Ponto de Vista de SamuelO som da tranca da mala se abriu suavemente ao meu questionamento, e eu senti mais do que ouvi a respiração coletiva de susto que se seguiu enquanto eu levantava a tampa, revelando seu conteúdo em toda a sua hipnotizante e horrível beleza.Os instrumentos variavam desde seringas de pontas finíssimas até facas de lâminas grossas, tesouras com bordas serrilhadas e até alicates. Quando me virei para encará-los, dando a todos uma visão completa do que havia dentro, Diogo soltou um gemido baixo antes de vomitar em sua própria camisa.Olhei para Gabriel Correia, cujos olhos estavam subitamente marejados e brilhantes demais enquanto passavam de mim para a mala.— Você já foi torturado, Gabriel?Havia tremores em sua voz quando ele começou a falar.— Eu...eu não...— Essa não foi minha pergunta. Vou perguntar de novo. Você já foi torturado?Gabriel lambeu uma linha fina de suor que se formara em seu lábio superior antes de balançar a cabeça, fraco.— Você já viu
Ponto de Vista de Maria(Duas horas atrás):Acordei lentamente ao som dos monitores apitando, e meu primeiro pensamento depois de abrir os olhos foi que parecia que minha cabeça estava cheia de bolas de algodão devido à quantidade de remédios que estavam sendo bombeados pelo meu corpo. Estava insensível à dor dos meus ferimentos; tinha consciência dos eventos que me levaram a tê-los, mas nada disso parecia importar. Esses pensamentos dissiparam-se quase tão rápido quanto os formei, e continuei a oscilar entre a consciência e o sono até que finalmente acordei com a bexiga cheia. Parecia que eu estava prestes a explodir, e eu sabia que, se tentasse ignorar a vontade e simplesmente voltasse a dormir, da próxima vez que acordasse, seria para uma bagunça que eu mesma teria feito. Então, com isso fortalecendo minha determinação, finalmente abri os olhos. A primeira coisa que me veio à mente, depois dos pensamentos iniciais, foi Márcia, que ainda dormia dentro de mim. Ela parecia frág
A mulher por trás da primeira tentativa de tirar minha vida. Ela piscou ao me reconhecer, e eu observei seus traços encantadores lentamente se transformarem em um sorriso de escárnio. Mesmo assim, era difícil não ser atraída pela majestade de sua beleza quase sobrenatural. Seu cabelo preto como azeviche estava preso em um penteado que destacava sua elegância, e a túnica branca no estilo greco-romano que ela usava moldava cada curva do seu corpo como uma segunda pele. Ela estava deslumbrante, e enquanto eu me perguntava o que ela poderia estar fazendo aqui, lembrei que ela sempre se voluntariava para ajudar os doentes na enfermaria. — Bem, você está absolutamente horrível. — A Alta Sacerdotisa comentou com um sorriso amigável. Segundos se passaram antes que suas palavras registrassem, e mesmo assim era difícil sentir a maldade nelas por causa de seu sorriso brilhante. Os transeuntes teriam pensado que éramos apenas duas amigas brincando, mas eu sabia melhor, e voltei à realidade
Ponto de Vista de MariaUm brilho malicioso surgiu nos olhos da Alta Sacerdotisa assim que percebeu que sua declaração havia captado minha atenção. Fiquei paralisada, com a porta meio fechada entre nós, incapaz de pensar em uma resposta enquanto o sorriso traiçoeiro em seu rosto se alargava.Eventualmente, ela parou de esfregar o pulso que eu havia segurado e deu um passo à frente, como se estivesse tentando entrar. Foi então que voltei à realidade. — Estou machucada agora. — Disse a ela, endireitando os ombros. — A última coisa que preciso é de estresse, como você provavelmente já sabe. Boa noite, Alta Sacerdotisa.— Agora você está toda formal e correta só porque mencionei ele, não é?— Eu não sei do que você está falando.— Claro que não sabe, pobrezinha. — Disse Vitória.Algo no tom dela me impediu de fechar a porta pela segunda vez: uma nota de pena que até agora não estava presente. Isso me deixou desconfortável. Ela continuou. — Você sabe, antes de se tornar nosso Alfa, Samu
— Você realmente tem uma imaginação, querida. — Vitória recuperou-se com naturalidade. — De onde você tirou isso?Mas já era tarde. Mesmo que ela não soubesse, eu sabia. Eu havia sido sugada para baixo por suas palavras, pega de surpresa por seus ataques psicológicos dissimulados. Mas eu estava determinada a não dar a ela a reação que ela veio buscar agora. E duas podiam jogar esse jogo. — De qualquer forma, pensei em te avisar. Já que você está claramente se apegando.— Obrigada, mas não acho que precisarei disso. O que eu e Samuel temos é entre nós e mais ninguém.Os olhos dela se estreitaram em fendas ao ouvir eu usar o primeiro nome dele, e eu forcei o impulso de sorrir. — É mesmo?— Sim, ele é... diferente perto de mim. Carinhoso. Não que isso seja da sua conta, mas obrigada pela preocupação.Era uma meia-verdade mais do que qualquer coisa. Meu tempo com Samuel consistia, na verdade, principalmente em sessões de treinamento exaustivas. Pelos rumores que circulavam pelo bando
Ponto de vista de MariaVitória deu um passo para longe da porta, e seu olhar carregava um significado profundo enquanto ela me observava antes de se virar e sair andando. Eu deveria tê-la seguido, mas algo dentro de mim me dizia que, apesar das minhas palavras confiantes, eu talvez não estivesse pronta para ver as provas que ela tinha para me mostrar. Então, permaneci imóvel. Depois de dar alguns passos, a alta sacerdotisa percebeu que eu não a estava acompanhando. Um sorriso presunçoso se formou em seu rosto enquanto ela voltava e refazia seu caminho até mim. — Qual é o problema? — Ela provocou. — Percebeu que encontrou mais do que esperava?Eu cerrei os punhos, sentindo uma onda de irritação passar rapidamente por mim. Apenas o fato de eu não estar em condições físicas de retaliar me impediu de agir. Balancei a cabeça. — Como posso saber que isso não é uma armadilha?Vitória suspirou, olhando para o teto enquanto revirava os olhos. — Se eu quisesse me livrar de você, sabem
Um dos guardas, que parecia ser o de maior patente do grupo, deu um passo à frente, inclinando a cabeça em um aceno de reconhecimento.— Alta Sacerdotisa, não estávamos esperando sua visita.— Claro. — Ela respondeu suavemente. Senti um calafrio percorrer minha espinha com a autoridade que ela infundiu nessas duas palavras. — O Alfa solicitou minha presença.Até para os meus ouvidos, essa desculpa soava fraca, e pelas expressões conflitantes nos rostos dos homens, ficou claro que nenhum deles acreditava nisso. Mas Vitória era a Alta Sacerdotisa. Além disso, ela também vinha da segunda família mais poderosa da Alcateia Sangue: os Dubois, e ir contra ela poderia atrair consequências que ninguém, em sã consciência, gostaria de enfrentar.O líder se mexeu desconfortavelmente, e após uma pausa hesitante, começou a falar:— Se for esse o caso, vou apenas avisar Carlos que…— Não será necessário. — Ela o interrompeu suavemente, e antes que ele pudesse se recuperar, ela já estava caminhando em
Ponto de Vista de SamuelCarlos me lançou um olhar confuso, esperando que eu enviasse uma instrução pela nossa ligação mental, mas eu não fiz. Estava muito ocupado lutando contra a sensação de pânico que começava a borbulhar dentro de mim assim que Maria fez sua entrada. Agora, isso só piorava enquanto a observava fechar lentamente a distância entre nós.Por um breve momento, desejei poder estalar os dedos e magicamente limpar Paulo e o sangue que escorria da laje de pedra onde ele estava preso, assim como toda a carnificina que manchava minhas mãos e o avental que eu estava usando. A brutalidade era uma parte da vida que os lobisomens eram acostumados, mas mesmo por esses padrões, amputar membros como forma de tortura faria qualquer um sentir um calafrio.Embora eu não me importasse com isso, me importava com a minha parceira e o que ela pensava de mim. Quando pensei em dizer a ela para ir embora, ela já estava ao meu lado. Eu a observei absorver toda a cena lentamente, desde a lâmina