NICHOLAS Ela vai pagar por isso, de uma forma ou de outra.Talvez eu não consiga separá-la de nossa filha, mas preciso encontrar outro modo de acertar as contas. Algo que a faça entender o que causou em mim. Não quero uma vingança cruel, mas ela precisa, ao menos, sentir um vislumbre da dor que me fez suportar. Quero que saiba que também sou vulnerável, que tenho sentimentos, ao contrário de meu pai, que agora tenta se redimir justificando suas atitudes passadas como sendo “para o meu bem.”Hipócrita.Ferir alguém com a desculpa de protegê-lo nunca foi um consolo para mim. Na verdade, só torna a dor ainda mais cruel, como se me lembrasse a cada instante do que fui forçado a suportar.Meu pai costumava me punir de formas brutais, me privando de comida, me trancando no escuro por horas, apenas porque não dei a resposta correta para uma questão da escola. Foram tempos de lágrimas, sofrimento e fome. Mas, hoje, a única pessoa capaz de arrancar lágrimas de mim é minha filha. Só por ela ai
EMANUELLANicholas voltou.E, como se não bastasse seu retorno inesperado, ele veio exigindo o que nunca lhe pertenceu. Ele acredita que pode simplesmente levar nossa Lunna embora. Que audácia! Se dependesse de mim, ele já estaria em pedaços, pagando por cada ano de ausência como deveria.O silêncio na sala é sufocante. O ar pesa ao meu redor enquanto encaro Sarah, tentando encontrar um resquício de certeza em seu olhar. Mas tudo o que vejo é hesitação.— Como você pode aceitar isso tão facilmente, Sarah? — Minha voz sai mais cortante do que pretendia, carregada de incredulidade e raiva contida.Ela baixa a cabeça, evitando meu olhar. Seus dedos brincam nervosamente uns com os outros, um hábito que só aparece quando sua mente está um turbilhão.— Eu não aceitei, Manu… Eu só… — A voz dela falha, e minha paciência se esgota.— Você ainda ama esse homem.O silêncio que se segue é quase ensurdecedor.Fernanda, que estava ao meu lado, aperta minha mão de leve, num pedido mudo para que eu m
NICHOLASO maldito passado não me deixa em paz.Minha mente insiste em me arrastar de volta para aquele momento. O instante em que Sarah descobriu que estava grávida. Ela era tão jovem... apenas uma adolescente, enquanto eu já era um homem feito. Eu deveria ter sido mais responsável, mais cuidadoso, mas foi nossa primeira vez. E tudo o que importava era estar com ela.Nos braços dela, eu encontrava o meu lar. Seu toque, sua voz, seus sussurros apaixonados me envolviam como um feitiço, Sarah era minha perdição e minha salvação. Ela me amava de um jeito que eu nunca achei que fosse possível. E eu... eu a amava mais do que conseguia admitir, mais do que deveria.Sete meses. Sete meses ao lado dela, mergulhando na paixão, perdendo-me em seu corpo, em seus beijos, em seus olhos brilhantes que sempre pareciam enxergar além das minhas máscaras. Foram os meses mais intensos da minha vida.E agora? Agora eu me vejo aqui, sozinho, praguejando contra a minha própria mente.Inferno!Por que essa
LUNNAMeu nome é Lunna, tenho dez anos, e o meu maior desejo sempre foi conhecer o meu pai.Amo minha mãe profundamente. Ela é tudo para mim: minha amiga, minha protetora, minha heroína. Nunca me faltou amor, carinho ou dedicação, mas existe uma lacuna dentro de mim que nunca foi preenchida: o rosto desconhecido do homem que me deu metade de quem eu sou.Minha mãe é uma mulher belíssima, de pele negra como a noite, olhos profundos como um mistério e cabelos cacheados que dançam ao vento. Para mim, ela é perfeita. Já eu sou branca, tenho olhos azuis e cabelos loiros, tão diferentes dela que, desde pequena, precisei enfrentar as dúvidas e os olhares desconfiados.As pessoas nos olham como se fôssemos estranhas uma para a outra. Na escola, me perguntavam se minha mãe era minha babá. Eu não entendia o motivo disso até o dia em que minha mãe me explicou, com sua voz doce e paciente:— As pessoas se prendem muito à aparência, meu amor. Mas o amor que existe entre nós é muito maior do que qu
LUNNA — Ah, Julia... Estava pensando aqui. Você sabe que eu quero muito conhecer meu pai, né? — Eu sei — respondeu Julia, sorrindo com empolgação. — E se a gente pesquisasse sobre ele na internet? Dá para encontrar pessoas assim, sabia? Vi na TV que, se a gente souber o nome completo, dá certo. Meu coração bateu mais rápido. — Sério, Julia? Mas eu só sei que o nome dele é Nicholas... Não sei o sobrenome. Acho que vou perguntar para minha mãe. Quem sabe eu consiga encontrar ele, né? — Sim! Tenta perguntar. Vai que ela sabe. Minha mente não conseguia largar essa ideia, mas forcei um sorriso e tentei focar no presente. — Agora, vamos brincar antes que o intervalo termine. Brincamos até o recreio acabar, mas minha mente não estava ali. A cada risada, a cada passo correndo pelo pátio, um pensamento insistia em voltar: E se meu pai também estivesse me procurando? Talvez, um dia, ele e minha mãe ficassem juntos de novo. Eu teria uma família completa. Pai e mãe na mesma casa, igual a
LUNNAOs dias passaram, e, mais uma vez, ela não conseguiu cumprir a promessa.Esperei. Um dia, dois dias… uma semana. O fim de semana chegou e se foi, e ela continuava atolada no trabalho. Eu queria entender, mas, ao mesmo tempo, doía sentir que não era prioridade.Então, naquela tarde, tudo mudou.Eu estava no meu quarto quando a campainha tocou. Franzi o cenho, surpresa. Quem poderia ser? Mamãe ainda não havia chegado, e a tia Fernanda não esperava visitas.Atendi o interfone e ouvi uma voz masculina.— Boa tarde… Eu gostaria de falar com a mãe da…Ele parou de falar por um momento, como se hesitasse. Mas eu já sabia. Algo dentro de mim me dizia. Meu coração acelerou, e, sem pensar muito, destravei o portão.Eu não deveria abrir para estranhos, mamãe sempre dizia isso. Mas, naquele dia, foi diferente.Quando a porta se abriu e meus olhos encontraram os dele, o mundo pareceu parar.Meu coração batia forte no peito. Eu conhecia aquele rosto. Não de um sonho, mas de uma foto que minha
SARAHPreciso visitar o orfanato. Há perguntas que ecoam na minha mente sem resposta, memórias que insistem em me atormentar. Se alguém que viveu lá souber de algo, talvez eu consiga entender o que aconteceu. Principalmente sobre Felipe... aquele desgraçado. E também sobre a tia Bernadete.Por que ela fez aquilo comigo?Uma senhora idosa se dispôs a me prejudicar sem motivo algum. Nunca fiz nada contra ela, nunca a desrespeitei, nem a desafiei. Mas, desde que me lembro, ela parecia sentir um prazer mórbido em me ver sofrer. Talvez fosse o simples fato de eu estar sempre próxima a Nicholas. Talvez não suportasse nos ver tão unidos.Nicholas foi meu protetor naquele lugar sombrio. Quando ninguém olhava por mim, era ele quem estava ao meu lado. Lembro-me claramente da primeira vez que percebi isso. Eu tinha quatro anos. Estava brincando no pátio quando um dos meninos me empurrou. Caí, machuquei os joelhos, ralei as mãos. Enquanto eu chorava, Nicholas se enfureceu. Ele brigou com o garoto
SARAHMal consigo fechar os olhos, e agora estou aqui, com a mente a mil por hora. A ansiedade me consome por dentro, criando um nó apertado em meu peito.Vou me trocar e partir para o meu destino. Não sei quando retornarei da Espanha, o lugar onde ele estabeleceu moradia após deixar tudo para trás. Será que ainda lembra de mim? Será que guardou algo do que vivemos, ou apagou completamente nosso passado como se nunca tivesse existido?Depois de me arrumar, embarco no ônibus. O abrigo onde passei boa parte da minha infância e juventude fica distante da minha casa, mas cada quilômetro percorrido só aumenta a inquietação dentro de mim.Antes de sair, pedi às minhas amigas que cuidassem da minha filha. Não gosto de deixá-la, mas algo dentro de mim diz que essa viagem é necessária. O que estou buscando? Respostas? Um fechamento? Ou ainda carrego a esperança tola de reencontrá-lo e sentir algo além da saudade que me corrói?Quando me deparo com a porta do orfanato, um sorriso involuntário s