Os animais da floresta tinham acabado de acordar. Embora estivesse sol, isso não era suficiente para derreter a neve que cobria as paisagens. Um lobo branco com patas pretas estava deitado na sua toca, quando viu que um lobo cinzento se estava a aproximar.
- Já patrulhamos o território e não há rastos de desconhecidos.
O lobo branco levantou-se com calma, era alto e com as suas patas pretas ficava ainda mais assustador.
- Finalmente boas notícias - disse ele num tom sereno - Viste a Raika por aí?
- Ela saiu para ir caçar, Kioushiro - respondeu o lobo cinzento.
- Vou procurá-la - disse Kioushiro, movendo as suas patas pretas em direção à floresta.
Numa parte da floresta, longe dos olhos de falcão de Kioushiro, estava Raika. Uma loba branca com apenas as orelhas e a ponta da cauda pretas. Não era muito alta, mas também não era pequena, tinha um tamanho médio. Com a sua velocidade e agilidade, Raika corria pela floresta coberta de neve, sem se preocupar com nada, só diversão. De vez em quando, ela também subia às árvores e saltava de umas para as outras, fazendo com que a neve que estava acumulada nos ramos caísse, com risco de acertar num pobre animal que estivesse a passar naquele momento.
- Raika? - a loba branca parou de imediato quando ouviu o seu nome. «Pronto acabou-se a brincadeira» pensou ela desanimada.
- Sei que estás aí... - Raika encolheu-se no ramo onde estava, escondendo-se. Inclinou-se para a frente e arriscou olhar para baixo. Perto da árvore em que Raika estava, encontrava-se um lobo branco com patas pretas a olhar à sua volta, provavelmente procurava algo.
A loba decidiu assusta-lo para se divertir um pouco. Com cuidado, Raika cravou as suas garras no tronco da árvore e foi descendo com o mínimo barulho possível. Quando já estava perto o suficiente para o surpreender, saltou-lhe em cima, derrubando-o.
- Desta vez assustei-te! - exclamou Raika contente, balançando a cauda de um lado para o outro, com os quartos traseiros levantados.
- Tens que fazer melhor que isto, Maninha - disse o lobo branco com patas pretas.
- Melhor que isto? Eu consegui assustar-te, Kioushiro! - disse Raika, agora totalmente de pé.
- Isso pensas tu - disse ele, sacudindo a neve do pelo e, em seguida, sentando-se.
Raika baixou a cabeça um pouco triste. Apesar das suas muitas tentativas, nunca tinha conseguido assustar Kioushiro, mesmo que já tivesse tentado várias vezes.
- Então, Mana? Não vale desanimar, um dia vais conseguir - disse o lobo branco num tom brincalhão. Raika olhou para ele irritada. Era sempre a mesma história... Nunca o assustava e ele ainda brincava com ela por causa disso.
- O que fazias por aqui? - perguntou Kioushiro.
- Vim correr um pouco... - respondeu ela sem olhar para o lobo branco com patas pretas.
Kioushiro para além das patas pretas, também tinha as orelhas e a ponta da cauda pretas, assim como a irmã. Por muito que sejam parecidos em termos da coloração dos pêlos, não tinham nada a ver um com o outro. Raika era mais brincalhona, só pensava em diversão e alegria, enquanto que Kioushiro, para além de ser mais velho que a irmã, era um lobo sério que gostava de ter tudo sob controlo, mas também tinha o seu lado brincalhão.
* * * * * * * * * * *
- Kioushiro! - chamou um lobo cinzento - Vejo que a encontraste.
Raika rosnou baixinho. Já não era uma cria, era uma loba adulta e sabia muito bem tomar conta de si, não precisava de um babysitter. Kioushiro viu que a irmã estava com uma cara de poucos amigos, por isso deu-lhe uma lambidela um pouco abaixo do olho, uma forma de a fazer entender que aquilo não passava de uma brincadeira.
- Ah! Estás aqui! - disse uma loba creme aproximando-se do grupo, mais precisamente, para o lado do lobo cinzento - Estava à tua procura, Cinza.
- Po...Posso saber o motivo? - gaguejou o lobo cinzento.
Kioushiro remexeu as orelhas divertido. Cinza, para além de ser seu amigo, era o seu braço direito. E, por mais que fosse um lobo sério e forte como era em batalhas, quando estava perto de uma pequena loba creme, já não era bem assim. Para Cinza lutar numa batalha era mais fácil do que lidar com os seus sentimentos em relação à loba creme.
- Claro! - exclamou a loba creme balançando a sua cauda, contente - Queria saber se vens caçar comigo.
O lobo branco com patas pretas olhou para o amigo, curioso com a resposta de ele ia dar.
- Bem... Eu estou ocupado - respondeu o lobo cinzento.
- Não estás nada! - interveio Kioushiro, disposto a dar uma ajuda ao amigo - Tens o resto do dia livre.
Raika olhou para o irmão surpreendia com o seu ato. Kioushiro nunca foi de liberar os outros das suas tarefas... E muito menos para ajudar num possível encontro amoroso.
- Obrigada Kioushiro! - agradeceu a loba creme abanando a cauda freneticamente - Vamos Cinza!
- Vou... Vou já... - disse o lobo cinzento, seguindo-a para a floresta.
- Achas que foi boa ideia? O Cinza não pareceu estar muito à vontade... - disse Raika para o irmão.
- Claro que foi! Ele tem que estar um tempo sozinho com ela - disse o lobo branco com patas pretas.
- Agora organizas encontros amorosos? - perguntou a loba branca dando um empurrão amigável ao irmão. Kioushiro rosnou, ele não era nenhum tipo de cupido e sim um lobo para ser temido.
- Eu só quis ajudar o Cinza... E, de certa forma, também ajudei a Melody.
A loba branca não disse mais nada e afastou-se. Kioushiro sentou-se e ficou a observá-la a entrar na toca, quando ouviu passos apressados e uma respiração ofegante a aproximar-se. Virou a cabeça e viu um lobo com pelos castanhos-avermelhados.
- O que se passa, Ryan? - perguntou o lobo branco com patas pretas.
- O que se passa, Ryan? - perguntou o lobo branco com patas pretas.Ryan era um lobo com pêlos da mesma cor que as folhas ficavam no outono, o que não o favorecia muito, pois uma pelagem avermelhada dava muito nas vistas numa paisagem coberta de neve. Mas até agora nunca tinha tido problemas com isso, apesar das dificuldades era um grande caçador. É claro que Kioushiro não podia gostar dele completamente, Ryan nunca tinha tratado Raika muito bem desde o dia em que se conheceram. E, desde então, Kioushiro decidiu não dar muitas confianças a Ryan.- Farejamos um intruso no nosso território - explicou Ryan, ainda um pouco ofegante.- O quê?! - rosnou Kioushiro - De manhã o Cinza disse-me que não tinham encontrado sinais de um intruso!- Isso foi de manhã... - disse Ryan dando uns passos para trás - Farejamos agora mesmo... Eu vim avisar-te o m
- Que estranho... - disse Kioushiro ao fim de um bocado, rodando as orelhas para os lados - Não estou a captar nenhum som.Assim que ele acabou de falar, um esquilo passou por eles e subiu para uma árvore, parecia que estava a fugir de alguma coisa. Raika com movimentos ágeis, também saltou para a árvore e conseguiu apanhar o esquilo antes que ele entrasse para a sua toca, aterrando logo de seguida, na neve com ele na boca.- Boa, Maninha! - exclamou Kioushiro abanando a cauda orgulhoso e contente - Afinal as técnicas que te ensinei servem para alguma coisa.Raika remexeu as orelhas contente, largando o esquilo às patas do irmão, que logo cavou um buraco na neve, enterrando lá o animal.- Vimos buscá-lo mais tarde - disse Kioushiro.Eles andaram durante mais um pouco e, quanto mais fundo iam na floresta, mais silencioso ficava.- Isto está estranho...
- Está tudo bem, o urso já não está aqui - voltou a dizer o irmão, que agora olhava atentamente para os olhos de Raika. Estavam diferentes, o que antes era preenchido por um brilho de alegria, agora estavam tristes e perdidos. E Kioushiro sabia muito bem o motivo.- Eu... O urso... Não consegui... - a loba branca tentou explicar, mas ainda estava demasiado assustada para conseguir falar.- Tem calma, Maninha - disse o lobo branco com patas pretas, colocando a sua cabeça por cima da cabeça da irmã - Vem comigo.Kioushiro guiou a irmã de volta a casa, durante o caminho, Raika ia encostada ao irmão como se estivesse com medo de ser atacada a qualquer momento. Assim que chegaram ela correu para a caverna. O lobo branco sentou-se a observar, Raika nunca iria ultrapassar o seu medo de ursos, simplesmente tinha sido um choque muito grande para ser esquecido.Os seus pensam
- Não faz mal, Cinza - interrompeu-o Kioushiro - Apesar de tudo, Raika está bem e se depender de mim vai continuar a estar.Ouviram passos a aproximarem-se, os dois lobos viram-se e Ryan estava perto deles com um esquilo na boca.- Para que é o esquilo? - perguntou o lobo cinzento confuso.- Foi o esquilo que a Raika apanhou - começou a explicar - Vou levar-lho, talvez ela tenha fome.Kioushiro remexeu as orelhas incomodado. Ryan nunca se tinha importado com Raika, então porque o estava a fazer agora?- Não! - exclamou Kioushiro mais brusco do que pretendia, recebendo olhares confusos de Cinza e Ryan - Quer dizer... Eu levo.Kioushiro baixou-se e pegou no esquilo, dirigindo-se para a sua caverna.- Raika? Tens fome? - perguntou o lobo branco com patas pretas posando o esquilo perto da irmã - Este foi o esquilo de apanhas-te de manhã.- Obrigada - agradeceu a
- Ao que parece, sim - respondeu o lobo castanho claro. A loba branca curvou um pouco as orelhas face ao tom rude daquele lobo. « Quem é que ele pensa que é? Não está no território dele e ainda fala assim comigo... Tenho que o levar a conhecer o meu irmão...» pensou Raika.- Tens nome? - perguntou a loba branca também rude.- Carter.- Bem, Carter... Queres vir comigo? - perguntou Raika, destacando o nome do lobo.- Para onde? - perguntou o lobo castanho claro olhando nos olhos da loba branca. Raika sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo quando aconteceu essa troca de olhares, mas não deu muita importância.- Para a minha alcateia - disse ela. O lobo castanho acenou positivamente com a cabeça e Raika indicou-lhe o caminho. &nbs
- Kioushiro! - ouviu-se um uivo desesperado - Temos problemas!- Cinza? - disse Kioushiro olhando para o amigo, que estava com uma expressão aflita - Qual é o problema?- É a Melody... Ela está estranha - explicou o lobo cinzento.- Onde é que ela está? - perguntou Kioushiro mantendo a calma para não assustar ainda mais o amigo. Sabia que Cinza não estaria naquele estado se não fosse nada de grave.Cinza saiu e guiou os dois lobos para uma caverna pequena. Lá estava Ryan acompanhado de outros lobos machos. Kioushiro, Cinza e Raika aproximaram-se de Melody, que estava deitada numa cama de musgo improvisada. Ela parecia realmente estranha, arfava como se estivesse com dificuldade em respirar e tinha manchas esbranquiçadas nas patas e na barriga.- O que aconteceu? - perguntou Kioushiro baixando o focinho para tocar na loba creme. Raika estava logo atrás
- Devo avisar-te de que aquilo não é a cura, serve apenas para atrasar o desenvolvimento da doença - disse Carter. Antes que Kioushiro pudesse responder, Cinza aproximou-se todo contente aos saltinhos.- A Melody melhorou! - exclamou o lobo cinzento.- As ervas não são a cura, Cinza... - informou Kioushiro, olhando para Carter com ódio - Servem apenas para atrasar o desenvolvimento da doença.- Como assim?! Se não são a cura, elas ainda estão infetadas e podem morrer! - exclamou Cinza. O lobo branco com patas pretas voltou a encarar Carter.- Onde está a cura? - rosnou.- Na cidade - respondeu Carter.- Na cidade?! Isso é mentira! Kioushiro, não podes confiar nesse lobo solitário! - rosnou o lobo cinzento, mostrando os dentes para Carter.Kioushiro também pensava que aquilo poderia ser mentira, mas preferia correr o r
- Tens a certeza do que acabaste de dizer? - perguntou Cinza.- Não... - admitiu um lobo branco num suspiro, sabia que estava a pôr a irmã em risco se a levasse naquela viagem, mas também sabia que ela estaria mais calma se estivesse perto dele - Apenas não quero que ela sofra mais do que já sofreu... Eu não assisti à morte do nosso pai, mas sei que foi doloroso para ela - fez uma pausa e olhou para o céu - Logo depois a nossa mãe também morreu, de uma forma desconhecida para nós até hoje... Nessa altura eu já conseguia sobreviver por conta própria mas a minha irmã continuava uma cria indefesa e magoada pela morte dos pais... Ela precisava de mim, por isso cuidei dela com medo que ela se voltasse a magoar. E agora ela está doente e em risco de vida - Kioushiro terminou de falar e encarou o amigo com um olhar triste.- Sinto muito, Kioushir