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Capítulo Cinco: Mentiroso

Eduardo

Depois de responder a Camila, desci para almoçar ou tomar café pela hora que era. Assim que cheguei na sala, pude ver minha mãe e minha avó na cozinha conversando e quando perceberam minha presença, minha mãe me chamou para sentar e assim eu fiz.

— Você dormiu? Nem desceu pra almoçar com a gente, já é quase 21:00 da noite. — Assim que minha mãe falou eu me espantei, eu havia dormido bastante e nem percebi.

— Eu acabei dormindo e achei que dei apenas um cochilo, e você vai passar a noite aqui vovó? E vocês não acham que já tá tarde para tomar café não?.

— Sim querido, dormirei aqui hoje. Tem lasanha no forno para você e não, não achamos que esteja tarde. — Disse e eu fui me levantar para pegar um pedaço.

Enquanto elas jantavam às suas torradas, com café eu comia a minha lasanha assistindo um vídeo aleatório no YouTube, por incrível que pareça, eu só conseguia comer se assistisse algo.

Paro de prestar atenção no vídeo, quando começa a chegar várias mensagens no grupo da sala, e umas delas era uma foto que o Juliano havia mandado, e sério, eu nunca gostei dele. Quando abri logo vi uma foto minha e da Camila, filho de uma puta, ele não tinha o direito de ter enviado.

Tinha vários comentários no grupo sobre a foto, mas nenhum era do Henrique, era pra ser um término amigável droga.

Grupo da sala.

— Isso não teve graça, Juliano. Seu merda.

— Então quer dizer que o Henrique é corno? — Guilherme perguntou mandando emoji de riso.

— Não, seus imundos.

O grupo da estava dando raiva, eu nem ia responder mas para não quebrar alguém na porrada amanhã na aula.

Tinha uma mensagem do Henry e quando abri, era de hoje mais cedo, dizia:

Henry.

— Espero que você esteja bem, espero que a gente esteja bem.

Não estávamos bem, eu não estava bem, e provavelmente agora ele não estava bem.

— Precisamos conversar..

Foi a única coisa que eu pensei no momento, e ele apenas ignorou a mensagem já que visualizou, eu terminaria com ele, para não machucar mais.

— Tá tudo bem filho? — Minha mãe perguntou vendo que eu tinha mudado de expressão.

— Sim mãe, apenas perdi a fome. — Disse me levantando e guardando o prato no microondas.

Assim que saí da cozinha fui direto para o meu quarto, eu precisava dormir para esquecer os problemas e pensar em como eu o resolveria.

***

Assim que acordei, percebi que já eram seis da manhã, tomei um banho rápido e escovei logo os dentes, assim que me arrumei, desci para tomar café encontrei os meus pais e a minha avó na mesa.

— Bom dia família. — Falei dando um sorriso falso, porque de feliz eu não estava nada.

— Bom dia. — Responderam parecendo um coral.

Eles não tinham o costume de falar enquanto comiam, então sempre que eu podia, eu evitava comer com eles na mesa. Assim que acabei minha refeição, peguei o meu carro e fui para a casa do Henry, pois teríamos a nossa conversa que eu estava totalmente preparado.

Cheguei em sua casa e ele já estava na porta de casa, provavelmente esperando a sua mãe o levar para a escola, saí do carro e assim que ele percebeu a minha presença, sua expressão mudou e eu o conhecia bem, ele estava nervoso.

— Precisamos conversar. Deixa que eu te levo para a escola hoje. — Eu falei colocando a mão no bolso.

— Tudo bem. Mãe, o Eduardo veio me buscar, você me pega na volta. — Gritou da porta e a sua mãe gritando.

Entramos no carro e a viagem foi um silêncio total, eu já não fazia mais questão de ouvi-lo falar ou cantar música, quanto mais calado ele ficava, melhor para mim.

Nosso atraso ainda era tolerável, eu não sabia como começar a conversa, realmente não sabia. Ficamos cerca de cinco minutos parados sem falar uma palavra dentro do carro, quando o Henrique começa a perguntar.

— Então, quando foi aquela foto? — perguntou enquanto encarava a frente da escola.

— Foi ontem de manhã, quando fui buscar ela para levar ela à escola. — Eu seria sincero e responderia todas as perguntas dele.

— Então você mentiu para mim. — afirmou e eu concordei balançando a cabeça.

— E porque exatamente você fez isso?

— Porque não queria que você soubesse que eu estava na casa dela. Você é legal demais para isso.

— Vocês fizeram alguma coisa? Você me traiu?

— Não e não— respondi evitando ouvir sua voz que estava me causando ânsia.

— Mas que porra Eduardo. Desde que ela chegou você tá estranho. É por causa dela, não é? 

— É caramba, e o que você queria que eu fizesse? Ao contrário de você, ela tem dois buracos para eu comer— Falei me arrependendo no mesmo instante que as palavras saíram.

— Oh, já entendi. Você quer ela, porque ela pode te dar mais do que eu posso te oferecer. Mesmo você negando, você me traiu sim.

— Não é bem assim Henrique, esteja um minuto no meu lugar e me entenda. Você melhor do que ninguém sabia que isso podia acontecer um dia — Eu coloquei a cabeça no volante, uma briga de manhã cedo não era legal.

— Sim, eu sabia, mas mesmo assim pensei que você não fosse ficar escondendo coisas de mim. Pelo menos agora eu sei o seu pensamento sobre ela. Agora uma última pergunta,

Você ainda me ama? Pode dizer a verdade. — perguntou com os olhos marejados.

— Henrique, sobre isso.. 

Antes que eu pudesse responder, Henrique me interrompe, ele tava fugindo dessa conversa.

— Tudo bem, acho que já ouvi demais por hoje. — Falou saindo do carro e eu apenas suspirei, não consegui terminar com ele, droga.

Quando entrei na sala e fui para o meu lugar, a Camila e o João já estavam lá, dei uma última encarada no Henrique e ele retribuiu, ele estava chateado, era visível e eu entendia o porque, e provavelmente já tinha entendido o que estava acontecendo, nosso namoro estava chegando ao fim.

— Você tá com um cara de bunda, aconteceu algo cara? — Típico do João, um grande fofoqueiro.

— Não cara, não aconteceu nada, só não dormi direito.

— Eu te conheço, isso foi bem por causa da foto, não precisa negar. 

Era verdade, realmente era por causa de uma foto, eu precisava sair para beber, precisava urgentemente e aparentemente a Camila tinha lido a minha mente.

— Vai ter uma festa na casa de um conhecido meu no sábado, e já é quinta, podemos ir para beber um pouco. — Sugeriu Camila.

— Agora você falou a minha língua gatinha! — João se espreguiçava na cadeira que estava na minha frente, enquanto eu estava ao lado da camila e a mesma me olha esperando uma confirmação.

— Diz que você vai também, diz vai.. — Disse fazendo uma cara de cachorro sem dono e eu acabei aceitando.

— Você sabe como convencer um cara. 

Ela sorriu de lado, e no mesmo instante suas bochechas entraram, formando lindas covinhas, ela sabia como convencer e como ter um cara somente para ela. A primeira e a segunda aula eram de biologia, olhei de relance para a carteira em que o Henrique estava e pude perceber o quão concentrado ele estava.

— Então meninos e meninas, o nosso primeiro assunto da matéria será Parasitologia, creio que vocês deram uma pequena estudada no ano anterior. — A professora Marília falou. 

Ela era uma mulher pequena que se fosse para falar da sua altura, eu chutaria 1.57 e sua idade 35. Sua pele era clara, tipo blusa bege e seu cabelo um castanho escuro estilo xuxa, uau, eu diria. Nunca vi uma professora nessa escola com um estilo igual ao dela, até ver ela pensava que era proibido. 

— O que é a parasitologia? Alguém sabe me responder? — A professora perguntou enquanto ajeitava o projetor de vídeo. 

é a especialidade da biologia que estuda os parasitas, os seus hospedeiros e relações entre eles. — Henrique falou enquanto anotava algo em seu caderno.

— Muito bem.. Henrique, não é?

— Sim professora.

— 0,5 ponto para você Henrique. — Ela falou.

 Era assim com todos os professores que perguntavam o significado das coisas, era como se ele fosse uma wikipédia ambulante, ou que tinha uma memória fotográfica. Isso não alegrava algumas pessoas, era como se fosse inveja, alguns alunos da nossa sala tinham inveja da sua inteligência, e não seria diferente nessa aula, alguém tinha que demonstrar seu descontentamento. 

— Só ganhou ponto porque é viado. — Heitor falou. Ele sempre arrumou confusão com o Henry desde o nosso 1° ano e no último não seria igual. E como sempre, se a professora marília não respondesse, ele ia escutar aquilo e ficar calado, como ele sempre fazia.

— Primeiro de tudo, ele ganhou ponto porque eu fiz uma pergunta e ele acertou. Segundo, a sexualidade dele não importa, todos nós, do hetero ao panssexual merecemos respeito. E terceiro e mais importante de tudo, não aceito homofobia em minha aula, se levanta da sua carteira e me espere na direção, Agora! — Falou autoritária enquanto recebia aplausos dos demais alunos.

— Mas, professora, era só uma brincadeira. — Heitor tentou se defender, mas todos que o conheciam sabiam das palavras de ódio que já foram proferidas de sua boca para o Henrique.

— Mas nada, para direção agora. Esse é o tipo de brincadeira na qual eu mais odeio no mundo. 

Heitor se levantou derrubando a sua cadeira, eu diria no mínimo que ele vai pegar uma suspensão.

— Então quer dizer que ninguém pode fazer uma brincadeira que já mandam para a direção? — Camila perguntou enquanto mordia a tampa da sua caneta.

— Brincadeira é diferente de homofobia, Cami. Isso acontece desde o primeiro ano da gente, ele já chegou a agredir o Henrique. — João comentou e Camila apenas o ignorou. 

Passaram cinco minutos, e então a professora Marília entrou na sala acompanhada pela diretora alcione e o Heitor. 

— Pegue o seu material e se retire da sala e me aguarde novamente na diretoria, para esperar os seus pais. Quero que todos saibam que homofobia não é brincadeira, é uma coisa séria que pode resultar em prisão. Agora você pode continuar a sua aula tranquilamente, professora. — A diretora Alcione disse enquanto esperava Heitor na porta, e quando ele saiu a aula voltou ao normal.

— Então, como o nosso amigo citou, parasitologia é a especialidade que estuda os parasitas, e entre elas engloba  os filos Protozoa (protozoários), do reino Protista e Nematoda (nematóides), annelida (anelídeos), Platyhelminthes (platelmintos) e Arthropoda (artrópodes), do reino Animal. Protozoários são unicelulares, enquanto os nematódeos, anelídeos, platelmintos e artrópodes são organismos unicamente multicelulares . Temos também parasitismo em plantas (holoparasita e hemiparasita) como é o caso do cipó-chumbo. temos parasitismo em fungos (micose) e em bactérias e até vírus. Como disciplina biológica, o campo da parasitologia não é determinado pelo organismo ou ambiente em questão, mas pelo seu modo de vida. E é sobre esses filos que estudaremos nesta unidade. — Terminou a explicação e começou o assunto do primeiro filo. 

Eu não havia prestado atenção em nada do que ela tinha falado, e quando eu tinha me dado conta, já estava na terceira aula para o intervalo. Victor Hugo, era a aula do professor de física, eu confesso que era a matéria que mais me dava tédio. 

— Eu sempre tive dificuldade nessa matéria. — Camila suspirava enquanto fazia cara de quem não estava entendendo nada.

— É fácil de entender, Camila, se precisar eu posso te ajudar. — Sugeri e ela fez questão de aceitar.

Quando voltei a olhar para frente, percebi que Henrique me olhava com um olhar triste, e ao mesmo tempo em que ele vira para olhar para frente novamente, o sinal toca, indicando o final da aula e o começo do intervalo, eu estava mesmo no mundo da lua para não ter percebido o quão rápido passou o tempo. 

Estava na lanchonete quando encontro Henrique, ele estava com um olhar caído, e só ficava assim quando algo o incomodava ou quando estava triste.

— Tia, eu quero um pão pizza e uma latinha de coca cola. — Pedi para a tia Sandra, mulher que vendia na lanchonete.

— Uma coisa bastante saudável para se comer às 09:30 da manhã — Henrique falou enquanto esperava o seu pedido.

— Sabe que eu nunca fui saudável como você, né?

— Deveria, um jogador com pressão alta não é legal nos jogos, pode levar o time a derrota, sabia? 

— Sei o quanto você se preocupa e gosta de me ver jogar, mas quando os jogos começarem eu vou me alimentar direito, confia. 

— Quando você fala isso já sei que vai aprontar besteira, motivo para eu desconfiar. 

Ele me conhecia bem, e todas as vezes que eu falava isso eu fazia algo, como da última vez que falei isso e acabei jogando ovos na casa de uma senhora fofoqueira.

— Você conhece bem o namorado que tem. — As palavras saíram no impulso e só percebi depois que ele me olhou e abaixou a cabeça, ele estava vermelho.

— E ainda somos um casal, Eduardo? — perguntou quase inaudível.

Eu o encarava e esperava ele levantar a sua cabeça para responder, mas o mesmo não fez. Eu não dei o trabalho de responder.

— Aqui está o seu lanche querido, sanduíche natural com suco de acerola. Dez reais o total. —A Sandra falou enquanto entregava o lanche do Henrique.

— Aqui está tia Sandra, muito obrigado. — Pegou o seu lanche e saiu.

Tia Sandra está na lanchonete da escola desde que eu me conheço por gente, ela sabia da minha relação com o Henrique, todos nessa escola sabiam.

— O seu lanche também já está aqui Eduardo, o que aconteceu com vocês que já não estão tão grudados como viviam? — O que ela tinha de legal ela tinha de curiosa.

— Problemas no relacionamento, tia, quanto deu o lanche?

— Deu nove reais querido. 

Assim que fiz o pagamento, peguei o meu lanche e voltei para a sala de aula, não estava com cabeça para ficar no espaço livre.

O intervalo passou voando, assim como o restante das aulas do dia de hoje, eu já estava pegando minha mochila para ir pra casa quando procuro o Henrique e o mesmo já tinha ido embora.

— Procurando alguém gatinho? — Camila surgiu como uma assombração do meu lado, me causando susto.

— Não, estava apenas pensando em umas coisas.

— Me leva pra casa hoje por favor, meu pai está no trabalho. — Ela falou enquanto alisava meu peito.

— Sim gatinha, vamos lá.

Pegamos o carro e na metade do caminho encontramos o Henrique, indo a pé para a sua casa, ele encarou o carro e na mesma hora Camila deu um breve aceno o que o fez abaixar a cabeça.

Ele estava ficando deprimido, e eu prometi ao pai dele que jamais ia fazer ele voltar a ser como era antes, mas uma vez eu quebrei uma promessa feita para a família do Henry.

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