Capítulo Nove

LOUISE ALBUQUERQUE

Passei mais de quatro horas olhando para o teto refletindo se eu deveria arriscar uma fuga desse lugar, ligar para o meu pai vir me buscar ou esperava o Felipe acordar para me levar em casa.

Sim, eu sei que para você deve ser fácil levantar dessa cama e sair desse apartamento, mas para mim até mesmo um gesto simples torna-se algo bastante complexo a se fazer, porque eu penso em mil possibilidades ruins que podem acontecer durante o caminho, como por exemplo, eu ser assaltada ou morta. Apesar de não conhecer os donos desse lugar, o Felipe conhece o Marcelo e como ambos são filhos de traficantes, acredito que os dois devem respeitar um ao outro e isso deve incluir não matar as suas exs namoradas.

Ou não!

Não posso esquecer que o Marcelo citou que os pais dos dois são inimigos, só que não senti ódio entre eles.

É, acho que estou mais segura aqui do que sozinha na rua.

Fora que eu também posso ofender o Felipe e a Nathalia de alguma maneira se insistir em ir embora depois deles terem me ajudado a sair de uma péssima situação.

Caralho! Por que eu tenho que pensar tanto antes de agir?

Sei que essa discussão mental se deve à minha fobia social, pois mesmo sem ter uma crise relacionada a interação com outras pessoas há muito tempo, ela nunca me deixou de fato.

Os sintomas foram amenizados com terapia, remédios, minha família e amigos como o Marcelo e Arlene, contudo, sei muito bem que o meu transtorno psicológico nunca irá me deixar para sempre... Tenho dias bons e dias ruins como todo mundo que luta contra esses problemas mentais.

Confesso que é uma luta diária para eu não regredir ao o que eu era antes, porque aqueles dias na escuridão foram os piores da minha vida e eu não quero estar lá novamente. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo.

Ok, talvez eu deseje para aquelas meninas do Twitter que fizeram um exposed tour sobre mim e foram as principais causadoras da minha dor.

Mesmo sabendo que as vidas das seis já são bem fodidas e uma delas nem irá conseguir estudar esse ano por não ter dinheiro para pagar as mensalidades atrasadas do semestre passado enquanto a minha mesada pagaria os estudos de todas elas na faculdade Anhanguera, eu não deixo de me sentir feliz ao ver como o carma funciona perfeitamente bem.

Todas as vezes que alguma notícia ruim sobre as cretinas chega no meu WhatsApp, o meu coração vibra de felicidade e eu nem tenho que mover uma palha para vê-las na lama.

Uma delas está há anos estudando para o Enem e não consegue ingressar em uma universidade pública ou ser contemplada com uma bolsa de estudos pelo ProUni nem mesmo para entrar na Unisselvi, que é uma universidade com uma concorrência pequena, quase inexistente.

O que adianta os 450k de seguidores no Twitter e receber comida para fazer publicidade no Instagram se não consegue sequer alcançar um objetivo básico que é iniciar o ensino superior? Nada! Porque uma hora ou outra, o mundo virtual evolui e essas meninas famosas de hoje em dia serão as garotas que ninguém lembra amanhã.

É igual aqueles artistas dos anos 90 e 2000 que eram super conhecidos e aclamados e agora não arrumam um trabalho decente na televisão e muitos passam por dificuldades financeiras.

A situação é triste pra caramba, entretanto a vida não é fácil, temos que lutar se queremos alcançar o sucesso... Se você anseia se destacar nesse meio artístico tem que ter um talento extraordinário, carisma gigantesco e a bunda virada para a lua como é o caso da dupla Sandy e Junior.

— Você tá planejando matar alguém? – Ouço o Felipe perguntar e me levanto em um salto por estar levemente assustada, me sentando no colchão e o encontro em pé na frente na cama. — Calma, eu não vou fazer nada de mal contigo.

— Eu quase morri de susto, seu filho da puta! – Reclamo com o tom de voz baixo para não acordar a garota ao meu lado, colocando uma mão em cima do peito como se esse gesto pudesse controlar os batimentos acelerados do meu coração.

— Quem deveria tá com medo sou eu, porque cê tá com um rosto macabro. – Ele ri e eu fico sem graça com o seu comentário.

— Eu estou normal. – Me defendo.

— Parece um serial killer planejando um assassinato.

— Tá, talvez eu estivesse pensando no meu ex namorado e quando lembro dele fico com ódio nos olhos. – Minto e resolvo sair da cama para tomar um banho e ir para a minha casa.

— Aham, vou fingir que acredito.

— Posso usar o banheiro? – Mudo de assunto.

— Tem uma suíte ao lado desse quarto, pode usar a vontade.

— Obrigada. – Faço menção de sair, mas ele me chama e eu volto a encará-lo.

— Sua bolsa está na sala. É só ir até o final do corredor e virar à direita.

Assinto e saio sem fazer barulho.

[...]

Consegui tomar um banho quente, vesti uma roupa da Nathalia e espero que ela não se importe com o meu pequeno abuso. Infelizmente, a jardineira que usei ontem estava coberta de vômito e vodka. Ou eu pegava algo emprestado ou ia sair pela cidade como vim ao mundo.

O meu pai está com raiva de mim por eu ter sumido sem avisar. Me ligou 202 vezes durante a noite toda e como eu não atendi, ele está querendo minha cabeça em um bandeja para saborear em um banquete.

Juro que quase fingi ter sofrido um sequestro relâmpago, mas o meu velho sabe que nenhum bandido seria burro de mexer com a filha dele. Teria que ser um marginal muito do seu burro para afrontar um desembargador como o Laerte Albuquerque.

— A sua mãe trabalha com o quê? – O dono do apartamento entra no quarto sem bater e eu o encaro incrédula, mas o mesmo não notou, porque sua atenção está na tela do celular.

— Não importa se essa é a sua casa, é incoveniente entrar sem avisar, Felipe! Eu poderia estar pelada. – Aponto sua falta de educação.

— Poderia mesmo, Louise. – Ele levanta a cabeça e lança um olhar safado na minha direção.

Era impossível ficar chateada por muito tempo com esse garoto.

— Por que você quer saber da minha mãe?

— Resolvi stalkear seu Instagram para te conhecer melhor e quando dei por mim já estava vendo o perfil do casal de cachorros da sua irmã.

Não contive uma gargalhada e dei um tapa no seu ombro.

— A minha mãe é uma das donas de uma franquia famosa de calçados juntamente com as três irmãs delas.

— Pai desembargador e mãe empresária... Isso explica bastante sobre sua síndrome de Regina George.

Rodo meus olhos e resolvo ficar calada para não me estressar com quem não merece.

— Essa roupa é minha? – Nathalia entra no cômodo e eu confirmo com a cabeça.

— A minha roupa está suja.

— Tranquilo, anjo. – Ela sorrir e caminha até o banheiro sem cumprimentar o Felipe.

— Vocês são namorados ou amigos?

— Melhores amigos que transaram uma vez enquanto estavam bêbados.

— Já li uma fanfic assim...

— E o Marcelo é o que para você?

— Macho escroto que transou com a melhor amiga da namorada e a corna está pensando em perdoar por ser emocionalmente depende dele.

— Nossa! Já posso te chamar de Louise Brandt?

— Cala a boca! – Mostro meu dedo do meio para ele.

— Quer ir embora agora ou só quando a Nathy terminar o banho e poder ir junto com a gente?

— Tanto faz.

— Então vamos? Tenho um compromisso daqui a pouco.

— Tenho que me despedir dela direito.

— Tá. — Felipe volta a mexer no celular e finge que eu não estou mais ali mesmo ambiente que ele.

Olho ao redor e fico observando o quanto o quarto da Nathalia é mais organizado e limpo que o do Felipe. Talvez pela garota usar mais o quarto ao lado do que o seu próprio.

— Vocês moram juntos há muito tempo?

— Quatro meses mais ou menos.

— Legal!

— Quer vim morar aqui também? Tem uma vaga sobrando na minha cama.

— Existe alguma probabilidade de você conversar comigo sem flertar?

— Nenhuma. – Sua resposta curta soa bem humorada.

Somos interrompidos pela campainha e como o Felipe levantou-se para atender, eu resolvi ir atrás dele, já que a Nathalia logo sairia do banho e precisaria de privacidade.

Ao chegar na sala e olhar para a porta aberta, fiquei em choque ao ver o Marcelo parado em frente ao moreno.

É nítido o quanto ele está puto comigo e eu fico sem saber o que fazer.

— Vem comigo, Louise. – O meu ex namorado exige, nitidamente com raiva.

— A garota disse que não quer ir com o cara que fodeu a melhor amiga dela. – Felipe responde por mim e logo o meu ex namorado fecha ainda mais a cara.

— Isso é um problema meu e dela, Cigarro.

— Qual é, RM? A mina tá segura comigo e com a Nathy. Logo vamos levar ela pra casa, então outra hora vocês conversam com mais calma.

— Não se mete na nossa vida. – Marcelo empurra o Felipe e entra no apartamento, vindo na minha direção e me puxa para fora dali.

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