Aiyra“Eu vejo a espuma chegar até meus pés, quando as ondas quebram na areia, vejo os pássaros sobrevoando ao longe, suas asas batendo algumas vezes e depois relaxando, deixo o vento se encarregar do resto. Vejo até a areia que espremo entre meus dedos voltar a se esparramar com o resto e sinto o cheiro de água salgada se infiltrar por minhas narinas.Eu vejo tudo, mas não ouço absolutamente nada. Não importa o quanto eu incline minha cabeça ou o quanto eu tente apurar meus ouvidos. É só um firme silêncio dominando a minha volta. É estranho e assustador, pois assim o meu único companheiro são meus próprios pensamentos e eu não quero estar com eles agora.Eu tentei com muito afinco. Tentei pagar a dívida com Farrey anos atrás, tentei não envolver a Ethan nisso, tentei fugir da obsessão daquele louco e depois tentei até ter um pouco de reparação. Eu realmente tentei muito, mas a única coisa que consegui foi por a vida dos meus filhos em risco e quase matar a minha melhor amiga.Volta
EthanÉ a segunda noite. Quase três dias inteiros sem dormir, sem comer algo que não seja café, biscoito ou algo mastigado as pressas. Tivemos diversas reuniões com a polícia e se o caos não fosse o suficiente, ainda recebemos uma notificação do estado dizendo que Aiyra pode ser processada por ter forjado a própria morte. Requisitei os melhores advogados que tenho e eles me garantiram que com as provas que temos de que Farrey estava envolvido com a polícia local, talvez quem acabe indenizada seja Aiyra.Eu espero mesmo que seja assim, pois eu não vou ver a minha mulher ficar sentada em um tribunal sendo acusada pelo estado sendo que eles nunca lhe deram a menor assistência. Estou cansado de ficar na defensiva. Estou cansado de ter de remediar as situações, de sempre a minha família ter que pagar o preço.Desvio o olhar da tela do meu computador, onde vejo pela milionésima vez meus filhos correrem para a saída de emergência. Yana puxando o irmão com força e Ben ainda um pouco retice
AiyraO ressonar baixo do sono de meus filhos é como ser banhada por calmaria novamente, todos os meus músculos relaxando ao estar deitada ao lado deles, cada um enlaçado em um lado de minha cintura.Depois que saímos do lugar onde o achamos, nossa primeira parada foi ao veterinário para cuidar de Merlim. O médico nos disse que a pata traseira dele estava quebrada, mas que ele faria o possível para que o cão voltasse a andar novamente em breve.Creio que o pobre médico ficou intimidado com meu olhar e o de Heiko em cima dele, praticamente exigindo que ele fizesse algum tipo de milagre na pata ferida do cachorro.Ethan me assegurou que Merlim teria o melhor tratamento possível e eu tive que aceitar, pois ainda tinha que cuidar dos meus filhos. A despedida na clínica veterinária foi de partir o coração.As crianças não queriam deixar Merlim sozinho lá e quando as coisas ficaram realmente histéricas eu me surpreendi quando Ben tirou a sua camisa um pouco suja, de dias vagando nas ruas e
AiyraA animação dentro do carro é contagiante. Yana fica dando pequenos pulinhos no acento as minhas costas ao ritmo da música alegre que toca nos autofalantes. Ben se contenta em balançar a cabeça algumas vezes, mais concentrado em prestar atenção no que a letra se refere.Tento não ficar eufórica ao imaginar que um deles pode acabar optando pela carreira musical, até mesmo porque eles são muito novos para estar os pressionando com isso agora, mas que seria interessante ter um de meus filhos seguindo os mesmos passos que eu, seria.Enquanto eles ainda podem eu vou preservar suas infâncias, deixa-los serem inocentes e despreocupados o quanto puderem.A música termina e outra começa, uma que eu conheço muito bem, pois ajudei a compor com Vangory.Olho para Ethan, que dirige, seus olhos capturando os meus com um sorriso no canto dos lábios.— É a voz da tia Van! — Yana diz, a animação em pessoa.— É sim filha e advinha quem escreveu essa música? — Ethan a pergunta, seus olhos fixos na
AiyraAperto meus olhos na direção do endereço que Kiler me enviou, minha moto parada no acostamento. No geral parece ser só um estacionamento. Não sei o motivo de tanta cautela com relação ao que Kiler quer de mim, mas sinto como se eu estivesse prestes a entrar em um vespeiro.A sensação só piora conforme me aproximo.Decidida a acabar com tudo isso eu ligo a minha moto novamente e paro no estacionamento, ao lado do de um carro que se assemelha muito ao de Kiler.Desço da minha moto, retiro meu capacete e ando até a janela do carro. Dou uma breve batida no vidro e me encosto no carro, vendo Kiler sair dele. Sua altura, postura rígida e cabelos escuros são os mesmos, mas há algo em seu olhar que não estava lá antes. É doloroso, primitivo e carregado de culpa.Kiler olha para mim, não da forma fria que ele sempre fazia, mas de verdade. Ele também se deixa mostrar e isso me confunde, pois eu já estava me habituando a ideia de ficar enojada por ele.— Você realmente veio. — Ele diz, um
Aiyra — O que mudou, Klaus? — Pergunto, minha voz tremendo com o panorama que se ilumina a minha frente.Eu posso morrer agora. Nunca mais verei os rostos dos meus filhos ou poderei dizer a Ethan o quanto eu o amo.Nós poderíamos ter nos entregado ao desejo mais cedo, ter nos envolvido nos braços um do outro ... Por Deus, como eu queria ter o feito.Eu não estaria aqui agora, temendo pela própria vida e me arrependendo de não ter aproveitado o contato do homem que amo.Klaus parece hesitar, algo em seu olhar se torna muito perturbador de se ver.— Eu realmente não a odeio Aiyra, mesmo que tenha ficado muito irritado por você ter levado Isobell de mim. Por sua causa ela voltou pra aquele lugar maldito e isso nem é o pior nessa bagunça toda. — Ele abaixa um pouco a mão com a pistola — Quando soubemos da sua morte, eu estava pronto para deixar para lá e seguir com merda que se tornou minha vida, eu imaginava que Isobell teria fugido e que em algum momento ela me procuraria, mas não. Ela
AiyraSinto as palmas de minhas mãos suarem um pouco, sentindo o conhecido sabor do medo em minha boca.O carro que Ethan me deu tem um motor potente e acelero sem pena, a estrada parcialmente deserta a minha frente me disponibilizando isso. Já estou a duas horas nessa viagem e por todo esse tempo o veículo cinza, um conversível simples, não sai da minha cola. No início ele tentava ser mais discreto, se mantendo a algumas quadras de distância, mas à medida que deixamos a cidade movimentada e entramos em áreas mais isoladas, ele ficou mais ousado e eu diria até que se diverte cada vez que eu acelero para me manter mais distante.É ele. Tenho certeza.Nenhum outro, iria ser tão idiota ao ponto de arriscar ser revelado.Farrey quer me caçar, como o grande filho da puta que ele é.Respiro fundo e firmo bem minhas coxas, impedindo que elas tremam ainda mais.Foi arriscado pegar o carro e vir até o interior, mas era preciso.Faz menos de uma semana que enterramos Kiler. Não foi um enterro
AiyraO silêncio da casa quando retorno é total. Ethan me disse que levaria as crianças para ficar com meu pai mais cedo e isso talvez seja o motivo para tanta calma.Caminho pelos corredores, indo direto para o quarto. Abro a porta, vendo Ethan lá sentado, as duas mãos juntas na frente do corpo e olhar perdido.Ele me vê e se levanta. Me envolvo em seus braços antes de sequer dizer qualquer coisa. Há uma parte em mim aliviada por ter me livrado da minha maior ameaça, mas há também um gosto ruim, como se uma parte boa de mim, estivesse faltando.— Acabou. — Digo e ele me aperta em seus braços.— Eu sinto muito por isso. Quem deveria ter estado lá era eu. Você merecia paz e eu não pude te proporcionar isso. — Ethan confessa. Esfrego meu rosto em seu peito, seu cheiro me enviando uma onda de puro prazer.— Você me proporciona muito mais do que imagina. Não deixe seus pensamentos irem por esse caminho, querido. Farrey era meu dilema e é algo que agora está definitivamente no passado. —