Capítulo 3

16 anos atrás

O vento frio que acompanha a noite é um aviso que o inverno está próximo. Me encolho ainda mais no meu cobertor de flores e contínuo meu caminho até o banco em frente a minha casa. Hugo está sentado lá, um casaco grosso, um gorro e o cachecol verde escondem parte de seu rosto, mas mesmo assim eu vejo que ele estava chorando. Um pouco antes ele havia ligado para minha casa de um telefone público, não passava das 19 horas, mas o céu nublado passava a impressão de era madrugada. Acho que o tempo estava em sincronia com os sentimentos de Hugo. Me sentei ao seu lado e ficamos em silêncio por um tempo, ouvi algumas vezes ele soluçar baixinho e secar os olhos. O vento ficando ainda mais frio e as lágrimas de Hugo mais pesadas, ele tremia mas eu não sabia se era de dor ou frio. Abracei Hugo que afundo seu rosto em meu ombro ainda chorando, o cobertor de flores aquecendo sua tristeza e a nós dois.

_ Está ficando muito frio aqui fora Hugo- eu digo pela primeira vez desde que nos encontramos - Acho melhor você ir para casa.

Ele desfaz nosso abraço e me olha nos olhos, um olhar de súplica, que entendi, ele não queria ir para casa.

_ Eu vou pedir a minha mãe para você dormir aqui- eu o abraço novamente- vamos entrar.

Mais tarde, depois de convencer a minha mãe e pedir permissão para a de Hugo, estávamos deitados no colchonete ao lado da minha cama, ambos olhando para o teto sem dizer nada. Hugo tinha parado de chorar, mas seu rosto inchado era um lembrete de sua tristeza. Me levantei do colchão para ir até minha cama, mas antes de eu me deitar Hugo segura minha mão e me abraça.

_ Obrigado Alyssa- ele me solta- Boa Noite.

Nós nunca falamos sobre o por quê dele estar chorando aquela noite, ou porquê ele não queria ir para casa, eu esperaria o dia que ele estivesse disposto a me contar, afinal eu era sua amiga, e seria para sempre.

Atualmente

Chovia muito naquele momento, as gotas deslizando pela janela pareciam conversar com as que desciam pelo meu rosto, a cidade passando pela janela do táxi totalmente alheia ao meu sofrimento. Meu celular não parava de tocar depois das notícias que se espalharam, "Alyssa Maken agride funcionária na portaria de seu prédio", "Modelo Alyssa Maken é despejada de seu apartamento luxuoso no centro", " Contratos e parcerias da modelo Alyssa Maken são todas desfeitas", " Fim da carreira de Alyssa Maken: Das passarelas a sarjeta", e muitas outras ainda mais cruéis, todo meu trabalho de anos reduzidos a cinzas.

Carmen se certificou de não me deixar um fio de esperança sequer, descobri que ela estava por trás do meu término com Erick, ela havia ameaçado divulgar o caso dos dois se ele não me deixasse, temendo por sua empresa ele aceitou, durante nossa ligação, ele me implorou perdão e disse que entendia seu não o quisesse ver nunca mais. Ela também limpou minhas contas bancárias e cancelou meus cartões, como ela tinha minha permissão para movimentar meu dinheiro, foi fácil para ela pegar tudo e eu não posso processa-la. Do meu apartamento só pude pegar minhas coisas pessoais, e isso era tudo o que eu tinha: Uma mala grande, duas pequenas, uma mochila e nenhum dinheiro.

Como um anjo, Joana ofereceu seu apartamento para que eu passasse a noite e descansa-se um pouco, segundo ela eu teria mais clareza com a mente descansada, e nesse momento estamos em um táxi em direção aos bairros populares de Los Angeles. O local não ficava tão longe de onde eu morava, era simples, mas muito aconchegante. Joana morava com a filha de aproximadamente 15 anos, a menina era uma grande fã minha e também queria ser modelo, eu incentivava seu sonho, pois eu mesma já havia sonhado. Sentada no sofá de Joana, minha mente não parava de buscar uma maneira de resolver tudo, mesmo tendo me entendido com Erick, sem ter o que fazer com a cobra, vulgo Carmen e minha carreira em ruínas, ainda tinha mais um problema, o velho Ramirez. Sei que agora eu não tinha mais uma carreira para ser destruída, mas ainda tinha minha liberdade, e Ramírez não hesitaria em acabar com ela se eu não aceitasse sua oferta.

Desde o dia em que ele invadiu a minha casa e me ameaçou eu não o vi mais, mas tenho certeza de que não tardará para que ele brote do submundo para me atormentar, minha situação atual garante sua vitória , já que eu não tenho muitas opções, só que para o azar dele eu sou uma garota que quando não encontro uma saída, eu faço uma.

_ Pensando no que fazer agora?- Joana diz me estendendo uma xícara e me tirando da bolha de preocupação em que eu estava.

_Sinceramente não sei o que fazer- pego a xícara e tomo um pouco do seu conteúdo- essa teia de desastres está bem amarrada.

_ Isso me faz lembrar de uma certa vez em que você tinha dois compromissos na mesma hora, você se lembra?- nego com a cabeça- pois eu sim, duas sessões de fotos muito importantes e você não podia faltar a nenhuma, eu achei que você remarcaria uma mas sua mente era muito mais habilidosa- ela para e bebe seu chá- você juntou as duas sessões em uma só! Ainda ajudou uma das marcas que não tinham figurinos para as fotos com os sapatos.

Eu me lembrei do dia, eu me sentia sem saída para aquela situação, e meu desejo era fugir e fingir que não estava na cidade. Uma luz se acendeu no fundo da minha mente, uma ideia maluca, mas possivelmente minha única opção.

_Joana- eu coloco a xícara na mesinha na minha frente- eu acho que encontrei uma solução.

Ela faz uma cara surpresa e quase engasga com o chá

_ Mesmo?! E qual é? - ela também deposita sua xícara na mesa

_ Eu simplesmente, vou sumir.

_Espera ai, como? Vai fingir de morta? Isso seria crime, e queremos evitar que você vá presa.- Joana diz e se ajeita em seu lugar

_ Não- dou risada dela- eu não vou me fingir de morta, eu só vou embora, sem dizer a ninguém onde me encontrar, sem pontas soltas e sem nada.- digo bebendo mais chá.

_ Alyssa você é uma celebridade, está literalmente em todos os jornais- ela bebe mais de seu chá- seria impossível ir até a farmácia ali na esquina sem que alguém te reconhecer, e mesmo que você usasse um disfarce, todos conhecem o nome Alyssa Maken.- ela finaliza me olhando com uma cara de que minha ideia é ridícula.

_ Mas eles não conhecem Alyssa Campebel- lanço para ela com um olhar vitorioso- Maken é só meu sobrenome artístico, eu mudei para que ninguém soubesse quem eu era ou de onde eu tinha vindo. Não queria paparazzis na porta da minha mãe.

_ Que esperta, por isso eu nunca soube onde você morava antes da fama- ela diz como se tudo fizesse sentido agora- mas mesmo que mude seu nome, sua cara está estampada em cada outdoor de Los Angeles.

_ Eu acho que posso ajudar com isso- a filha de Joana entra na sala e senta com a mãe- me desculpe por ouvir, eu não queria me intrometer.- ela abaixa o olhar envergonhada

_Tudo bem, Alice, mas como você me ajudaria?- pergunto para a jovem tímida e vejo seu rosto se iluminar

_ Uma palavra: Transformação- ela junta as mãos e depois as abre no ar- um colega meu se monta de drag quenn e ele fica irreconhecível, tenho certeza de que ele poderia mudar sua aparência para que não reconheçam você.

_ Mas querida isso é arriscado- Joana intervém- ele saberia quem Alyssa é, isso poderia por o plano em risco.

_ Ele não contaria nada a ninguém, tenho certeza- Alice diz com convicção- as pessoas não sabem que ele se monta de drag, e só alguém com um grande segredo sabe a importância do sigilo. Mas tenho certeza de que ele vai querer um autógrafo, ele é louco por você.

_ Sério? - rio com elas- Eu não veria problema algum nisso, já que possivelmente esse será o último autógrafo que eu darei.- sorrio meio triste.

_ Decidido então-Joana se levanta do sofá e aponta para mim- a partir de amanhã, Alyssa Maken irá sumir do mapa.

No outro dia bem cedo, o amigo de Alice veio, como ela mesma disse, trazer Alyssa Campebel de volta. O garoto quase desmaiou quando me viu, me abraçou, tirou fotos e pediu o autógrafo, ele não se aguentava dizendo ser uma honra me ajudar e também prometeu nunca revelar nada. Quando todo o processo acabou, nem eu me reconhecia. Eu decidi voltar ao meu estilo antes da fama, os cabelos naturais e os óculos de grau. Eu usava lentes de contato com uma cor diferente do meu olho, 40% de minha imagem pública era falsa, parecia que eu adivinhei que precisaria sumir, deixando meu eu original escondido.

_ E ai como se sente?- o rapaz põem as mãos nos meus ombros enquanto olha para o espelho a minha frente.

_ Como seu eu tivesse 19 anos outra vez! - eu sorrio olhando para minha imagem refletida- muito obrigada Michel.

_ Que isso rainha suprema da moda- ele balança a mão e sorri- obrigado você por realizar meu sonho de te conhecer.

_ Já que disse que não quer pagamento- eu levanto e vou até meu telefone- eu quero que aceite isso- escrevo um número de telefone em um papel e dou a ele- esse é o contato de Jhonni Max, um grande cabelereiro e um conhecido, diga a ele que eu recomendei, mas só depois de todo esse bafafá.- ele sorri imensamente e seus olhos brilham em empolgação.

_ Obrigado Deusa!- ele pula e me abraça- Obrigado, obrigado, obrigado!

Michel foi embora um tempo depois de me agradecer várias vezes, eu fiquei muito feliz por ele, tenho certeza de que Max vai dar uma chance, esse é um ótimo jeito de encerrar minha carreira, porque no momento em que eu sair de Los Angeles a grande Alyssa Maken não existirá mais. Fico imaginando o que será do meu futuro, organizando algumas coisas, eu encontrei uma conta bancária no meu nome real, e lá tinha meus primeiros salários como modelo, fiquei tão feliz! Eu poderia comprar uma passagem para qualquer lugar e estaria livre de Ramirez, Carmen e todos os problemas que vinham com eles, mas a dúvida era: Para onde? Com essas dúvidas na minha mente quase não percebi o telefone que tocava insistente, era minha mãe.

_Alô mãe- atendo a chamada.

_Olá Querida, como você está? -minha mãe pergunta, sua voz entregando o quanto estava preocupada.

_Na merda mãe- junto as pernas ao corpo e as abraço- eu perdi tudo, minha carreira foi destruída, Carmen roubou todo meu dinheiro e bens, Erick terminou comigo e um velho nojento está ameaçando me entregar para a polícia por um crime que eu não cometi- nem percebi o momento em que comecei a chorar- e agora só o que eu tenho é minha liberdade e por isso eu vou sumir antes que tirem ela de mim também.

_ O meu Deus filha!-minha mãe também chora do outro lado da linha- Como assim sumir? E você pode ser presa?- ela para um pouco e respira fundo- Eu não permitirei que isso aconteça, não permitirei que mais nada aconteça com você, Alyssa Marie Campebel, como sua mãe, eu ordeno que volte imediatamente para casa, sem nenhuma objeção, e se não vier por conta própria, eu irei busca-la a força! Eu nunca deveria ter te deixado sair, mas agora não cometerei o mesmo errou, durma bastante, te espero no primeiro ônibus do dia.

_Sim mãe, eu irei voltar para casa- eu sorrio para minha mãe mesmo que ela não possa me ver- eu finalmente voltarei para casa.

_Boa noite querida-minha mãe diz- eu te amo muito e não deixarei os monstros pegarem você.

_Boa noite mãe, eu também te amo muito.

Desligo o telefone e olho para janela. Uma chuvinha fina começava a molhar o vidro e a quantidade de carros começava a diminuir, mas meu coração que estava tão triste, agora possuía uma pequena chama acesa, uma pequena chama de esperança.

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