Alicia não sabia mais se estava correndo ou apenas vagando sem rumo. As sombras da floresta à sua volta pareciam se esticar e se mover com ela, como se estivessem vivas, pulsando ao ritmo de seu coração descompassado. O vento cortava sua pele, trazendo consigo o cheiro da terra molhada e o sussurro de algo distante. Algo que a chamava.
Ela havia se afastado da casa, sem um destino claro, mas não conseguiu ignorar o impulso crescente de seguir para o coração da floresta. Havia algo lá. Algo que ela não podia mais evitar. E, apesar de toda a confusão que a consumia, algo em seu interior a guiava, como um fio invisível puxando-a para longe da segurança do familiar e em direção ao desconhecido.
A marca dourada em seu ombro ardia com cada passo, e ela apertou a mão sobre o local, tentando aliviar a sensação incômoda. Mas era como se a marca estivesse viva, pulsando com a energia de algo mais antigo, mais poderoso.
Ela sabia que Kael estava em algum lugar por perto, sentindo sua presença, mas não queria voltar para ele. Não agora. Ela não estava pronta para enfrentar a verdade que ele tentava forçar sobre ela. Não queria ser parte daquele mundo, daquela matilha. Não queria se curvar ao destino que ele parecia acreditar ser inevitável.
E, ainda assim, não podia negar a atração que o chamava. A ligação entre eles era impossível de ignorar, como se estivessem conectados por algo que transcende a compreensão humana. Cada pensamento sobre ele fazia seu coração bater mais rápido, e seus sentidos se tornavam mais aguçados. Como se a própria floresta estivesse reagindo à presença dele. Mas ela não ia ceder tão facilmente. Não seria como ele queria. Ela não seria uma peça em seu jogo.
Quando o som de passos foi ouvido atrás dela, Alicia parou instantaneamente, seu corpo tenso, os instintos aflorando. Não era Kael. Era algo diferente. Algo... mais selvagem.
Ela virou-se bruscamente, olhos aguçados e pulseiras de dor no corpo. Mas o que encontrou foi algo que ela não esperava.
Na penumbra, com os olhos dourados e o corpo robusto, um lobo imenso surgiu. Seu pelo negro como a noite refletia a luz da lua, e seus olhos pareciam brilhar com uma intensidade feroz, com uma inteligência que a fez parar de respirar por um momento. Era o tipo de criatura que Alicia só imaginava ser uma lenda.
O lobo não rosnou, mas avançou com confiança, seus músculos ondulando sob a pele. O ar ao redor dele parecia mais denso, mais quente. Alicia deu um passo para trás, tentando afastar-se, mas a criatura não a atacou. Ele se aproximou, com um olhar que misturava curiosidade e algo mais.
Foi então que ela sentiu.
A marca em seu ombro queimou com uma intensidade insuportável. Alicia fechou os olhos, um grito de dor escapando de seus lábios enquanto se apoiava em uma árvore para não cair. Quando abriu os olhos novamente, o lobo estava ainda mais perto, quase como se estivesse se comunicando com ela através de um olhar profundo e penetrante. Ela sabia que aquilo não era uma coincidência. A floresta, o lobo, a marca... tudo se conectava de uma forma que ela não compreendia completamente.
O lobo avançou até ela, mas ao invés de atacar, colocou seu focinho contra sua mão, que ainda estava pressionada sobre a marca. Alicia sentiu o calor do corpo do animal se misturar com o calor da marca, e uma onda de energia a percorreu. Algo profundamente primal e intenso.
— Você... — ela sussurrou, com a voz falha. — O que você quer de mim?
Mas o lobo não respondeu. Ele se afastou, suas patas esmagando o solo com um som surdo, antes de desaparecer nas sombras da floresta. Alicia permaneceu ali, sozinha, a respiração pesada e os batimentos cardíacos acelerados. A sensação de algo maior, algo sobrenatural e incontrolável, ainda pairava no ar.
Ela não sabia o que isso significava. Não sabia o que o lobo queria com ela ou o que a floresta estava tentando dizer. Mas algo lhe dizia que aquilo não era apenas um sinal. Era um aviso.
Ao longe, ela ouviu uma voz conhecida, carregada de autoridade, cortando a quietude da noite.
— Alicia! — Kael.
Ela congelou. Não queria ver Kael agora. Não queria enfrentar as perguntas que ele faria. Mas a sensação de sua presença era inconfundível, como uma pressão invisível que a envolvia.
Alicia respirou fundo e virou-se para enfrentar o homem que, apesar de tudo, ainda parecia ter o poder de mexer com ela de formas que ela não conseguia entender.
Ele apareceu entre as árvores, a silhueta dele uma sombra imponente, a lua cheia brilhando atrás dele, dando-lhe uma aura quase mítica. Seu olhar era intenso, seus olhos dourados refletindo a luz da lua de maneira quase sobrenatural.
— O que está fazendo aqui? — Kael perguntou, sua voz grave e carregada de uma tensão palpável. Ele se aproximou, os passos firmes e rápidos, como se estivesse pronto para impô-la a algo.
Alicia ergueu a cabeça, desafiadora, tentando esconder a turbulência interna. Ela não queria admitir que, naquele momento, ele era a última pessoa de quem ela precisava.
— Nada. — Ela respondeu, a voz fria e distante, embora seus olhos ainda tremessem com a intensidade da experiência que acabara de viver.
Kael a observou, a preocupação disfarçada em seu olhar. Mas logo ele se aproximou mais, de modo que ela não podia mais escapar.
— Não mente pra mim, Alicia. Eu senti você aqui. E sei o que aconteceu. O lobo... ele é um dos nossos, não é?
Alicia engoliu em seco, seu corpo agora tenso. Não sabia o que responder. A conexão entre ela e aquele lobo não era algo que ela estivesse pronta para entender, e muito menos para compartilhar com Kael. Ela não queria que ele soubesse. Não ainda.
Kael ficou em silêncio, observando-a como se estivesse esperando que ela falasse, mas Alicia se manteve firme. A marca em seu ombro ainda ardia, o peso do destino pressionando-a como uma corda prestes a arrebentar. Ela não sabia o que fazer com tudo isso. Não sabia como lidar com o que Kael queria e nem com o que ela estava começando a entender sobre si mesma.
Mas sabia que o caminho à frente seria ainda mais difícil.
A floresta não a deixaria em paz. E Kael, muito menos.
O amanhecer chegou tímido, com a luz da lua ainda pintando a floresta de um tom prateado, mas já era possível ver o contorno das árvores que se estendiam ao longe, como sentinelas silentes. Alicia estava ali, sozinha no campo, com o peso da noite ainda pressionando sua mente. O lobo, Kael, a floresta… tudo parecia uma dança fora de controle, onde ela era forçada a dar passos que não queria.Ela se afastou da clareira onde havia enfrentado o lobo, suas pernas ainda pesadas pela experiência. A marca no ombro pulsava de forma constante, como um lembrete cruel do que ela não podia ignorar, mesmo que quisesse. Algo dentro dela, talvez o sangue que agora fluía com uma força que não conhecia, gritava para que ela aceitasse. Mas ela se recusava. Não seria uma peça no jogo dele, não seria parte da matilha de Kael Draven.Ainda assim, o silêncio ao seu redor a incomodava. A floresta, que antes parecia cheia de mistério e vida, agora parecia observá-la, esperando por algo que ela ainda não enten
O cheiro da chuva pairava no ar. Pesado, úmido, misturado ao perfume fresco da terra e ao toque metálico de algo prestes a acontecer.Alicia não sabia o que a havia levado até ali — à estrada esquecida que cortava os limites da floresta. O céu estava encoberto por nuvens escuras, e a lua, mesmo escondida, lançava um brilho pálido que pintava o caminho com sombras inquietas. Cada passo que ela dava parecia guiado por um instinto que não era seu… mas que, ao mesmo tempo, sempre estivera ali, adormecido.Ela se abraçou, esfregando os braços com as mãos frias. O casaco fino não era o suficiente para o vento que atravessava a noite como um sussurro antigo. Ainda assim, ela não parou.Desde a infância, carregava aquela sensação incômoda — como se algo nela estivesse deslocado do resto do mundo. Os médicos chamaram de ansiedade, os amigos de drama, e sua mãe… sua mãe nunca explicou nada. Apenas desviava o olhar sempre que os olhos de Alicia refletiam o brilho amarelo sob certas luzes. Como s
Alicia correu. Sem destino, sem pensar. Seus pés mal tocavam o chão da estrada de terra, como se a pressão do ar e o peso de seus próprios pensamentos a levassem mais rápido do que seus músculos podiam suportar. O som das batidas fortes de seu coração ecoava em seus ouvidos, abafando tudo ao seu redor. Mas o que ela não conseguia ignorar era o calor de Kael — uma chama quente e inclemente que parecia queimar atrás dela, em cada passo que dava.Ela se viu novamente na cidade, as ruas iluminadas por postes de luz amarelada, a confusão mental ainda martelando sua cabeça. "Ele... o que foi aquilo? O que está acontecendo comigo?" Pensamentos se atropelavam, mas havia algo que não podia negar: o lobo dentro dela, o que ele representava, o poder. A dor da marca ainda ardia, como se fizesse parte de seu corpo agora. Um peso a mais, um fardo ou talvez um presente, ela não sabia.No entanto, algo dentro dela não queria ceder, não queria ser marcada. Não queria ser parte desse jogo. Ele podia se
Alicia não conseguia dormir. Mesmo com os olhos fechados, a imagem de Kael ainda estava lá, firme em sua mente, como uma sombra que a seguia. O cheiro dele — forte, selvagem — parecia impregnado em seu próprio corpo, como se ele tivesse deixado sua marca em cada parte de sua pele. A marca, a marca dourada que ainda queimava em seu ombro, lembrava-lhe constantemente que não podia fugir, não importava o quanto tentasse.Ela virou de lado na cama, os lençóis amassados ao redor de seu corpo. O vento frio batia contra a janela, mas nada parecia capaz de acalmá-la. Por mais que tentasse racionalizar a situação, uma parte de si se recusava a acreditar no que sua mãe havia dito. Era demais para absorver de uma vez. Ela, filha de uma loba exilada da matilha Draven? O destino, a linhagem dos “Lobos da Lua”? Isso era loucura, não podia ser verdade.Mas a dor da marca não mentia.Alicia se levantou, andando pela casa em silêncio. A casa estava vazia, como de costume. Sua mãe havia saído, provavel
O sol mal começava a aparecer no horizonte quando Alicia acordou. O pesadelo da noite anterior ainda a assombrava, as palavras de Kael reverberando em sua mente, como uma melodia sombria que ela não podia tirar da cabeça. Eu vou esperar. Você vai ceder.Ela se levantou da cama, sentindo o peso de cada movimento, como se as forças de seu próprio corpo estivessem contra ela. O cheiro da terra molhada entrava pela janela, trazendo consigo um leve alívio. Mas isso não foi o suficiente para dissipar o tormento que se instalava em seu peito. A marca dourada no seu ombro parecia pulsar a cada batida de seu coração, e embora tivesse tentado ignorá-la, não podia negar que algo em seu interior começava a responder a isso — como se a marca tivesse vida própria.Ela desceu as escadas, os pensamentos tumultuados. Não queria aceitar, não queria ceder. Mas algo dentro dela sabia que era uma luta que estava fadada ao fracasso. O destino... o sangue... a matilha...A casa estava vazia, mas o ar pesado