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Capítulo Três - A vida nem sempre é fácil

I’m breaking free from these memories

Gotta let it go, just let it go

I’ve said goodbye, set it all on fire

Gotta let it go, just let it go oh, oh

Avril Lavigne - Let Me Go

Ellen

Aquela semana demorou para passar. Era como se cada segundo que passasse demorasse uma hora.

Olhei para o lado. O relógio marcava cinco horas da manhã. Suspirei fundo.

Tivera pesadelos à noite, havia acordado suada e com dor de cabeça, acabara levantando e tomando um remédio comum para ver se a dor chata passaria, mas acabou que voltei a deitar, não conseguindo dormir mais.

Minha cabeça pesava, doía demais, era uma dor bem no centro, como se eu tivesse recebido marteladas somente naquele lugar.

— Droga! — disse, fungando.

Meus olhos já estavam cheio de água, tudo porque lembrei que mamãe fazia massagem nas minhas têmporas quando isso acontecia, e logo eu adormecia.

Agora eu não tenho mais ela para fazer isso. Poderia pedir para o vovô fazer, mas suas mãos eram pesadas demais. Eu sei que se eu pedisse ele faria de bom grado, como já havia feito, e a dor tinha piorado.

Fiquei deitada na cama, olhando para a janela. O céu estava estrelado, sem nuvem alguma. Encarei a lua cheia e pensei neles mais uma vez, então lágrimas começaram a descer, e quando dei por mim, já estava soluçando e pensando em como a vida era injusta e em como nada mais fazia sentido.

Levantei-me, vesti um casaco e subi no telhado. Respirar estava ficando cada dia mais difícil, assim como seguir em frente.

Estranho isso, pois eu nunca havia pensado que poderia viver um dia sequer sem eles, e olha agora: já faz oito meses, seis dias, nove horas e quarenta e quatro segundos que eu vivo sem eles.

— Por quê? Por que tudo tinha que acontecer assim? — Limpei mais algumas lágrimas que teimavam em cair. — Será que algum dia eu vou conseguir seguir em frente? Será que algum dia essa dor que eu sinto tão intensa diminuirá?

I’m breaking free from these memories

Gotta let it go, just let it go

I’ve said goodbye, set it all on fire

Gotta let it go, just let it go

Olhei as estrelas. O céu naquela noite parecia mais imenso do que nos outros dias. Fiquei ali por vários minutos, e quando dei por mim, já tinha amanhecido, então decidi que hoje eu surpreenderia o vovô e faria o café da manhã, faria até panquecas com suco de laranja.

Sorri, amarrando o cabelo num rabo de cavalo, e voltei para dentro de casa. Passei a mão na mesinha de cabeceira, onde deixava o meu celular, coloquei meus fones, escolhi uma música bacana e comecei a mexer na cozinha.

Enquanto a música tocava, eu misturava os ingredientes, olhava no caderno de receitas da vovó, que ficava sobre a bancada, e percebi os desafios que eu iria encaram. Primeiro foi com os ovos. Eram dois, os quais eu não sabia bater de modo a separar a gema da clara. Aliás, eu nem conseguia separar uma da outra sem fazer sujeira.

Depois, o problema foi com a farinha, que derramei mais fora da vasilha do que dentro, e para variar, eu não sabia bater direito a massa que ficou encaroçada. Bufei, deixei a massa de lado e fui fazer o suco, e para a minha surpresa, eu nem sabia ligar o espremedor.

So open your eyes and see, The way our horizons meet

And all of the lights will lead, Into the night with me

And I know these scars will bleed

But both of our hearts believe, All of these stars will guide us home.

— Ellen. — Senti uma mão tocar meu ombro

Levei um susto tão grande, que acabei esbarrando na tigela com a massa da panqueca que foi ao chão. Olhei para o vovô e ao meu redor, em seguida comecei a gargalhar.

— Desculpe, eu tentei, mas não consigo.

— Minha querida — Ele ria comigo —, não precisa se desculpar! — Vovô deu uma pausa e sorriu novamente, balançando a cabeça. — Até mesmo porque é a Senhorita que ira limpar tudo. — Deu-me um beijo na testa, pegou a cafeteira, ligou na tomada e foi fazer um café.

— Mas, vovó eu não...

Ele nem me deu bola, então comecei a limpar a minha bagunça, e ele, a fazer um café decente.

Após o café da manhã, tomei um banho fui para a escola. O ponto estava cheio, e assim que o ônibus chegou, eu e metade daquelas pessoas damos sinal para parar. O ônibus estava lotado, não cabia mais ninguém. O dia estava quente, apesar da garoa que caía, e as pessoas não abriam as janelas. Comecei a me sentir sufocada e a suar muito. Comecei a sentir falta de ar e a ficar com medo, muito medo. Senti minhas pernas começarem a tremer. O suor frio começou a descer pela minha testa, senti escorrer também pela minha espinha. Eu não tinha ar, não tinha ar...

I can hear your heart

On the radio beat

They're playing Chasing Cars

And I thought of us

Back to the time

You were lying next to me

Dei sinal e quase gritei para o motorista parar ali, porque eu não conseguia mais ficar dentro daquele ônibus. Comecei a empurrar todo mundo para chegar mais rápido à porta. Assim que desci, sentei na calçada e tentei respirar. No começo foi quase que impossível, parecia que eu não sabia mais como fazer. O que estava acontecendo comigo?

— Moça, tudo bem com você? Precisa de ajuda?

Uma moça simpática tinha agachado ao meu lado. Quando eu olhei para ela, vi grandes olhos azuis e um sorriso estampado no rosto.

As outras pessoas ali me olhavam de forma esquisita, decerto pensando bobagem de mim. Por que uma garota sairia de um ônibus daquele jeito e sentaria no chão? E por que chorava daquele jeito?

— Obrigada, mas eu estou bem — respondi, ainda olhando para ela.

Limpei as lágrimas e saí correndo até a escola. Quando cheguei e entrei no corredor, senti medo novamente. Todo mundo esbarrava em mim. Tentei o mais rápido chegar na minha sala e sentar no meu lugar.

— Olha a esquisita — disse uma das populares.

Olhei para ela, coloquei meus fones de ouvido e deitei na carteira. Meu coração ainda batia descompassado, mas a falta de ar e os tremores estavam passando devagar.

O que estava acontecendo comigo? Qual seria o problema dessa vez? Que droga!

Levantei a cabeça e afastei a touca. A professora falava sobre Matemática, o que me deixou ainda mais entediada. Olhei para fora. O dia estava bonito. Após a garoa, o sol brilhava radiante e algumas crianças corriam de um lado para o outro. Dei um sorriso ao lembrar de um passeio com eles em que me diverti tanto, que era impossível esquecer.

Eu tinha que me livrar dessa saudade. Eu tinha que esquecer. Não deles, mas da dor. Era tão difícil isso.

Suspirei, limpei uma lágrima que estava prestes a cair e levantei a mão. A professora me olhou com expressão surpresa e sorriu.

— Sim, Ellen.

— Posso ir ao banheiro, por favor?

— Claro que sim, só não demore, ok?

Fiz que sim com a cabeça, peguei minha bolsa e saí da sala.

Andando pelo corredor, eu via eles em diversas situações: me dando bronca porque belisquei Jonathan ou me embalando carinhosamente quando caí e corei a testa, onde ainda tinha o sinal. Toquei e sorri.

Por que a vida tinha que ser tão difícil sem eles? Por que tínhamos que perder quem a gente amava? Perdas fazem parte de nossa vida, eu sei, é inevitável, a gente nasce sozinho e morre sozinho, no meio disso a gente conhece pessoas que a gente ama tão intensamente, que chega a doer. As lembranças, os sorrisos, as sensações boas que deixam na gente são incríveis; mas quando elas partem, tudo isso parte com elas. É como se um buraco se abrisse em nosso peito e engolisse tudo isso.

Talvez viver fosse para isso, talvez fosse para a gente aprender a dizer adeus, para a gente aprender que não importa quantas pessoas a gente ame, no final, estaremos sempre sozinhos.

Quando entrei no banheiro, parei de frente para o espelho e percebi o quanto minhas feições haviam mudado. Fiquei ali em pé, me olhando atentamente. Antes o sorriso era fácil, hoje o que era fácil eram as lágrimas. Eu tivera um rosto cheio que transmitia alegria, hoje eu estava mais magra e meu rosto transmitia tristeza. Como é que eu pudera mudar tanto assim em poucos meses?

Abri a torneira e joguei um pouco de água em meu rosto. Tinha que voltar para a sala, mesmo que eu não quisesse.

Eu estava no meio do corredor quando o sinal tocou, e um monte de gente começou a sair das salas. Aquele monte de gente vindo na minha direção começou a me deixar nervosa. Elas começaram a esbarrar em mim, eu comecei a sentir seus cheiros, as batidas de seus corações, o som de seus pés batendo no assolhado surrado daquele corredor... Foi então que algo que eu nunca havia sentido passou por mim. Comecei a suar frio. Meu coração batia acelerado. Embora eu quisesse fugir, meus pés não obedeciam ao meu comando, pareciam chumbados ao chão, então eu comecei a gritar. Gritei tanto, que me ajoelhei no chão, com as mãos na cabeça. Eu só queria que tudo aquilo parasse e que eu não estivesse mais ali.

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