele orienta que tomem um desvio e assim fazem, evitando defrontar-se com o cerco policial. Luana, sendo filha de um homem importante está sendo vítima de sequestro à mando de alguém que deseja exigir um alto resgate, o traficante que organizou a operação era apenas o intermediário, um peixe pequeno.

 O verdadeiro responsável deveria ser alguém que conhecia bem a procedência da menina. Estava por dentro dela ser filha de uma pessoa importante na sociedade carioca. Eduarda discorda da atitude do esposo por acreditar que informar a polícia sobre o sequestro tenha sido um erro, pois colocou sua filha em perigo:

  ― Carlos Eduardo, na minha opinião você cometeu um erro tremendo, alertando a polícia sobre este sequestro

  ― Então você acharia correto que eu cruzasse os braços e deixasse estes criminosos levarem nossa filha sabe-se lá para onde, e não fizesse nada?

  ― Deveríamos primeiro aguardar o contato dos sequestradores e ver o que nos exigiram, se for apenas dinheiro pagamos e recebemos ela de volta com vida, mas agora com o cerco policial me preocupo se haverá trocas de tiros e nossa filha não estará correndo sérios riscos de ser vitimada junto com estes bandidos

 ― Querida, nós dois erramos no momento em que esquecemos de quem eles são filhos e permitimos que fossem nessa viagem, completamente desprotegidos, nós sempre tivemos muito cuidado, Luana e Junior nunca foram sozinhos sequer na sorveteria aqui do lado e agora o que fizemos? Permitimos que nossos filhos viajassem sem um só segurança para o litoral

 ― Estou me sentindo tão culpada por tudo isso!

 ― Calma, não adianta ficarmos de lamúrias, com fé em Deus tudo vai dar certo, em breve nossos garotos estão de volta, são e salvos

Na realidade, Carlos estava tão desesperados quanto Eduarda, mas tentava esconder o temor que sentia de que algo de ruim pudesse realmente acontecer a Luana. Chamou novamente ao secretário de segurança pública e pediu-lhe encarecidamente que ele ordenasse aos comandantes da polícia militar e civil que evitassem um confronto direto com os criminosos caso eles fossem encurralados, lembrando que uma ação dessas poderia causar a morte da refém.

 O alerta foi repassado e os policiais orientados, dentro do carro em alta velocidade a jovem vive momentos de pânico e terror. Era constantemente ameaçada por Negro Breu, que não para de falar asneiras o tempo inteiro. Por causa disso, Pedro que dirige o veículo.

Perde a paciência e passam a discutir, um ameaçando o outro.  A rota alternativa que seguiram os conduziu diretamente para a Baixada Fluminense, para o morro do urubu, como é conhecido a área onde moram os delinquentes. Deixam o carro numa esquina deserta e sobem para fazer a entrega do pacote ao traficante. A missão foi cumprida com êxito e Pedro acredita ter cumprido sua parte no acordo:

— Está aí a encomenda, cumpri minha parte como prometi

— Está certo, companheiro, tens mesmo esse direito, vai lá sim

Luana estava amordaçada e de mãos amarradas, isso foi necessária porque ela parecia uma onça braba, ninguém conseguia parar ela dentro do carro, deu chutes e pontapés para todo lado, parecia um demônio, então foi preciso imobilizá-la. Enquanto conversa com Ligeirinho, Pedro permanece usando a máscara.

 Luana não consegue ver seu rosto, mas seus olhos serão inesquecíveis, bem antes do que ela poderia imaginar passaria a conhecê-lo melhor.  Já descia do morro, quando viu o alvoroço no beco. O carro usado no sequestro era roubado e não descartaram. Estava ali próximo e os que tinham ficado no sítio anotaram a placa do veículo, tinham sido localizados, o morro estava tomado de policiais.

 A ordem dada pelo chefe do tráfico era que todos se preparam para defender o território, mandando bala nos militares. Pedro não teve outra alternativa, o jeito era voltar, subir novamente o morro e se juntar ao bando, descer naquele momento seria suicídio.

 Estava se cumprindo o que diziam os mais antigos da favela, quem entra no tráfico jamais consegue achar a porta de saída outra vez. Retorna e fica no cativeiro, onde permaneceu ali com mais uns trinta homens armados.  

Os policiais avançam e chumbo grosso para cima deles. O cerco vai se fechando, os traficantes mandam bala, mas a polícia não revida para evitar ferir a refém. O plano é fazer os bandidos ficarem sem munição e invadir o cativeiro, pegá-los vivos.

Há mais de trinta homens pelejando contra os invasores.  Mesmo que somente eles disparam e os inimigos só se protegem, evitam fazer disparos, já se passaram várias horas e o estoque de munições começam a esvaziar, diminui os tiros, a polícia percebe e avança, usando coletes, escudos e todo o aparato de proteção. Já sabem o local exato onde a refém está e agora podem revidar contra os criminosos sem correr riscos.

Começa o tiroteio, os bandidos saem dos esconderijos e se expõem numa área distante do local onde fica o cativeiro.  Dessa vez eles revidam, caem bandidos como moscas pelo chão. Os moradores se escondem dentro de suas casas com medo de bala perdida, o lugar inteiro se transforma num verdadeiro campo de guerra, um inferno. Enquanto isso,

Pedro se mantém escondido com a refém. Ligeirinho e agora apenas dez homens, o restante desceram para tentar conter o avanço da PM e das forças especiais, mas como se podia imaginar, eles empacotaram diante das armas dos militares:

 — Cara, acho que pessoal já era, estamos sozinhos nessa!

 — Deixa de ser agourento, seu merda, ninguém, aqui tem medo de morrer, não, está valendo? Se eles dançaram, e daí? A gente vamos é encarar essa parada todo mundo junto meu irmão!

 — Aí, eu não estou nessa de morte não, valeu, meu lance é sair dessa com vida e numa boa. Quer saber, acho melhor a gente devolver essa moleca aqui para os caras e sair com vida, melhor que morrer que nem os outros que já levaram a pior lá embaixo!

— Qual é, otário, tem ideia de quem deu a ordem para pegar essa gata aí? Foi peixe grande, camarada, e se a gente ferrar com o plano nós dança, entenderam?

 — Teu negócio é com esse peixe grande, Ligeirinho, o meu era contigo e já quitei, então nem vem com esse papo de que sou obrigado a morrer para defender os interesses desse teu patrão aí!

  Neste momento ouvem a voz do comandante que lhes manda sair e entregar a refém. Ligeirinho determina a permanência de todos no lugar, Pedro discorda e se diz a favor da rendição. Mas o traficante insiste em lutar até o fim contra os policiais e responde com tiros de arma de grosso calibre. O Bope cerca os arredores e não revida por causa da jovem que continua com eles, vendo que um dos bandidos está sendo sensato em querer o rendimento e os outros insistem em colocar suas vidas em risco, Luana, assustada, demonstra querer falar algo e tiram-lhe a mordaça da boca. Ela, sendo abusada, discorda da ignorância deles:

— Mas que droga, será que somente ele tem a capacidade de raciocinar e ver que é impossível enfrentar esse monte de policiais armados e ainda assim sair vivo daqui? Parem para pensar ele está certo, vocês não têm a menor chance!

— Fica na tua aí, não te mete safada!

 Ao ouvir a forma grosseira como Nego Breu tratou a moça Pedro a defende e cria um clima ruim com o parceiro do crime:

 — Qual é a tua, por que vive esculachando a gata?

 — Que foi, meu irmão, te doeu porque, por acaso ficou afim da vagabunda?

 Os dois travaram uma luta corporal e saíram se espancando, para conter os ânimos dos brigões o chefe deu um tiro para o alto, e deram-lhes um ultimato: Entregassem a refém ou sofrerão as consequências.  Acontece que eles sabem como termina esse tipo de negociação, no final serão presos ou mortos, e nenhuma das condições agradam aos traficantes que pensam sair ilesos.

Mais uma vez o precipitado Negro Breu responde aos militares com bala e complica mais ainda as coisas. O comandante está exausto de tentar entrar em um acordo com os sequestradores, a vontade que tem é de invadir o local e executar os cretinos. Entretanto, isso pode causar a morte da moça, que não se trata de qualquer uma e sim da filha de um homem do governo.

Pedro percebe que estão encurralados e planeja sair do cativeiro e com Luana e se render. Entregá-la aos policiais, tentar escapar com vida daquela situação. Entretanto, entendia que para isso teria que primeiro se livrar de Ligeirinho.

E os outros comparsas, pois de jeito nenhum eles irão concordar com essa ideia. Coisa que consideram absurda. Sentou-se num canto qualquer do barraco, ao lado de Luana, que se encontra outra vez amordaçada e, aproveitando um segundo de distração dos outros lhe diz para ficar firme. Para não se apavorar porque vai m****r ver nos caras para poderem sair dali.

Ela compreende e fecha os olhos. Bem próximo dele estava uma metralhadora portátil com um pente carregado, ela pertence a Ligeirinho que decidiu ir dar uma olhada na posição dos inimigos.

 Através de uma pequena abertura na parede de tábua do barraco e, pela primeira vez deixou sua arma predileta de lado. Os criminosos se distraem e o jovem, determinado a pôr fim de uma vez naquela situação, atira rajadas de balas contra seus comparsas.

Luana apenas mistura seu pavor meio aos gritos de dor e o desespero dos criminosos que são covardemente assassinados pelo traidor. Lá fora os militares ficam apreensivos, não entendem o que acontece e ficam de prontidão. Aguardam o final do acontecido, temem que a refém esteja ferida ou morta.  Há primeiramente uns segundos de silêncio, depois veem um dos criminosos saindo de braços erguidos e de seu lado a moça sequestrada que pede aos policiais que não atirem. Pedro se rende e devolve Luana a polícia, ele é dominado, jogado ao chão e algemado.

 Em seguida levantam-no e é levado até a presença da autoridade que comandou toda aquela operação de resgate. O meliante permanece com o rosto encoberto com aquela máscara preta, feita de um tecido aveludado de onde só é possível visualizar seus olhos. O comandante se aproxima e arranca-a violentamente.

Sua face é finalmente revelada e todos os presentes podem identificá-lo, inclusive Luana. Ela fica perplexa ao perceber que o criminoso era, na verdade, aquele jovem da banca de revistas localizada próximo ao semáforo da avenida onde mora.

 Que todos os dias aproveita a parada do automóvel para vê-lo sentado naquela cadeira marrom. Sempre lendo seu costumeiro jornal matinal, e que nunca percebeu o quanto era admirado por ela.  Ela estava incrivelmente decepcionada, pela primeira vez parecia ter ficado impressionada com um rapaz e era logo um criminoso.

Ele, porém, não se intimidou diante dela, pois nunca a tinha visto antes daquele sequestro que por extrema necessidade se envolveu. O comandante pergunta se ela já o havia visto em algum outro lugar, a resposta é negativa, melhor assim porque ele sequer sabia que estava sendo observado. Eduarda e Carlos Eduardo chegam desesperados.  A família está novamente reunida, Junior abraça a irmã chorando e promete nunca mais ser tão implicante. Pedro é levado para a viatura algemado.

 Antes de ser colocado dentro do veículo dá a última olhada na direção de Luana, parecia querer rever e guardar na memória aqueles lindos olhos amarelos. Da cor de ouro, para recordar deles, quando estivesse solitário na prisão. Ela de longe também o observa decepcionada, porém sente um aperto estranho dentro do peito, que sentimento é este ao vê-lo partir?

 Estaria penalizada por ver alguém tão jovem indo para a cadeia? Estaria com remorso por ter sido, mesmo que indiretamente a responsável por sua atual situação? Ou estaria de fato completamente apaixonada por ele, mesmo ciente de se tratar de um criminoso?

Difícil responder ou explicar, sabia apenas que seu coração estava apertado e sua vida nunca mais voltaria a ser como antes. Em casa, depois de um belíssimo banho.

 E ser coberta de beijos e abraços pelos familiares e receber o carinho de seus dois e únicos amigos.  Luana está deitada, relembrando aqueles momentos de terror vividos durante seu sequestro, a violência presenciada. E as mortes dos criminosos executados bem à sua frente, e o instante de maior decepção.

Quando descobre ser seu sequestrador aquele lindo rapaz que admirava todos os dias na banca de revistas ao vir do colégio e que ficava horas olhando da janela. Sonhando um dia poder conhecê-lo melhor. Foi lançado na prisão entre criminosos da pior espécie, sendo ele um trabalhador honesto.  Viveu o tempo todo de forma digna.

 Respeitando as leis e evitando envolvimento com o tráfico apesar de ter crescido no morro, onde o comércio de drogas é feito nas ruas sem qualquer proibição. Vivia com a mãe e os irmãos mais novos, trabalhava na banca de revistas e lia as páginas policiais todos os dias.

 Via o fim reservado para quem segue o caminho da marginalização e evitou ao máximo tal erro, mas parece que foi predestinado a cair naquele abismo como tantos outros jovens. Pobres diabos que moravam nas favelas, pessoas como eles pareciam nascer com a maligna sorte de só apanhar da vida, todos os caminhos que seguem terminam em crimes, prisão e morte.

  Neguinho da baixada não tem vez na sociedade, basta ser pobre ou negro neste país para ser taxado de criminoso e, quando vacila como ele fez, aí já era. Condenado e preso por sequestro está agora entre os piores assassinos e deve seguir à risca suas ordens. Dentro de um presídio não se tem escolhas, ou segue o mesmo exemplo dos demais ou morre.

 Ali não há lugar para quem quer agir com mansidão e humildade, os mais fracos e reservados acabam sacrificados durante as rebeliões. As prisões brasileiras não especializam aqueles que cometem crimes. Elas são na verdade, escolas do tráfico para formar criminosos e futuros traficantes. Serão eles que terão sua parcela de contribuição na venda de um número maior de entorpecentes.

Num país que já se ver infestado por tais elementos. São os responsáveis pela escravidão de nossos jovens nas drogas.  Quem lhes transforma assassinos mirins em potenciais.  Ao chegar na ala quatro da casa de detenção os olhares dos outros presos mais antigos são de intimidação, mas Pedro nasceu na baixada fluminense, no morro do urubu, cresceu entre as piores espécies de bandidos e, apesar de nunca ter sido condenado antes, não iria se intimidar com caras feias.

Está por dentro de como as coisas funcionam e pretende se adaptar as normas sem vacilar. O jovem é colocado junto com mais trinta detentos numa única cela, ficam colados uns nos outros, e o clima entre eles é o mais sombrio possível. Agora viu de perto a realidade que antes só contemplava pelas páginas dos jornais que lia enquanto tomava conta da banca de revistas. E percebe que o caos no âmbito carcerário é bem pior do que diz a imprensa.

As cadeias neste país, além de lotadas, para os governantes, não passam de depósitos de lixo humano. Durante o banho de sol pelas manhãs o risco de ser morto aumenta, os mais odiosos vivem escolhendo suas vítimas e as matam na primeira rebelião que houver.  Tem que ficar alerta, ser esperto, demonstrar respeito pelos comandantes da casa, no entanto, jamais vacilar e demonstrar medo de quem quer que seja. Se alguns deles o encarar ou se mostrar insatisfeito com sua presença fará o mesmo, é obrigado a revidar a altura.

Os dias se passam e a hostilidade aumenta, começam a surgir agressões verbais que têm o propósito de gerar conflitos mais intensos. Do tipo que permitam aos provocadores a chance de agredi-lo fisicamente. Mesmo evitando ao máximo que isso aconteça chega uma hora que não dá mais para evitar e a saída é reagir. Eliezer, um dos detentos, cismou de Pedro desde do dia que ele pôs os pés ali e, desde então, tem procurado uma maneira de provocá-lo.

Naquele dia, em especial, o saco encheu e a paciência chegou ao limite, quando o desafeto mencionou sua mãe numa das tantas indiretas que fazia para lhe tirar do sério. Pior azar de Eliezer é que exatamente naquela manhã Pedro ficou sabendo, através da informação dada a ele por meio de um dos carcereiros, que sua mãe havia se recuperado da enfermidade, mas depois voltou a piorar e estaria novamente internada.

O rapaz se encontra arrasado com a notícia e a ironia do detento lhe pega de sangue quente. Então parte para a agressão. Se o objetivo daquele que o provocou era uma reação violenta para ter a chance de lhe causar algum dano, agora terá motivos de sobra para fazê-lo, mal fechou a boca e foi logo levando no queixo um soco tão violento que se estendeu no chão. Caindo por cima de algumas caixas e se machucou o suficiente para lhe acender a ira.

 E com isso levantar dali enfurecido, os dois homens partiram inicialmente para o mano a mano. Eram socos fortíssimos que trocavam, visto que ambos possuíam avantajada força física. Os outros fazem um círculo humano em redor dos brigões e assistem a luta de camarote. Incentivando-os a lutarem cada vez mais. Eliezer era bem mais velho que Pedro. Suas habilidades de luta eram boas, mas lentas demais para quem cresceu nos becos da baixada.

 E por diversas vezes teve que se defender dos garotos maiores para não apanhar feio.  O adversário é bom, mas não o bastante, terminou estirado no piso da cadeia desacordado, foi nocauteado e apaga-se.  Os carcereiros foram impedidos de separar os dois desafetos e a luta rolou até o fim sem que alguém fizesse qualquer intervenção.

Foi a chance de o novato mostrar sua coragem e deixar seu recado aos opositores. Alertando a todos que não está ali para ser saco de pancadas para ninguém. No mundo do crime é assim, precisa impor moral para receber respeito e ele sabe muito bem disso.  Daquele episódio em diante os olhares sobre ele são feitos de forma diferente, os outros detentos o respeitam.

 Ficar ali dentro é perder o contato com o mundo exterior. Se não mantiver uma transação ativa de venda de drogas lá fora se dá mal, e isso ele não tem. O negro traficante um traficante muito conhecido no morro estava preso ali a bastante tempo, ainda o viu garoto, brincando de pipas lá pelos becos, e fizeram grande amizade.

Era amigo de seu falecido pai. Fumaram muita maconha juntos e praticaram vários assaltos, até que numa parada que deu errado ele foi morto pelos policiais, Pedro conhecia bem a história vergonhosa da vida criminosa que o pai levou e o fim trágico que teve. Por essa razão evitou ao máximo entrar no crime.

Mas como se vê não deu em nada, pois ali estava ele, de papo com um dos maiores distribuidores de drogas e armas da baixada fluminense. Cercado por gente da pior espécie, parece que está no sangue o envolvimento no mundo do crime.  Seu pai e muitos outros parentes, conhecidos, até alguns dos amigos.

Também, essa parecia mesmo ser sua sina. Mas, assim como um barco segue sobre aa águas de um rio, E é impelido de um lado para outra das margens de acordo com a escolha de seu condutor. Assim mesmo nós escolhemos qual caminho seguir. Não é porque as pessoas em redor se perdem em caminhos de trevas e completa escuridão que seremos obrigados a seguir o mesmo exemplo.  Ele cometeu um grave erro, vacilou feio, matou pessoas.

Agora era um sequestrador e assassino, nem tudo estava perdido, porque havia matado criminosos que mereciam tal castigo pelas maldades cometidas. Na maioria das vezes, contra inocentes. Homens como Ligeirinho e seus comparsas não farão falta à sociedade. Quanto ao fato de ter se envolvido no sequestro que resultou na sua estadia ali, naquele lugar, ocorreu por uma boa razão que era salvar a vida de sua mãe.

 Claro que nada justifica cometer tal crime, mas pelo menos serve para torná-lo diferente dos que fazem tais coisas apenas por prazer. O traficante do morro mantém permanente contato com o rapaz e avisou aos desafetos que se tocassem no seu protegido teria que ajustar contas. Ali a palavra daquele negro de quase dois metros de altura era lei, ninguém ousava desafiar o sanguinolento. Numa das várias conversas que costumam ter, o negro abre o jogo e revela ao novo amigo seus planos em fugir dali.

 A ideia era aproveitar a entrada e saída de um caminhão de entregas que geralmente ia lá todas as terças feiras, ele já tinha dado o papo para o motorista e ao ajudante, eles iriam entrar debaixo do veículo. E segurar firme nas ferragens, visto que havia altura suficiente para tal façanha, e sairiam do presídio sem ser notado pelos guardas.

Os condutores do caminhão não tinham escolha, Diarubu comandava o tráfico lá fora e tinha meios de m****r apagar quem se opusesse às suas vontades e homens seus ameaçaram os dois trabalhadores, forçando-os a cooperar. Passados alguns dias chegou a hora de agir.

O plano era individual, nenhum outro detento estaria ciente, o traficante decidiu dividi-lo apenas com Pedro, que aceitou e seguiu rumo a oportunidade. Eram dez horas da noite, horário que as casas prisionais recebem ou entregam encomendas. O caminhão de uma empresa de limpezas veio pegar o lixo naquele dia.

Acumulado durante toda a semana anterior e estaciona próximo ao pátio, onde os presos tomam banho de sol.  Um dos carcereiros, pago para facilitar tudo, deixou aberto o pequeno portão que dava na direção do depósito de entulhos. Os dois ao invés de seguirem para o pátio desviam caminho e vão ao ponto de encontro, alojam-se debaixo do caminhão no momento exato da saída.

Segurando nas ferragens e se sustentando nas ferragens conseguem ser levados para fora do presídio. Após percorrer certa distância o carro para e eles vão para a parte de cima, são levados por dois quilômetros e descem. Outro veículo os aguarda para seguirem viagem. Ao aproximarem da cidade, separam-se, e segue cada um para seu lado.  Mas antes o traficante informa o novo amigo onde ficará a partir de agora, comandando seus negócios sujos e o convida para visitá-lo futuramente.

 Tem a intenção de lhe propor negócios vantajosos para ambos. Mas o que realmente importa para Pedro é rever a mãe, precisa achar maneira de ir até o hospital sem dar na vista. Como a fuga aconteceu somente a algumas horas ainda daria tempo para ir lá sem correr o risco de ser capturado.

Pois o alerta ainda não tinha sido dado a polícia. Portanto, daria tudo certo. Passou no barraco, falou com os irmãos e foi ver a coroa, depois de obter deles as informações necessárias do local onde ela estaria.

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