Marcamos uma videochamada e agora, sentado à minha mesa me preparando para ligar para ela, sentia como se fosse vomitar o pouco de comida que Maria tinha conseguido me fazer engolir a qualquer momento.Gina atendeu no primeiro toque e, quando seu rosto familiar preencheu a tela do meu laptop, meu coração deu uma violenta guinada ao notar sua forte semelhança com Carlos.Por sua vez, ela também me estudava, e algo em minha expressão devia ter denunciado a mensagem que eu tinha para transmitir, porque depois de um momento, suas feições desmoronaram e ela pareceu murchar na cadeira onde estava sentada.— Ele se foi, não é? — Gina disse, seus olhos marejando enquanto seu queixo assumia uma postura determinada antes de continuar. — Me conte tudo.Até o jeito dela falar, sua cadência, me lembrava Carlos; e demorou um momento até que o significado de suas palavras registrasse em meu cérebro.Seus olhos continham um pedido silencioso enquanto esperava que eu dissesse algo, e mesmo não querendo
Ponto de Vista de SamuelMal o nome saiu dos lábios dela, comecei a balançar a cabeça, e na tela, vi meu rosto se contorcer em desagrado com a sugestão. Talvez fosse uma reação dura, mas era sempre assim quando alguém encontrava sua companheira destinada.— Quem são eles, então? — Perguntou Gina.Pela primeira vez desde o início da nossa chamada, vi uma centelha do entusiasmo habitual que ela sempre demonstrava perto dos pais e do irmão.Ser a única lobisomem não-transformável na Alcateia Sangue significava que ela sempre ficava nas sombras, mas quando se sentia à vontade, a fachada caía. Era isso que estava acontecendo agora, então decidi satisfazer sua curiosidade, em parte porque era claro que ela queria uma distração.O outro motivo era que eu poderia falar sobre Maria por horas se tivesse a oportunidade. Só que nunca tinha surgido.Até agora.Comecei contando sobre o relacionamento dela com Miguel, e imediatamente o olhar de Gina se arregalou escandalosamente.— Tá, sugar daddy. —
Ela cuspiu a última parte, e as lágrimas se acumularam em seus olhos mais uma vez, mas desta vez ela nem se importou em limpá-las. Em vez disso, ela concluiu:— Fique de olho na alta sacerdotisa, Samuel. Porque meu palpite é que se ela já não estava de olho na sua companheira, conhecendo Vitória, é muito improvável; então ela vai persegui-la agora. Com força.Então Gina desligou antes que eu pudesse dizer uma palavra.Ponto de Vista de MariaA monotonia da Alcateia Sangue nunca tinha me chamado atenção antes de eu partir.Agora, porém, depois de quase dois meses de emoção constante, era a única coisa que eu parecia capaz de pensar.Eu estava entediada, e me pesava que eu pudesse me sentir assim depois de tudo que aconteceu nos últimos dias. Mas estava, e não havia como evitar.Eu tinha ajudado meus amigos a se instalarem em seus quartos, e me encontrando sem mais nada para fazer (correção: nada mais que eu QUISESSE fazer), depois de cerca de uma hora vagando pelos terrenos da Alcateia
Ponto de Vista de MariaAssim que as palavras saíram da minha boca, percebi que tinha cometido um grande erro, porque a expressão de Anya ficou tensa de desgosto.Seus olhos se estreitaram em minha direção e, por um momento constrangedor, fiquei ali paralisada, sem saber como responder ou como prosseguir.Então, mais rápido do que meu cérebro podia acompanhar, tudo mudou. Anya fechou os dedos até formar um punho, puxou o braço para trás e o lançou contra meu estômago.— Oof. — Exclamei.O golpe me tirou todo o ar, e enquanto me dobrava ao meio, lágrimas imediatamente brotaram em meus olhos, embaçando minha visão.Enquanto isso, Anya desabafava:— "Oi." É só isso que eu recebo depois de um mês passando medo constante do que tinha acontecido com você... só um "Oi", como se você tivesse saído para tomar um café e acabasse de voltar. Pela Deusa da Lua, Maria! Você consegue imaginar como foram as últimas semanas para mim?!Eu estava ocupada demais tentando respirar para dar qualquer tipo de
Ponto de Vista de MariaKane e Anya continuavam a se encarar, avaliando um ao outro mesmo depois que a situação já tinha se tornado socialmente desconfortável, e ainda continuaram.Em algum momento, percebi que eles poderiam até ter esquecido que eu existia e estava presente. Era assim tão intensa a troca de olhares entre eles. Parecia que eu tinha interrompido um momento íntimo, e por um breve instante, fiquei confusa com a tensão que parecia crepitar entre eles até que, de repente, algo se encaixou.Tentei conter o suspiro, mas já era tarde, e quando percebi, Kane já tinha desviado o olhar da minha melhor amiga e voltado para mim.— Vou estar esperando você nos campos de treinamento. — Murmurou enquanto um rubor subia por suas bochechas, e então, com um último olhar para Anya, se virou e saiu apressado.Ao meu lado, Anya soltou um súbito suspiro de alívio, mas não reagi. Pelo menos não imediatamente.Em vez disso, esperei até ter certeza de que Kane estava fora do alcance da voz ante
— Como você está se adaptando à Alcateia Sangue? — Perguntei, tentando puxar conversa.Kane não respondeu imediatamente. Em vez disso, seus olhos se estreitaram, como se ele estivesse tentando decidir se minha súbita amizade era uma armadilha.Não o culpei por isso, e ele devia ter visto a sinceridade em meus olhos porque depois de um breve momento respondeu:— É parecida em muitos aspectos com a Alcateia Sombras Carmesim... mas também... diferente. Vi o ônibus escolar descer para buscar as crianças da alcateia. Não temos isso em casa.Seus olhos brilharam com saudade por um momento, e logo em seguida ele pareceu perceber que estava divagando, porque seu olhar subitamente voltou a se concentrar em mim.— É... revigorante.Eu queria insistir, mas não tive a oportunidade, porque Kane rapidamente pigarreou.— Está ficando tarde. — Disse ele. — Devemos começar a sessão de hoje.Não era mentira. O céu estava todo manchado de rosa e laranja enquanto o sol se punha, e quando olhei ao redor, p
Ponto de Vista de MariaMal senti os braços de Kane me envolvendo para amortecer minha queda. Enquanto ele se ajeitava para me segurar melhor, a parte de trás da minha cabeça bateu no chão e tudo ficou escuro.Não sabia por quanto tempo fiquei desacordada, mas aos poucos comecei a voltar a mim, e minha consciência do ambiente foi lentamente voltando.Podia ouvir o som distante de vozes pairando sobre meu corpo deitado.— Ela está bem? — Perguntou alguém, uma loba.Kane praticamente rosnou sua resposta: — Vá buscar o médico da Alcateia agora!— N, não. — Murmurei fracamente, forçando minhas pálpebras a se abrirem. Não havia passado muito tempo, já que o céu estava praticamente da mesma cor de antes de eu desmaiar.Mesmo assim, franzi os olhos: — Estou bem. Só preciso... de espaço.Imediatamente, Kane me colocou na grama e me soltou. Por um momento, o mundo ao meu redor parecia girar num carrossel sem fim, mas quando o efeito passou, me senti muito melhor.Com cuidado, me sentei, gemen
Kane fez uma pausa por um momento, e suas sobrancelhas se franziram pensativamente.— Eu... estava me perguntando quando finalmente entraríamos em contato com isso. Não pensei que seria tão cedo...Ele desviou o olhar de mim, e algo em sua expressão naquele momento disparou sinais de alerta em minha cabeça. Mas tentei manter a calma.Disse a mim mesma que, já que ele havia previsto esta Raiz, deveria haver uma solução, mas quando perguntei como nos livraríamos dela e ele não respondeu imediatamente, senti uma nuvem começar a pairar sobre meu otimismo.— Eu... não posso me livrar da Raiz por você, Maria. — Kane admitiu finalmente.Eu já sabia que era isso que ele diria, mas as palavras soaram como o último prego em meu caixão e fiquei surpresa com as lágrimas que imediatamente brotaram em meus olhos, embaçando minha visão.Uma onda de pavor e cansaço me envolveu, e naquele momento eu queria me levantar, ir até o quarto e me trancar lá pelo resto da eternidade. Kane devia ter percebido a