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O imaturo não resolve os problemas, terceiriza a culpa…

PILLAR LAZZARO

MEDIC SALUD | 21:00

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Bocejei ao observar a hora e dei graças a Deus que o plantão está tranquilo.

Se tiver qualquer cirurgia complicada terei que operar, sou a única neurocirurgiã no plantão e por faltar quatro meses para o fim da minha residência a cada dia que passa tenho sido mais requisitada para executar essas operações e pouquíssimas são às vezes que o Alejandro está presente.

— Como ele mesmo diz; já estou preparada para isso, porque formei mais uma cirurgiã de sucesso — parafraseei o que venho ouvindo com muita frequência enquanto caminho sentido ao dormitório — Vou descansar um pouco antes que apareça qualquer chamada de emergência.

— Por que não foi ao baile, Dra. Lazzaro?

Tomei um susto com a chefe da enfermagem surgindo do nada em minha frente.

— Sem neurocirurgiões disponíveis — choraminguei —, até as novas residentes foram, conclusão: todos estão no baile beneficente, menos eu e você! — ela me fez rir da sua careta engraçada — Acho que isso significa que somos boa o suficiente para ficarmos sozinhas, não é mesmo dona, Tiane? 

— Você é magnífica, minha residente favorita. Agora vamos ao refeitório, estou com fome e não quero comer sozinha. 

— Vou deitar um pouco, sabe melhor que ninguém que os casos de emergência aos sábados começam a chegar às duas da manhã. — ela ignorou minhas palavras e saiu me arrastando — Tiane! Preciso descansar. 

— Se alimentar também! Vamos que tenho uma fofoca quente para te contar. — me animei com essa promessa — Que sorrisinho é esse aí fofoqueira?

— Não sou fofoqueira! — declarei ofendida — preciso alimentar minha curiosidade, é diferente. 

— Sei! Então, está dizendo que a fofoqueira dessa história sou eu? — concordei — Pillar! 

Parou abruptamente a mão repousando sobre o peito, fazendo cara de ofendido.

— Estou mentindo? — questionei e a cínica disse que sim — Tudo bem, ninguém é fofoqueira, somos comentaristas da vida alheia!

Começamos a rir feito duas retardadas caminhando pelos corredores vazios do Salud. 

— Fofoqueiras ou não, o babado é quente! — me aproximei ainda mais na intenção de obter as informações necessárias — Antes pedirei um sanduíche de peito de peru e você?

— Frango com cream cheese e molho agridoce. — fizemos nossos pedidos e para beber, escolhi um suco de laranja e ela do sabor uva — Me conta, logo! 

— Vamos nos sentar ali. —  balançou a mão com  euforia direcionando o fundo do refeitório.

Nos acomodamos e antes de abocanhar meu delicioso sanduíche favorito, exigi, as valiosas informações.

— Vem rolando um boato que o  Dr. Salvani escolheu sua nova vítima! Está de olho na Amanda, a residente do Dr. Bertoni.

— Juan é um misógino narcisista, temos que dar um jeito de falar com ela! — declarei abertamente, por sabe que não gosto dele — Às vezes solta umas piadinhas ridículas na minha direção dizendo que não tenho privilégios por ter meu nome na porta do Salud.

— Por que não conta para o gostoso do seu irmão? Sei que o Dr. Lazzaro dará um jeito nele, Pillar.

— Precisamos de provas de que suas enfermeiras são assediadas, parece que de alguma forma elas têm medo do Juan! — ela coçou o pescoço, deixando claro sua inquietação — O que foi? 

— É complicado, ele é um médico famoso e bem requisitado, nós enfermeiras — suspendeu os ombros como se tomasse coragem para finalizar a frase  —, em quem vão acreditar?

— Na verdade! Manu ou Alejandro farão alguma coisa, só precisamos de uma prova, tenho certeza que se uma denunciar, as outras tomam coragem. — ela concordou em um aceno e sei que não fará nada — Sinto que essa conversa não chegará a lugar algum, o jeito é falar com Amanda, porque aqui o que predomina é o H maiúsculo, uma vez que todo o conselho é composto por homens e os chefes de setores também.

— Infelizmente, somos a minoria, acha que não te idolatramos? — questionou com tristeza — Você é a única médica que não deixa ninguém pisar em você, Pillar, e não digo isso por ser umas das donas do Salud e, sim, por não aceitar que eles tirem proveito de ser do sexo feminino!

— Deixe-me concluir meu último estágio, mudarei muita coisa nesses hospitais!

— Esse é o nosso maior desejo! — me deu um sorriso fraco — Vamos focar na Amanda, ela é a nossa melhor opção no momento. 

Não sei porque, mas sinto que não estou sabendo de tudo e depois conversarei com ela. Se é necessário mudança tenho que saber por onde começar

Me dediquei a comer meu sanduíche pensando que pode ser pior do que imagino. Tiane finalizou o dela primeiro que eu e o silêncio caiu sobre nós até me olhar com seriedade.

— Bom doutora, fofoca feita e mais uma missão para tentar nos livrar das garras do Idiota do Salvani. — seu comando tocou e senti um frio na espinha quando me encarou com os olhos arregalados.

— O que aconteceu? 

— Corre para entrar, o trauma que está chegando é para você, doutora! — mordi meu último pedaço de sanduíche e me coloquei de pé — Traumatismo cranioencefálico grave, acidente de carro na rodovia 45, paciente bateu gravemente a cabeça.

— Como queria que fosse o Dr. Matteralla como o cirurgião da noite — desabafei abertamente enquanto corremos para a entrada de emergência  —, já faz um tempo que não paramos juntos.

— Sinto te dizer, mas ele estará contigo hoje. — parei para encará-la — é ele, olha.

— Onde? — mirei a entrada e só vi a maca entrando as pressas com o meu atendimento — Cadê?

— Na maca! — minhas pernas travaram quase me jogando no chão — Sinto muito, mas será ele seu paciente.

Voltei a caminhar sentido aos socorristas, com meu coração batendo na garganta.

— Anda Pillar, vamos! — sai do transe com Juan estalando os dedos na minha frente — Não é o pupilo do Alejandro, sua pedrinha preciosa? Já era para estar na entrada somente pelo jeito como baba ao falar de você dizendo ser a melhor residente deste hospital.

— O que aconteceu com seu rosto? — perguntei notando uma vermelhidão no seu olho esquerdo que com toda certeza ficará roxo.

— Não é da sua conta, fuxiqueira insolente. — estranhei as palavras tão agressivas — Veremos se é mesmo tudo o que Alejandro vive dizendo por aí. 

Suas palavras me deixaram sem graça e meio trêmula, peguei o prontuário da mão do socorrista que me adiantou seu estado. 

— Será você a salvar sua vida, porque é a plantonista da noite. — rude declarou o que já sei — Não intendo como ele e seu irmão permitam que fique como responsável se ainda faltam meses para finalizar sua residência! Acho isso uma…

— Cala a boca! — exigi colocando o tablet em cima da maca, sabendo que não posso perder tempo discutindo com ele — Deixe de me insultar, afinal, nem neuro você é para colocar na balança se sou boa ou não!

Segui para a sala cirúrgica que tem na ala de emergência e fui me preparar. Estava lavando minhas mãos quando Juan entrou na sala de higienização. Ele colocou um avental cirúrgico e decidi ignorá-lo para não iniciar uma cirurgia com os nervos à flor da pele.

Ele entrou e ficou quase em cima de mim, e só não me distrai por aprender a focar somente no paciente à minha frente, já que meu mentor fazia isso com muita frequência só para que me acostumar em operar sob pressão.

Quando iniciei a cirurgia, sua pressão intracraniana estava muito elevada, indicando hematomas subdurais. Fiz uma trepanação para drenagem dos coágulos e após 7h consegue liminar, 90% deles.

Foram necessários mais 40 minutos de drenagem para que os sinais se normalizarem.

 — Não seria nenhuma novidade se tivesse se deitando com ele, afinal, só não vê que Alejandro estava trepando contigo, quem é cego.

Suas palavras baixas em meu ouvido me deixaram tão irada que me virei para ele disposta a dar um basta nessa situação.

— Me respeite! Pensa falar com quem? Acredita que por ser uma residente pode se referir a mim desse jeito? — questionei em alto e bom-tom — Não sussurra suas piadinhas no meu ouvido Dr. Salvani, não se esqueça que o nome em cada um dos 200 hospitais espalhados por toda Europa é o meu, então, não me venha com essa merda de intimidação, posso ser uma residente no final da minha conclusão que ainda, sim, não lhe dá o direito de me ofender dessa forma ou pensa que me sinto ameaçada por você?

Deu um passo para trás, entendendo que não gostei das suas atitudes, ele olhou a nossa volta se dando conta que não aturarei suas gracinhas, como as demais mulheres desse hospital! 

— Pensa que é quem para falar assim comigo? — o ignorei — Acredita que tem privilégios por ter o nome na porta?

— Fique sabendo que não tenho medo de você! Saiba que a residente aqui pode estalar os dedos e estar no olho da rua, afinal você pode ser o médico requisitado lá na esquina, é só me ofender mais uma vez! 

— Sua filha…

— Cale sua boca! Dentro da minha sala cirúrgica quem fala alto sou eu, você não deveria nem estar aqui! — o interrompi antes que seguisse com à ofensa — Acha mesmo que não posso te colocar para fora daqui e digo mais, falta isso aqui. — lhe mostrei a ponta do meu dedo mindinho bem diante da sua cara — Para colocar seu nomezinho na lama, ainda não sei de tudo, mas quando descobrir, pode ter certeza que não será mais um médico! 

Seus olhos faltaram pouco voar da cara e me sentindo grande por dar um jeito nesse filho da puta, decidi também colocar para fora as palavras que vivem entaladas na minha garganta!

— Escuta bem o que vou te dizer! Tenho o maior privilégio de ser uma das donas desse hospital, me formei em medicina para comandar junto ao meu irmão e o Dr. Matteralla esse grande império, então, sim! Tenho privilégios por ter meu nome na porta, nunca se esqueça disso! 

Engoliu seu orgulho e saiu pisando firme. Assim que me vi sozinha com minha equipe, tentei segurar o choro, mas não foi bem isso que aconteceu.

— Parabéns, doutora! Finalmente, alguém que coloca esse homem em seu lugar. — foi a minha enfermeira cirúrgica a declarar isso — Não chore… esse inconveniente mereceu cada palavra.

 Ela iniciou uma salva de palmas que os demais acompanharam e de certo modo essa aclamação fez eu me sentir bem.

— Bom, chega desse assunto e podem levá-lo para o pós-operatório.

 Fiquei admirando Alejandro ser encaminhado pelos enfermeiros e quando me vi sozinha na sala cirúrgica tirei minha touca e alisei meus cabelos.

— Chega!  Faltam apenas quatro meses para o final da minha residência e não baixarei minha cabeça nunca mais. Se esse miserável estiver assediando alguma das minhas enfermeiras ou alguma médica, vai se ver comigo.

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