2 - Eva Grayson - parte II

Uma notícia dessas não precisa de severidade. Pra mim é ótimo!

Acho que se eu tenho um sonho é de ter meu próprio apartamento, e com 18 anos posso morar sozinha, e se vier com um carro melhor ainda.

— Amei! — Salto de alegria. Já imagino as festas que vou dar lá. Vou decorar do meu jeito e vou dormir até 10 da manhã. Não vai ter minha mãe me acordando, não tem mais escola, não tem ninguém. Que vida perfeita!

— Não. Não vamos dar mais nada a você! — Papai fala friamente acabando com minha felicidade — A partir de hoje você vai se virar sozinha. E digo mais... — Apontou o dedo pra mim se inclinando pra frente. Só vi meu pai assim no dia que o Elliot bateu o carro dele. —

... só vai ter direito a nossa herança se você se tornar uma mulher decidida e que sabe o que quer da vida.

Sua postura rígida me assusta. Parece que a qualquer momento ele vai me nocautear.

— Não passei 45 anos da minha vida trabalhando duro pra jogar meu dinheiro na mão de alguém que não sabe dar valor ao suor que derramei, ou se quer tentou ter seu próprio dinheiro!

Choquei.

Filha da puta, da minha psicóloga. Foi contar pra eles meus planos!

— Eva. Você tem um longo futuro pela frente. — Ela começa a me aconselhar com essa voz docemente irritante que piora tudo. — Tenho certeza que vai encontrar algo que ame.

Reviro meus olhos tentando engolir isso e suspiro ficando em pé.

Cadê o amor? Seu eu, a princesinha da família!

— Quer dizer que eu tô expulsa da minha própria casa?! — Pergunto sendo mais direta e muito magoada.

Que pais.

— Não é expulsa querida. — Mamãe tenta me acalmar vindo até mim e me abraçando. Não adianta depois do coice. Eu nem retribuo.

— Tecnicamente a casa é nossa. Pois nós ainda estamos vivos. — Papai cruza os braços sem se importar com minha reação. Aposto que a doida da psicóloga falou que eu quero que eles morram. Claro que eu não quero isso! Mas é o futuro de todos. — E pra você não se acomodar, saia o mais rápido possível.

— Papai! Eu sempre fui sua filha favorita! Eu nunca te fiz raiva como o Elliot! — Meus olhos já estão em lágrimas.

— Isso não é sobre o passado e o presente, é sobre o seu futuro, Eva! Você cresceu mimada e pensa que tudo está ao seu alcance. Acorda, filha, você acabou de entrar num treinamento de choque pra realidade. E fique feliz de eu não te mandar pro Brasil.

Cacete. Tô fudida.

Contra meu pai não posso argumentar. Ele sempre dá o veredicto.

— E pra onde eu vou? — Pergunto confusa e angustiada enquanto enxugo minhas lágrimas.

Eu não esperava isso pra hoje. Vim numa consulta psicológica pra ver se arrumava uma solução e vou saindo com um grande problema. Essa daí comprou o diploma com certeza. Nem sabe guardar os segredos dos pacientes!

— Fala com seu irmão. Vocês sempre se deram bem. Quem sabe ele não te aguenta. — Papai se levanta ajeitando o terno. — Duvido você não aprender a viver morando com ele.

Elliot?

Ele vai me fazer trabalhar, cobrar aluguel e se brincar vai cobrar por eu estar na presença dele!

[•••]

Nossa viagem até a casa foi um cemitério de silêncio. Papai ainda franzia o cenho e dirigia com o cotovelo encostado na janela do carro e a mão no queixo.

Com certeza ele está pensando em como seus dois filhos lhe deram tanto desgosto, ou está processando a raiva que criou de mim no consultório.

Mamãe mexe no celular. Acho que ela não tá nem aí pra minha vida. Ela não aparenta se preocupar por onde vou passar essa noite.

Se Elliot não me aceitar em Boston eu nem sei onde dormir. Todas as minhas amigas viajaram pra Paris, pra estudar moda. Não tem ninguém pra me acolher.

Logo que chego ao meu quarto, ligo pro Elliot e arrumo minhas malas. Espero que ele seja compreensivo comigo. Estou guardando tantas lágrimas que qualquer palavra de desprezo me fará desabar chorando.

Depois que ele atende, conto toda a história. Eu tenho certeza que ele vai se comover.

— É sério isso, Eva?

— Elliot pergunta incrédulo do outro lado do telefone.

— Sim. Nem tiveram um pingo de remorso! — Completo minha história de amargura enquanto arrumo minha última mala. — Por favor Elliot, me deixa ficar aí com você por um tempo. Eu prometo que não vou atrapalhar sua vida. — imploro desesperada.

— Mas eu já moro com o Jordan!

— E quem é Jordan? Você é gay? — Me assusto. Elliot nunca fala muito sobre sua vida em Boston. Na verdade fazia um tempinho que eu não falo com ele.

— Não sua doida! O Jordan é meu melhor amigo, e é o meio irmão da minha namorada. Não sei se ele vai querer você aqui. Você vai pagar o aluguel?

— Pergunta a ele se ele não se importa. Eu não ligo... Aluguel, Elliot?...

Desamino. Eu tô mais lascada do que as calçadas do Brasil naquele sol e ele me vem com aluguel! Se ele me disser não eu vou dormir na calçada.

Tomara que esse Jordan seja bonzinho. Que tenha uma alma caridosa.

— Tô brincando. — Ouço seu riso. Idiota, fica brincando com os sentimentos dos outros. — Vou falar com ele e te digo. Mas fica tranquila. Nosso Pai e mãe não vão deixar você dormir na calçada. É só um choque de realidade — Tenta me acalmar como sempre.

— Vão sim, Elliot. Acredite, eles vão. — Afirmo com toda certeza, deitando pela última vez na minha cama.

— E se o Jordan concordar, você viria quando pra cá? Só pra saber...

— Hoje.

— Hoje? Já? — Parece surpreso.

— Você quer que eu durma nas calçadas?

[•••]

Desço a escada carregando minhas duas malas e encontro a mamãe e o papai no saguão. Agora parecem arrependidos.

— Vem cá minha princesinha — mamãe me abraça chorando. — Você sabe que nós te amamos?! Isso é pro seu bem. — Acaricia meus cabelos.

— Meu bem é ficar aqui. Mas vocês não querem. — Digo um pouco triste.

Vai que eles se comovem!

— Quero que volte com muitos planos. Você nunca nos deu motivo pra nos envergonhar, Eva. Só precisa se encontrar. — Papai toca meu colo com uma cara de quem acredita muito em mim.

— Tudo bem. — dou um leve sorriso e ele me abraça.

Apesar da sua postura mais cedo ter sido assustadora, meu pai é super legal, ele só leva a vida profissional muito a sério.

Saio de casa e aproveito pra pegar um dos carros que usei mais cedo e deixei fora da garagem. Tenho certeza que eles não me emprestariam mesmo. E pior que só tenho 200 dólares na carteira, já que perdi meu cartão premium.

Espero que o Jordan me aceite, porque eu já tô a caminho mesmo sem ter a resposta.

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