Alexandre ainda estava curvado sobre mim. O cheiro dele invadia minhas narinas — quente, urgente — como se nosso desejo ainda pairasse ali, pesado, sufocante. Nossos batimentos estavam descompassados, se misturando num ritmo caótico, como se os corações tentassem fugir do próprio corpo. Eu já não sabia mais quem éramos. Só sabia que era errado — terrivelmente errado. Uma situação tão constrangedora que nem nos meus piores pesadelos eu teria imaginado.— Saia, por favor — Alexandre pediu, a voz tensa, quase rouca.Quem quer que fosse, não respondeu. Apenas passos duros ecoaram pelo chão, arrastando consigo a decepção. A porta se fechou logo em seguida, num estrondo seco que cortou o ar.Alexandre se ergueu de sobre mim, trêmulo. Os olhos fugiam dos meus, mas eu o segui com o olhar, aflita, com o estômago se retorcendo num medo que crescia como um nó.— Quem era? — perguntei, sentindo a garganta arranhar.Ele puxou minha calcinha de volta, ajeitou meu vestido com mãos trêmulas, como se
Eu insistia, batendo no vidro do carro, enquanto Maria Vitória, acuada, chorava sem parar. Eu não ia desistir dela. Também não podia deixá-la seguir por aquela via, em alta velocidade, sem rumo. Quanto a Heitor, pouco me importava naquele momento. Que visse o que tinha feito. A minha culpa, essa eu já carregava comigo. Sabia que havia passado de todos os limites — mas nunca, nunca foi por vingança.Clara, minha tia Dulce, minha prima Regina... eram mulheres, adultas. Sabiam o que estavam fazendo. Por mais libertino que Heitor fosse, eu não o imaginava forçando nenhuma delas. Não havia mais espaço para rancor, nem para comparações.O carro dela ainda estava ali, motor ligado, os olhos marejados tentando focar o caminho — mesmo sem enxergar nada. Quando ela engatou a ré, tentando recuar, eu temi. Olhei ao redor, como se procurasse um freio para a tragédia iminente. Num impulso, peguei uma pedra do chão e a arremessei contra o vidro lateral.— Ah! — ela gritou, assustada.Aproveitei o mo
Eu não sabia o que dizer, mas sabia que, sem Alexandre no hospital, tudo aquilo logo ia ruir.— E o que você pretende fazer? Você não pode simplesmente... — tentei dizer, mas ele negou com a cabeça, ainda sem camisa, apenas de bermuda, e me deu as costas, indo em direção à cozinha.— Já recusei inúmeras propostas de trabalho. Nunca saí do hospital por consideração ao seu pai. Além disso, posso me manter afastado por um tempo. São anos lidando com sangue, salvando vidas de desconhecidos... No fundo, talvez a Maria Clara tenha razão: eu não tenho vida além de uma sala de cirurgia.Só de ouvir o nome dela, o desconforto voltou. Eu preferia que ele não se referisse à ex-mulher, mas nunca teria coragem de dizer isso.— Entendi. Não vou mais tomar o seu tempo. De qualquer forma, essa conversa precisa acontecer — falei, observando o homem deixar o copo vazio sobre a bancada branca da ilha.— Ei, espera... — ele se apressou na minha direção, me segurando pela cintura. Olhei em seus olhos, ten
Maria Vitória não voltou ao meu apartamento.Escurecia quando o carro de Heitor deixou o prédio. Esperei por ela, mas não queria sufocá-la. Aquele desfecho era entre dois: pai e filha.Na segunda-feira, foi estranho não seguir minha rotina. Depois da musculação, fiquei em casa, entediado. Nenhuma leitura fluía. Nenhum raciocínio se encaixava. E ela... também não apareceu.Na terça, nada mudou.Na quarta, Heitor me ligou várias vezes. Ignorei todas. Mais tarde, vi Maria Vitória chegando com a mãe. Ainda parecia abalada. Quando ergueu os olhos na direção da minha janela, hesitei: me evitava ou queria conversar?Teria decidido se afastar de mim?Parecia que sim.Comecei a avaliar propostas de trabalho que vinha recebendo... mas nenhuma fazia sentido. Nenhuma tinha ela.Era noite quando a campainha tocou.Olhei pelo olho mágico. Ao vê-la ali, abri a porta às pressas. Meu coração acelerou como se eu fosse um garoto nervoso, à beira de ser deixado. Esquecido.Ela entrou sem dizer nada e vei
Dormi mais uma vez no apartamento de Alexandre. Talvez minha mãe já estivesse acostumada com a ideia. Cheguei pela manhã, ela ainda dormia no quarto dela. Entrei em silêncio, troquei de roupa, arrumei minha mochila.Meu celular começou a tocar.Quando vi o nome na tela, hesitei.Era meu pai.No dia anterior, ele havia enviado apenas uma mensagem seca:“Mande o Alexandre me atender. É urgente.”Nada mais.Era como se ele soubesse que eu estava com Alexandre — embora não estivesse. Ainda.Fiquei alguns segundos encarando a tela, até que atendi. Mas não disse nada.— Maria? Está me ouvindo? — ele perguntou, do outro lado.Eu não sabia como reagir. Talvez tivesse sido dura demais na nossa última conversa.— Estou — respondi, séria.— Estou me afastando. Peça para o Alexandre voltar ao hospital. Eu não estou em condições de continuar à frente. Fiz um empréstimo, há dinheiro na conta. Que ele assuma a direção. Faça o que quiser com aquela porcaria...A voz dele era firme, mas sem alma.Minh
Tinha sido uma noite maravilhosa. Não fizemos sexo como das outras vezes — desta foi sem pressa, sem urgência — porque sabíamos que, agora, não era a última vez, entrelaçamos nossos corpos num ato vagaroso, delicioso sem hora para acabar. Adormeci com Maria Vitória em meus braços, enquanto ela falava sobre os cortes secos que a nova orientadora fizera em sua monografia. Aconselhei que publicasse a pesquisa depois da defesa — com minha revisão.Ver os olhos dela brilhando na imensidão escura do quarto me trouxe uma certeza: estávamos recomeçando. Não sabia quanto tempo aquilo duraria, mas queria que fosse bom enquanto durasse.Ela saiu cedo. Tinha estágio. E, embora fosse ruim deixá-la sair da cama, foi... admiravelmente responsável quando chegou a porta. A luz da manhã entrava tímida pelas cortinas. O sol ainda não aquecia o suficiente pra tirar o frio do peito. Sentei na beirada da cama, sem camisa, celular na mão.A mensagem de Mavi ainda brilhava na tela:“Ele me ligou. Disse que
Meus batimentos estavam descompassados.Eu e Marcelo apertamos o gatilho praticamente ao mesmo tempo — o dedo dele forçando o meu, tentando destravar a arma.Mas o tiro… não foi em mim.Quando o corpo dele estremeceu sob o meu, um nó se formou na minha garganta.A mão dele fraquejou sobre a minha.— Maria Vitória… Maria… — ouvi Alexandre atrás de mim, a voz embargada, os braços tentando me afastar.Mas era tarde. Tarde demais.Apertei o gatilho novamente.Uma. Duas. Três. Quatro vezes.Na quinta, a arma travou. Não disparava mais.E, mesmo assim, eu continuei ali. Tremendo.Eu não queria mais ver minha mãe com medo. Sempre assustada.Não queria mudar de cidade outra vez.Não queria viver com medo.— Maria Vitória? — a voz dele ecoou na minha orelha.O barulho da porta se abrindo me atingiu como uma onda distante. Mas eu não me virei.Eu estava paralisada. Em choque.Confessando, em silêncio, tudo o que havia feito.— Me dá isso! — Alexandre tentou puxar a arma da minha mão.— Não! — g
Por mais que eu estivesse preocupado com Maria Vitória, mesmo sabendo que ela estava sendo representada por advogados competentes, havia um mal-estar maior que me corroía.Maria Clara ainda estava solta.As estradas tinham blitz. A rodoviária, vigilância reforçada.Todos os acessos estavam sendo monitorados.Mas nada. Nenhum sinal dela.Quando fui informado de que Maria Vitória havia alegado legítima defesa, o caso se inverteu completamente.O olhar da Justiça mudou.As atenções também.Ela deixou de ser vista como uma criminosa impulsiva — e passou a ser reconhecida como alguém que sobreviveu.A partir dali, deixei de me preocupar com ela, pelo menos juridicamente.Caroline a preparou com maestria. Ainda mais com o inquérito aberto contra Marcelo pelo ataque brutal à Laura.Ele agora era oficialmente um foragido. Um homem perigoso.E Maria Vitória… uma vítima.Mas os meus males, esses não haviam acabado.Quando revisamos as filmagens do prédio, senti o sangue gelar.Maria Clara apare