Eu quis fazer uma surpresa.Tristan vinha buscando nosso filho na escola todos os dias naquela semana. Estava tão empolgado com a paternidade que fazia questão de participar de cada pequena rotina. Era lindo de ver. Difícil de esconder o quanto aquilo me desmontava por dentro. Mas hoje… hoje eu quis ir. Não só para ver meu filho sair pelos portões, como fazia nos velhos tempos, mas porque algo dentro de mim não estava em paz.Fui a pé, como sempre, após não aceitar que o motorista particular me levasse. O fim de tarde trazia um vento fresco, e as folhas secas estalavam sob meus passos. As casas familiares, os vizinhos conhecidos. A falsa sensação de segurança que me mantinha funcional.Até que vi.Um carro escuro, reluzente, estacionado ao lado da escola, num ponto que dava visão direta para o portão da onde sairiam as crianças. Uma Ferrari. Preto fosco. Janelas escuras. Quase discreta, se não fosse o contraste gritante com o bairro.Meu corpo reagiu antes da mente.O sangue gel
Bati a porta do apartamento com força o suficiente para que qualquer coisa frágil ali dentro tremesse. Stevan apareceu no corredor logo em seguida, camisa parcialmente aberta, cabelo bagunçado, e pela primeira vez… parecia acabado. Pálido, olhos fundos. Não era o homem seguro, sarcástico e no controle que eu conhecia.— Que porra é essa?! — minha voz saiu rasgada. — Você mandou o seu pai atrás de mim? Ele me encarou como se eu tivesse cuspido fogo.— Vai com calma, Catarina.— Vai se foder com essa calma! — eu gritei, andando em direção a ele. — Eu quase tive um ataque do coração! Você tem noção do que ele fez? Ele foi até a escola! Ele ameaçou o meu filho!Os olhos dele brilharam por um segundo. Talvez surpresa. Talvez medo. Talvez vergonha. Mas, como sempre, ele se recompôs rápido demais.— Você tá pisando em gelo fino — ele respondeu, frio. — Eu não gosto desse tipo de acusação.— Acusação? — ri, nervosa. — Você sabe o que ele me disse? Que eu tenho dois dias pra entregar
A porta imensa da mansão do Tristan rangeu quando entrei. A casa estava silenciosa, envolta naquela penumbra de fim de tarde que sempre parece anunciar segredos. Ivana estava sentada no sofá, o olhar fixo na tela do celular, mas ergueu os olhos quando me viu. O silêncio entre nós foi imediato, denso.— Catarina… — ela disse, com a voz baixa. — Tá tudo bem com você?Hesitei. Minha garganta secou por um segundo. Ela era minha amiga. E parte de mim queria chorar no colo dela. Mas a outra parte… aquela que só pensa no Tristanzinho, não podia se dar ao luxo de fraquejar.— Só cansada — respondi, tentando esboçar um sorriso. — Aquelas correrias do dia.Ela franziu a testa, claramente não convencida. Mas não insistiu. Em vez disso, ajeitou a postura e disse, sem emoção:— Vou voltar pra Rússia por uns meses. A galeria tá me chamando, e eu não posso mais adiar.— Ah… — foi tudo que consegui dizer. Ela não tinha família. Não era como se estivesse voltando para casa. Mas eu também não
E mais: era o mesmo homem que Sheila dizia ter sido seu “marido”, ou o que muitos achavam que era. O tal que a acolheu quando estava grávida. O homem que por muito tempo ela achava ser seu único porto seguro.E esse mesmo homem, agora, ameaçava o nosso filho.Não havia mais espaço para dúvidas. A invasão da minha casa meses atrás não foi por acaso. Ela não estava ali por alguma necessidade, ou por curiosidade. Ela foi obrigada. Ela estava tentando proteger nosso filho. E eu… eu não vi.Eu devia ter percebido antes.Devia ter ligado os pontos, perguntado mais, insistido. Mas eu estava tão cego pelas minhas próprias dores, pela raiva do passado, que não enxerguei o que estava bem na minha frente: ela estava lutando sozinha esse tempo todo.Continuei lendo.Havia mais mensagens de Stevan. Muitas mais.“Você sabe que não tem saída. Ele vai vir atrás de você. Se não entregar o documento, não adianta correr.”“Se fizer merda, vai pagar. Você, e o moleque.”E então, como se meu pei
— Tristan? — A voz de Ivana surgiu alta, levemente tremida.— Tô ouvindo — respondi, acionando o viva-voz.— Desculpa ligar tão cedo, mas… eu achei que você precisava saber. Catarina… ela tá estranha. Muito. — A voz dela carregava uma urgência que me fez apertar o volante. — Ela me procurou agora há pouco e quando não te encontrou, perguntou se eu sabia onde você estava. Ela parecia… desesperada. Como se estivesse prestes a fazer alguma besteira.— O que ela disse?— Me fez prometer que eu cuidaria de você… e do pequeno. Me agradeceu por tudo. Me pediu desculpas. Disse que te amava. Que sempre te amaria. Disse que você foi a melhor coisa que aconteceu na vida dela.Fechei os olhos por um segundo, lutando contra a vontade de dar meia-volta.— Ivana… escuta. Eu preciso que você chame a polícia. Agora. — minha voz saiu firme, sem espaço para questionamentos. — Leva meu filho pra um lugar seguro e fica com ele. Não deixa ele sair. Tranca as portas, qualquer coisa. E chama a políc
— Porque você é um! — ela rebateu, a voz finalmente ganhando força. — Eu vi o que fez com ele! Com seu próprio filho! Se ele está vivo, não é graças a você.— Cala a boca! — ele berrou, e eu instintivamente me coloquei entre os dois.— Nem ouse levantar a voz pra ela. — falei com os dentes cerrados, a mão próxima ao coldre improvisado onde eu guardava a arma. — Se você encostar um dedo nela, eu juro que acabo com você aqui mesmo.Igor, até então observando a cena com uma expressão entediada, deu um passo à frente.— Chega. Todos vocês estão agindo como crianças. — ele olhou para mim. — Tristan. O documento.— Eu já disse que só entrego com garantias.— Você acha que está no controle? — Igor respondeu, começando a perder a paciência.Foi então que Daniel percebeu a arma sob meu casaco. Ele sorriu com escárnio.— Ah… então você veio preparado. — ele cuspiu no chão e avançou um passo. — Vai me matar agora, é isso? Vai terminar o trabalho que eu comecei?— Se você me der motiv
— Sua desgraçada! — Igor cambaleou, e antes que pudesse reagir, Stevan surgiu como um raio entre eles. Um soco direto no maxilar do pai, seco, cruel.Igor caiu. O fogo agora consumia parte do teto. As estruturas começavam a ranger, ameaçando desabar.— A saída! — Catarina apontou, tossindo.Daniel ainda rastejava no chão, tentando alcançar a arma caída. Nossos olhos se cruzaram.— Eu devia ter te matado naquele ferro-velho… — ele cuspiu.— Pois é. — respondi. — Mas não conseguiu.Logo então uma viga em chamas desabou atrás dele, selando seu caminho. A fumaça o engoliu.— Vem! — Catarina me puxou.Corremos. Stevan vinha logo atrás, apoiando a lateral do corpo, com sangue escorrendo de um corte no braço. O som de sirenes se aproximava ao longe. O calor era insuportável. Os pulmões queimavam.— Rápido! — gritou Catarina, passando por uma abertura na lateral do galpão.Quando saímos, o ar fresco da noite bateu como um soco. O céu estava vermelho, refletindo as chamas que engol
A vida seguia, mas de uma forma que eu nunca imaginaria. Eu estava ali, com Catarina e Tristan Júnior, e sabia que, no final das contas, essa era a única verdade que realmente importava. E eu sabia que uma hora, as sombras do passado, desapareceriam.Enquanto a vida seguia seu curso, algumas verdades começaram a vir à tona, revelações que ninguém poderia ter previsto. Igor Coppola, o homem por trás das ameaças a Catarina, não era mais uma sombra a espreitar. A polícia brasileira havia rastreado suas movimentações por meses, e logo se soube que ele estava sendo investigado por crimes internacionais. No entanto, o cerco foi rápido. Não foi o FBI, nem qualquer agência internacional, mas sim uma operação local que desmantelou sua rede criminosa.Igor foi capturado com uma rapidez impressionante, e após uma série de interrogatórios, acabou preso em uma penitenciária de segurança máxima em outro país — fora do Brasil, onde ele enfrentaria acusações por tráfico de influência, extorsão e at