Capítulo 9 •

Sobrevivi a quase duas semanas aqui e me sinto orgulhosa disso. Achei que iria fugir no dia seguinte, mas eu seria bem burra caso fizesse isso, pois a única coisa ruim aqui é o dono de tudo. E para evitar qualquer atrito entre nós, eu evitei ao máximo o homem.

Estou evitando encontros com ele desde o dia que ganhei a gatinha. Só estou conseguindo, pois essa casa é enorme e Isaac vive no escritório. Pelo pouco que Grandão me disse, ele está assim porque uma das empresas que investe, vai de mal a pior e por isso, hoje ele saiu e até agora não voltou.

Deve ser tenso ter que lidar com coisas tão importantes assim, não sei se eu teria capacidade e coragem para ficar de frente com essas coisas. Sou meio medrosa em relação a isso e costumo não querer essas responsabilidades. Caso eu faça algo errado e a culpa recaia sobre mim, eu tenho certeza que surtaria.

Outro motivo de evitar os encontros, são pelo simples fato de minha TPM estar em seu auge, ou seja, eu estou mais insuportável que o normal e mais briguenta. Até para Grandão sobrou, por duas vezes eu quis arrumar uma confusão, sem perceber. Normalmente eu já faço isso, com os hormônios alterados então, sai de perto.

Pietro, que antes era ligado no duzentos e vinte, agora está na metade disso por conta da escola e das atividades que faz. Nesse meio tempo tentei ligar para o número que tenho dos meus amigos, mas eles não atenderam. Implorei a Grandão para me levar até eles, mas ele disse que somente o patrão poderia permitir isso. Esse foi um dos motivos que quis arrumar briga, mas entendo o lado dele e deixei quieto.

Por isso, estou sentada na poltrona que Grandão fica frente a escada, esperando o homem chegar dessa reunião importante. Talvez ele esteja irritado, e isso pode até ser bom, pois ele não vai querer ouvir meus argumentos e apenas vai dizer sim, é o que espero. Não aceito não como resposta e se preciso, irei brigar pelo sim.

Grandão foi rapidamente levar Silvia em casa, pois ela não estava se sentindo bem, algo sobre ter pressão alta. Após colocar os meninos para dormir ela saiu. Essa casa fica tão silenciosa sem essas pessoas todas, chega a ser assustador. Acho que Grandão imaginou que eu não fugiria, pois não deixaria as crianças sozinhas. E chegamos a conclusão de que meu coração é mole demais para isso.

A porta se abre com certa brutalidade e sem nem olhar o homem, já decifro seu humor. Ele anda com rapidez em direção a escada e nem olha para frente, só b**e o pé com força no chão e fala alto no celular. Ok, talvez esse não seja o melhor momento para isso, mas eu quero tanto e ...

— Boa noite!

Entro na frente dele, o fazendo parar com rapidez, por pouco não tromba em mim e causa um acidente. Quando seus olhos azuis cansados focam em mim, sinto um gelo na espinha. Ele desliga o celular e põe no bolso, ainda me mantendo no centro de sua atenção.

— O que você quer? — Pergunta meio irritado e respiro fundo, tentando ignorar seu humor e focar em meu propósito.

— Sim, estou bem. — Abro um sorriso. — Queria perguntar uma coisa. É rapidinho, prometo.

— Depois, agora não é o melhor momento! — Tenta passar, mas subo no primeiro degrau da escada parando em sua frente. Ele respira fundo e fecha os olhos, acho que está contando. — Você finge que eu não existo durante uma semana. Me ignorou todas as vezes que tentei perguntar sobre Pietro e agora, que eu não estou com o humor nada legal, você decide que é o melhor momento para falar comigo? — Seus olhos me analisam, talvez ele tenha percebido que fugi dele esse tempo todo, mas meus motivos são ótimos. 

— Eu fiz isso sim e tenho um ótimo motivo. Eu não queria brigar de novo, eu não estava nos meus melhores dias e eu estou cansada desses nossos embates. E se não fosse de extrema importância o que quero pedir, eu não teria ficado a mais de trinta minutos sentada naquela poltrona. — Aponto e ele respira fundo, faço até um bico pequeno.

— Amanhã, Cassandra. — E me dá as costas, desistindo de ir para o quarto e indo rumo ao escritório.

— Aah, qual é. — Do um gritinho irritada olhando para cima e respiro fundo antes de seguir ele. — Lobiso... Isaac, por favor. — Começo a seguir o homem que me ignora totalmente. — Agora quem está parecendo uma criança birrenta é você. — Paro no meio do corredor que leva a seu escritório. — Tadinho, foi ignorado por uns dias e ficou ressentido. Que bebezão! — Cruzo os braços irritada, ciente de que afrontar ele não seja a melhor alternativa.

Ele para de andar e continua de costas para mim, percebo uma certa hesitação, mas ele logo se vira. Seu olhar me faz congelar, seus passos cautelosos em minha direção mais ainda. Irritei a fera que existe dentro dele, posso sentir isso e agora estou arrependida. Quando por fim para a alguns centímetros de mim, cruza os braços também, segurando a pasta preta com as pontas dos dedos.

— O que você quer? — Sua pergunta me pega de surpresa, pensei que iria querer que eu me retratasse por chamá-lo de bebezão.

— Primeiro, desculpa por te chamar de bebezão, foi espontâneo. Segundo, eu queria saber se poderia me adiantar alguma quantia em dinheiro, talvez metade de um mês. Terceiro, gostaria de saber se poderia ir visitar meus amigos na segunda, quando as crianças forem para a escola. — Abro um sorriso bem forçado e tento não parecer muito esquisita.

— Não e não! — Ele nem pensa muito, apenas responde e volta a andar em direção ao escritório.

— Que? Merda Isaac, estou tentando ser legal no momento e você não está ajudando. — E ele vem de novo até mim, dessa vez rindo.

— Por acaso você tem noção de que esse não é o linguajar adequado a se falar com seu patrão?

— Você não é meu patrão, eu nem assinei nada ainda. Você é apenas a droga do cara que me chantageou para que eu ficasse presa aqui.

— Por acaso você lembra o motivo disso? Você invadiu a minha casa com um bando de delinquentes, sabe-se lá o que estavam planejando. Deveria ser grata e menos ignorante, pois se não fosse por essa idéia louca que tive, você estaria neste momento presa em uma cela fria e sem regalias nenhuma. — Suas palavras não fazem ao menos cócegas perto da raiva que estou sentindo. — Mas não consegue deixar de ingrata e ignorante!

— Talvez ficar lá fosse melhor do que conviver com você, pois você é insuportável. Acha que é o dono da razão e que o mundo deve rastejar a seus pés, só porque tem muito dinheiro. — Saliento irada. — Eu não estou aqui para ficar lambendo o chão que você pisa. Você é o típico riquinho que adora ter o ego massageado e quando alguém b**e de frente, fica todo nervosinho.

— Você pelo menos escuta o que fala? Talvez assim não saísse tanta besteira da sua boca. Você é a única aqui que acha que tudo tem de ser jeito que quer. — Sua voz agora calma me dá mais raiva ainda. Como ele consegue mudar de uma hora para outra? Se eu to berrando e as coisas mudam de figura, tipo se acalmando, eu continuo falando alto pois não consigo controlar bem isso.

— Quer saber? Eu cansei disso tudo. — Digo jogando a mão para o alto — Dane-se você, dane-se todo mundo. Não tô nem aí pro que vai acontecer, mas eu prefiro aturar policiais assediadores do que você. Então faz o que você quiser, não ligo mais!! — Termino de falar irritada e lhe dou as costas, andando com raiva em direção a qualquer lugar longe dele. — Eu te odeio, Isaac!

— Se prefere assim, assim eu farei, Cassandra. — Escuto sua voz, antes dele entrar no escritório e bater à porta com força. 

Passo pela escada, disposta a ferrar mais ainda com tudo. Eu não fico mais aqui um segundo, mesmo que isso signifique virar alguma fugitiva da polícia. Ando em direção ao portão, mas não exalando raiva e sim tentando parecer a mais neutra possível. Apenas passeando em uma linda noite fresca, apreciando a natureza que esse jardim emana. Fico contando até dez mentalmente para me acalmar, até chegar em meu próximo destino. Vou convencer o porteiro e fugirei.

Chego sorridente até o homem vigiando a entrada, não tenho facilidade em convencê-lo a sair de seu posto, mas lembro de Grandão falando sobre montar uma lista de permitidos para entrar e o homem logo se apressa para ir atrás de Isaac. Olho atentamente enquanto coloca a senha, acho que consegui pegar a combinação. Demoro alguns minutos para conseguir abrir o portão mas consigo isso com maestria.

Se eu for virar uma fugitiva, terei de me acostumar a ficar sozinha e não ter medo. Mesmo que essa rua esteja escura e assustadora. A cada passo que dou para minha fuga, sinto certo arrependimento e fico imaginando o olhar triste do Pietro ao saber que fui embora. Vai ser de cortar o coração para ele, me apeguei tanto aquele pequeno e também ao Andrew, que é só um bebê, mas quer se portar como adulto.

Quando saio da estrada que leva a propriedade do motivo do meu ódio, olho para esquerda e direita, tentando decidir qual a melhor escolha a se fazer no momento. Posso pegar um ônibus se for para a direita, mas é um pouco longe, se eu for pela esquerda posso encontrar Grandão e isso não vai ser legal. 

Enquanto caminho pelo acostamento da grande estrada de mão dupla, fico pensando em como foi fácil fugir. Isaac está cercado por pessoas incompetentes, pois se elas sabem o motivo de minha estadia na casa, teriam sempre de estar com um pé atrás comigo e não serem super cordiais. É o que penso. Ou talvez eles não saibam e por isso me tratam super bem. Céus, será que eles não sabem?

Cada carro que passa é um arrepio na espinha que sinto, pois não é nada seguro andar sozinha na beira de uma estrada, ainda mais sendo mulher. Quando um carro em especial começa a vir da direção que eu estava vindo, o arrepio se intensifica, pois o farol super aceso está iluminando tudo ao nosso redor e o carro também está com a velocidade reduzida. Mesmo que 90% de mim queira fugir, os outros 10% estão torcendo para que seja Grandão, para que seja alguém conhecido e não algum tarado querendo me oferecer carona. Até o Isaac serve. Onde eu estava com a cabeça ao fugir assim? Isso é loucura.

O carro passa por mim e para alguns metros à minha frente, meu coração só não gela pois conheço muito bem o carro e o dono dele. Tá, Isaac não serve não. Finjo que não estou vendo e passo por ele, ignorando enquanto chama pelo meu nome. Escuto a porta do carro bater e seus passos apressados atrás de mim.

— Espera. — Escuto sua voz e logo sua mão puxa a minha, me fazendo virar e ficar frente a frente com ele. Puxo minha mão e cruzo os braços, encarando bem séria o homem.

Ele parece não saber o que falar e eu também não sei ao menos o que fazer. Meu coração pede para que eu corra e suma no meio do mato alto, mas minha mente diz que seria muito arriscado. Já uma outra pequena parte do meu coração está confusa, pois ele veio atrás de mim. Ele não fala nada e desvio o olhar, focando na paisagem atrás do homem. Mesmo que sem sentido, o silêncio até que faz sentido e é confortável.

Arregalo os olhos quando vejo um carro de polícia vindo a certa distância, ele chamou a polícia e veio aqui para se certificar de que serei presa. Me enganei, ele só veio aqui para me prender até que a polícia chegasse. Ele não está preocupado, veio para confirmar que me ferrarei.

— Não, não. — Começo a recuar e ele fica sem entender. — Você chamou a polícia? — Ele franze a testa. — Claro que você chamou. Você me odeia!

Conforme a polícia se aproxima, meu coração parece que vai explodir e não sei o que fazer bem. Meu corpo está paralisado e não consigo correr. Meu humor levemente alterado pelos hormônios do meu dilema mensal me fazem querer chorar.

— Eu não chamei ninguém. — Isaac diz enquanto dá passos em minha direção, mas vou recuando na mesma medida.

— Por que está aqui? — Pergunto com a voz vacilante, quero chorar.

— Vim atrás de você, Cassandra. — Sua voz é um sussurro que me acalma um pouco.

— Por quê? — Minha voz sai com dificuldade.

— Porque nós temos um acordo. — O carro da polícia começa a reduzir a velocidade perto de nós. — Ei, Cassandra. O que está acontecendo? — Ele parece preocupado.

Começo a respirar com dificuldade e tento correr, mas Isaac é mais rápido e segura meu braço. Impedindo qualquer fuga.

— Não quero ser presa. — Murmuro ainda desolada e ele entende meu desespero quando o carro da polícia para bem ao nosso lado. Aperto com força a camisa dele e abraço seu corpo. — Por favor, não deixe que me levem. — Minha voz sai quase inaudível.

— Está tudo bem por aqui? — Escuto a voz do homem no carro. Sinto Isaac depositar a mão em minhas costas, como uma barreira de proteção.

— Sim, ela está passando mal, por isso parei no acostamento. — Isaac fala com tranquilidade, já eu estou tremendo de nervoso e quase esquecendo como se respira. — Respirar um pouco. — Prossegue, parecendo perceber minha dificuldade e tento respirar calmamente.

Sinto meu coração acelerado, minhas pálpebras estão tremendo também e me sinto levemente nauseada. Aperto os dedos em suas costas, mas apesar do conforto, meu nervoso não passa.

— Tem certeza? — O mesmo homem de antes pergunta.

— Ei.. — Uma voz levemente familiar me chama. — Moça, você está bem? — Só tenho alguns segundos para me afastar de Isaac e vomitar bem no meio do mato.

— Desculpe, ela comeu algo que fez mal, mas já estamos indo para casa. — Se apressa a falar e sinto o gosto amargo inundar minha boca.

— Compreendo. Não aconselho ficar tanto tempo aqui e muito menos com um carro que chama tanta atenção como esse, está bem perigoso. — Escuto a voz do primeiro policial.

— Obrigado, nós já estamos indo. Agradeço a preocupação. — Ele diz e os homens resmungam em concordância. Não demora muito e escuto o carro se afastar, isso me faz respirar aliviada e perceber o tremor dissipar aos poucos. — Toma. — Ele me entrega o lencinho que geralmente fica no bolso do seu paletó. — Podemos ir agora? — Continuo agachada e evitando olhar para ele.

— Só preciso de um minuto. — Concorda e se afasta.

Escuto a porta do carro bater e suspiro fundo fechando os olhos para tentar controlar as batidas do meu coração. Levanto e limpo a boca, limpo a areia do joelho sobre a calça e fecho os olhos novamente. Quando me sinto melhor, ando de cabeça baixa até o carro e entro, me encolhendo no banco do carona.

— Quer me contar o que acabou de acontecer? — Ele espera apenas alguns segundos depois que entro para perguntar.

— Fiquei com medo. — Recosto no banco e fecho os olhos, apoiando a cabeça na janela.

— Você ficou pior depois que o segundo policial falou. Isso tem a ver com o que disse mais cedo? Sobre policiais asse...

— Não estou me sentindo muito bem. — Corto suas palavras.

— Tudo bem, depois conversamos sobre isso. — Salienta e me escolho mais ainda, me sentindo uma criança prestes a ser repreendida. — Você não pode fugir sempre que tiver alguma coisa de ruim acontecendo. Ainda mais se for sair a noite sozinha. Você melhor do que eu sabe como as coisas estão perigosas ultimamente. — Liga o carro e se apressa para voltar para casa. — Pode não parecer, mas às vezes conversar é melhor do que fugir.

— Desculpa.

— Só não faz mais isso. Quero te ajudar e não te fazer mal. Se eu não tivesse chegado aquela hora, nesse momento você ainda estaria andando no acostamento e teria de lidar sozinha com os policiais.

— Vou cumprir o acordo que fiz. Só... não sei lidar muito bem com a pressão e fugir para mim é sempre a melhor opção. Funciona. — Sussurro, sentindo uma lágrima escorrer.

Ele fica em silêncio e eu também, agradeço por isso, pois realmente não quero conversar. Sou toda errada e as vezes é mais forte do que eu fazer certas coisas. Agir por impulso é um defeito que tenho e preciso aprender a controlar.

O policial Mattos, dono da voz que reconheci, é um babaca de marca maior e o típico policial que acha ser o poderoso, só pelo respeito que sua farda impõe. Odeio ele com todas as minhas forças. Não por fazer algo comigo, pois ele não conseguiu, já que fugi todas as vezes de seu toque insistente. Sempre que o homem me vê, faz questão de falar coisas totalmente indecentes e pedidos mais ainda. Me sinto grata por Isaac ter me dado cobertura, ele poderia ter me entregado e sabe-se lá o que aconteceria comigo.

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