Capítulo 0005

Stella

Terminamos de arrumar minhas coisas, eu desço as escadas tentando segurar o choro, mas ao ver minha mãe ajoelhada no chão, recolhendo os vidros quebrados dos copos que meu pai atirou nas paredes, eu me abaixo e a ajudo-a, ela me abraça chorando.

— Não vá! — Ela diz.

— Preciso ir, preciso descobrir o que há lá fora, preciso sair do meu casulo protegido, no qual você e o papai fez para mim. Não sou mais sua menininha.

— Não importa sua idade, se está casada e com filhos, você sempre será nossa menininha, nossa princesinha. — Sorriso e dou-lhe um abraço.

— Não estarei muito longe, sempre nos vere... — Meu pai entra na sala de jantar, me interrompendo de terminar a frase. — Já deu seu tempo, saia da minha casa. — Senti como se cada palavra perfurasse meu coração, que sangrava de dor.

— Tchau mãe, eu te amo! — Dou um abraço nela, depois paro na frente do meu pai e digo: — Eu te perdoou, e prometo te dar muito orgulho.

Viro as costas e escuto um barulho alto de algo se quebrando, não olho para trás, continuo andando sem olhar, sem chorar. Visto uma máscara frio, sem sentimento. As pessoas passavam por mim, me cumprimentavam, mas eu não respondo, não tinha reação, estava me sentindo vazia, rejeitada, perdida, me perguntando sem parar: “Será que estou fazendo a coisa certa?”

Chego na casa de Emma, ela já esperava por mim, provavelmente minha mãe ou meu irmão ligou para ele.

— Minha casa, sempre será a sua casa! Sempre! — Então as comportas se abrem e um tsunami de lágrimas são descarregadas, eu me sentia fraca, frágil, inútil, confusa, triste, egoísta, segura, amada, orgulhosa, perdida e a pior filha do mundo.

Foi muito emocionante, quando Emma abriu os braços, me acolheu com todo carinho. Passamos boa parte da noite juntas, como uma boa amiga irmã, ela me consolou dizendo palavras de conforto e carinho, me assegurando que sua casa estaria sempre de portas abertas para mim.

Emma mora sozinha desde que sua mãe morreu, seu pai fugiu no mundo, quando ela nasceu, então tenho muito orgulho da mulher guerreira que minha amiga se tornou. E sou grata a Deus, por tê-la ao meu lado em momentos difíceis como esse.

Quase não durmo, fico boa parte dela conversando com Emma e refletindo sobre o que aconteceu.

Estou completamente arrasada, nunca imaginei que meu pai seria cruel, jamais pensei que ele agiria assim. Reconheço que minha decisão pode parecer egoísta, mas estou determinada a seguir meu sonho. Se eu conseguir realizá-lo, sei que poderei proporcionar uma vida melhor para meus pais, quem sabe até possibilitar que eles se aposentem mais cedo. Minha mãe trabalha como copeira no hotel da cidade, enquanto meu pai administra uma pequena oficina mecânica. Meu irmão, por sua vez, está fazendo faculdade de engenharia mecânica e se esforça ajudando meu pai na oficina e fazendo entregas de delivery. Sinto-me sufocada pelo papel de “princesinha” que me atribuíram. Eles não me permitem fazer nada, o máximo que consigo é ser babá dos vizinhos, alegando preocupação com minha saúde, mesmo que os médicos garantam que estou em perfeitas condições após o transplante. O médico até brincou dizendo que poderia correr uma maratona se quisesse.

As poucas horas que dormi foi turbulentas, marcada por pesadelos confusos e aterrorizantes, dos quais mal consigo recordar. A única certeza é que havia uma sensação avassaladora de dor e desespero.

Agora estou aqui no quarto da Emma, às quatro horas da manhã, sem ter ideia de para onde ir, não conheço Boston, rui lá pouquíssimas vezes, e em lugares específicos. Ligo o computador de segunda mão que ganhei no meu aniversário de vinte anos, apesar de ser bem velhinho, ainda me serve muito bem. Começo a pesquisar por pousadas e hotéis baratos em Boston.

— Meu Deus, é mais cara do que imaginei. — Digo para mim mesma.

Quando já é cinco horas da manhã, conforme combinado, meu irmão já estava me aguardando, com o carro do nosso pai e um envelope misterioso em mãos.

— O que é isso? — Pergunto curiosa.

— Um presente meu, da mãe e da Emma. — Abro o envelope com delicadeza, me surpreendo com o conteúdo, devolvendo-o.

— Não posso aceitar Leo, é muito dinheiro.

— Não só pode como deve, é presente, a mãe sempre diz que não pode…

— Recusar um presente. — Completo a frase, revirando os olhos, enquanto vejo Emma rindo da minha atitude. — Você está oficialmente na minha lista negra — Ela brinca, — Disse que não precisava. — Digo isso enquanto me aproximo dela, percebendo que ela já está com lágrimas nos olhos.

Nós duas somos inseparáveis desde a infância, e essa é a primeira vez que ficaremos tanto tempo separadas. O pensamento disso me enche de emoção e nostalgia, mas também de confiança de que nossa amizade resistirá a qualquer distância.

Me despeço dela chorando também, como disse anteriormente, tenho-a como irmã.

— Sabe que se precisar, pode me ligar e atravessar a rua para falar com meus pais, não sabe? Eles a têm como uma filha — Digo a Emma, com um sorriso reconfortante.

— Eu sei, amiga, não se preocupe. Vai com Deus e arrasa! — Ela responde sorrindo com lágrimas nos olhos.

Entendo perfeitamente. Estou vivenciando um turbilhão de sentimentos. Uma mistura avassaladora de medo, realização e saudade me invade. A ideia de estar indo para Boston, ainda que não tão longe fisicamente, é como deixar um pedaço do meu coração para trás. Nunca imaginei que estaria tão distante da minha família. Mas sei, que Deus está ao meu lado. É Ele quem me dá forças para enfrentar esse desafio e acreditar nos meus sonhos. Com fé e determinação, sei que posso superar qualquer obstáculo que surja no caminho. Meu maior desejo é tornar-me uma renomada chef de cozinha, e estou disposta a dar tudo de mim para alcançar esse objetivo. Mesmo com a distância.

Estou pronta para essa jornada, e sei que não estou sozinha. Posso contar com o apoio do Leo e da Emma, meus pilares de força. Respiro fundo, sentindo a firmeza da mão do meu irmão segurando a minha. Juntos, seguimos em direção ao meu novo mundo, mesmo que seja apenas pelos próximos anos.

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