LUNNAOs dias passaram, e, mais uma vez, ela não conseguiu cumprir a promessa.Esperei. Um dia, dois dias… uma semana. O fim de semana chegou e se foi, e ela continuava atolada no trabalho. Eu queria entender, mas, ao mesmo tempo, doía sentir que não era prioridade.Então, naquela tarde, tudo mudou.Eu estava no meu quarto quando a campainha tocou. Franzi o cenho, surpresa. Quem poderia ser? Mamãe ainda não havia chegado, e a tia Fernanda não esperava visitas.Atendi o interfone e ouvi uma voz masculina.— Boa tarde… Eu gostaria de falar com a mãe da…Ele parou de falar por um momento, como se hesitasse. Mas eu já sabia. Algo dentro de mim me dizia. Meu coração acelerou, e, sem pensar muito, destravei o portão.Eu não deveria abrir para estranhos, mamãe sempre dizia isso. Mas, naquele dia, foi diferente.Quando a porta se abriu e meus olhos encontraram os dele, o mundo pareceu parar.Meu coração batia forte no peito. Eu conhecia aquele rosto. Não de um sonho, mas de uma foto que minha
SARAHPreciso visitar o orfanato. Há perguntas que ecoam na minha mente sem resposta, memórias que insistem em me atormentar. Se alguém que viveu lá souber de algo, talvez eu consiga entender o que aconteceu. Principalmente sobre Felipe... aquele desgraçado. E também sobre a tia Bernadete.Por que ela fez aquilo comigo?Uma senhora idosa se dispôs a me prejudicar sem motivo algum. Nunca fiz nada contra ela, nunca a desrespeitei, nem a desafiei. Mas, desde que me lembro, ela parecia sentir um prazer mórbido em me ver sofrer. Talvez fosse o simples fato de eu estar sempre próxima a Nicholas. Talvez não suportasse nos ver tão unidos.Nicholas foi meu protetor naquele lugar sombrio. Quando ninguém olhava por mim, era ele quem estava ao meu lado. Lembro-me claramente da primeira vez que percebi isso. Eu tinha quatro anos. Estava brincando no pátio quando um dos meninos me empurrou. Caí, machuquei os joelhos, ralei as mãos. Enquanto eu chorava, Nicholas se enfureceu. Ele brigou com o garoto
SARAHMal consigo fechar os olhos, e agora estou aqui, com a mente a mil por hora. A ansiedade me consome por dentro, criando um nó apertado em meu peito.Vou me trocar e partir para o meu destino. Não sei quando retornarei da Espanha, o lugar onde ele estabeleceu moradia após deixar tudo para trás. Será que ainda lembra de mim? Será que guardou algo do que vivemos, ou apagou completamente nosso passado como se nunca tivesse existido?Depois de me arrumar, embarco no ônibus. O abrigo onde passei boa parte da minha infância e juventude fica distante da minha casa, mas cada quilômetro percorrido só aumenta a inquietação dentro de mim.Antes de sair, pedi às minhas amigas que cuidassem da minha filha. Não gosto de deixá-la, mas algo dentro de mim diz que essa viagem é necessária. O que estou buscando? Respostas? Um fechamento? Ou ainda carrego a esperança tola de reencontrá-lo e sentir algo além da saudade que me corrói?Quando me deparo com a porta do orfanato, um sorriso involuntário s
SARAH Já vi muitas pessoas deixarem o dinheiro controlar suas vidas, resultando em comportamentos desequilibrados e prejudiciais. Mas nunca imaginei que isso pudesse acontecer com ele.Jesus, essa possibilidade sequer havia passado pela minha cabeça. Se, no orfanato, ele já gostava de dar ordens, será que agora, com dinheiro, ele se imagina no topo da pirâmide?Meu coração aperta com essa linha de pensamento. Não pode ser. A lembrança do garoto destemido, de olhar profundo e palavras afiadas, ainda está viva em minha mente. Ele não era cruel, apenas determinado. Mas será que os anos o mudaram? Será que ele se tornou alguém distante, inalcançável... perigoso?Estou conversando com minha tia na tentativa de encontrar alguma pista, mas sua expressão carregada revela que ela não tem informações sobre os antigos órfãos.— Sinto muito, querida, mas não sei de ninguém além da Dulce. A maioria seguiu seu próprio caminho, e a vida nos afastou...Solto um suspiro frustrado, sentindo a impaciên
SARAHSaio do orfanato por volta das duas da tarde, com o coração apertado. As crianças se agarram a mim, como se quisessem me impedir de partir, e meu peito se enche de carinho e culpa ao mesmo tempo. Sei que logo voltarei, mas para elas, cada despedida é sentida como se fosse a última.No caminho para casa, meu celular vibra incansavelmente dentro da bolsa. Apenas uma pessoa no mundo tem essa insistência: minha filha.Lunna sempre sente ciúmes das crianças do orfanato. Se demoro a voltar, suas mensagens já começam a vir carregadas de drama."Você ama mais eles do que a mim?"Ah, minha pequena ciumenta... Ela herdou essa possessividade do pai, sem dúvida. Céus! Dois seres teimosos querendo me controlar. Isso vai ser interessante. Ele acha que pode mandar em mim, mas vai quebrar a cara. Se acredita que vou simplesmente seguir suas ordens sem questionar, está muito enganado.E pensar que estou prestes a embarcar para um país desconhecido apenas porque ele decidiu assim.Ao entrar em ca
SARAHNo fundo, sei que estou mentindo para mim mesma. A simples ideia de Lunna sozinha com ele e a esposa me deixa inquieta. Algo dentro de mim não aceita essa possibilidade.— E o pior? — continuo, sentindo o desespero se infiltrar na minha voz. — Jamais permitiria que ela ficasse só com ele e a esposa sem a minha presença. Aposto que ele deve estar comprometido.O silêncio do outro lado da linha dura apenas um segundo antes de Michelle explodir em risadas.— Sarah, parece que você é quem não consegue tirar esse homem da cabeça.Reviro os olhos, mas um rubor incômodo aquece meu rosto.— Vamos sair, sim, — continua ela, ignorando minha indignação. — Prometo que você vai se divertir. É nosso último dia juntas por um tempo, e queremos que você venha conosco. Convidei a Adriana e o marido dela. Quanto à Lunna, não se preocupe. Ela ficará com a babá da Julie, já organizei tudo com a Adriana.Respiro fundo. Talvez sair seja o que eu preciso.— Tudo bem, estou dentro, — respondo, rendida.
SARAHO trajeto até o restaurante foi silencioso. Eu e Michelle compartilhávamos um entendimento tácito, um acordo não verbal de que aquela noite seria para relaxar, para esquecer, ainda que por algumas horas, os problemas que me cercavam.Utilizamos um aplicativo de transporte e, cerca de trinta minutos depois, chegamos ao nosso destino. O restaurante estava repleto de luzes suaves e uma atmosfera sofisticada. Assim que descemos do carro, nossos olhos logo encontraram Adriana e seu marido à entrada, esperando por nós com sorrisos acolhedores.Nos aproximamos, trocamos cumprimentos calorosos e, sem demora, pedimos um vinho da casa. Eu adorava um bom vinho, principalmente quando precisava acalmar os nervos.A taça girava entre meus dedos quando senti um arrepio familiar subir por minha espinha. A sensação de estar sendo observada era intensa e incômoda, e quando ergui o olhar, meus olhos encontraram os de Alexander.Ele estava sentado a algumas mesas de distância, envolto em um ar de s
SARAHLá estava ele. Absorvido, entregue a um beijo intenso e apaixonado com outra mulher. Como se não bastasse o passado que nos une, agora ele ressurge em minha vida apenas para esfregar sua nova conquista na minha cara? O traidor não só deixou a Espanha, como também decidiu se aventurar em novos romances por aqui. Grande idiota! Que raiva me consome!Mas por quê? Por que me sinto assim? O álcool deve estar me confundindo. Sua vida amorosa não deveria me afetar, não deveria despertar esse fogo amargo dentro de mim. Ele é livre para fazer o que quiser, e isso não deveria ser um problema para mim.Minhas mãos se fecham ao redor da taça, enquanto meu olhar se fixa na cena à minha frente. Nicholas está ali, ciente da minha presença. Ele percebe meu olhar e me encara por um instante, seus olhos escuros analisando minha reação. Um pequeno sorriso surge no canto de seus lábios antes de ele voltar a se concentrar na mulher em seus braços. Que homem insensato!Desvio os olhos e respiro fundo