CAPÍTULO 6

Uma paixão desvendada — 1992

A novela “De corpo e alma” estreava no horário nobre da Globo, com uma emocionante história de amor, que envolvia até transplante de coração. Logo na abertura, Isabela ficou apaixonada pelo folhetim, principalmente em função da música “Raios de Luz”, interpretada pela cantora Simone.

“Você chegou, e iluminou o meu olhar,

Teus olhos nus, raios de luz, no azul do mar

Meu coração, que sempre quis acreditar,

Bateu feliz, foi só você chegar”

Mas o que realmente arrebatou Belinha foram as cenas de flashback do casal protagonista: Paloma e Juca. Quando se lembravam da adolescência, eles apareciam correndo em uma relva alta, cercados por belezas naturais. Rolavam no mato, mergulhavam em um riacho de águas cristalinas e trocavam beijos apaixonados. 

Isabela não conseguia tirar os olhos da tela, hipnotizada pelos cabelos loiros do jovem ator. “Quem seria ele? Que idade teria?”

Quando o presente voltava à cena, a menina ficava decepcionada. Queria mais tomadas do passado do personagem, nas quais pudesse admirar à vontade o seu mais novo muso-inspirador.

Ainda sonhando acordada com o capítulo da noite anterior, Bela chegou ao colégio distraída. Cantarolava a música de Simone e se imaginava correndo naquele cenário cinematográfico da novela. De repente, ela foi retirada do seu mundo por uma voz grossa, que questionava:

— Oi? Você é da oitava série? É que fui transferido de outra escola e hoje é o meu primeiro dia. Ainda estou um pouco perdido aqui — disse o menino, educado. Isabela olhou em direção ao interlocutor, mas teve que subir – e muito – o pescoço para encará-lo. Ele era enorme. Ao colocar os olhos no seu rosto, ela quase desmaiou: diante dela, em toda a sua grandiosidade e loirice, estava o ator que lhe tirava o sono nos últimos dias. Perplexa, Bela desejou estar na turma da irmã, duas séries acima. Respirando fundo, encontrou forças para falar.

— Não. Eu... eu estou na sexta série — gaguejou. — Mas a minha irmã estuda na oitava. Eu posso te mostrar onde fica — ofereceu, tentando demonstrar uma tranquilidade que, definitivamente, não sentia.

— Vai ser ótimo. Aproveitando, o meu nome é Bruno. E o seu? — perguntou, parecendo realmente interessado.

— Eu me chamo Isabela. E a minha irmã, que é da sua turma, é a Valentina — disse, com um sorriso tímido e o coração aos pulos.

— Comecei com o pé direito aqui. Já vi que vou gostar desse colégio — completou, arrancando o pouco de ar que Bela ainda mantinha nos pulmões.

Foram até a sala de aula em silêncio e se despediram. Em menos de uma semana, ele já era a sensação do lugar. Era amigo de todos, esbanjando simpatia e popularidade. As meninas se atiravam no seu colo, sedutoras. Os caras riam antes mesmo da piada acontecer. 

Bela observava de longe, admirando um Bruno cada vez mais distante do seu mundinho. E, claro, escrevia sobre ele por horas a fio, inventando versos, compondo músicas ou simplesmente listando os seus muitos predicados. Qualquer folha de papel em branco era um convite para a menina destrinchar a sua paixão.

Certa vez, usou o caderno da irmã para fazer uma versão de “Garota de Ipanema” inteiramente customizada para o seu crush platônico. O que Isabela não esperava era que Bruno tivesse acesso à sua criação.

Depois de precisar faltar a algumas aulas, ele pediu o caderno de Valentina emprestado para copiar as matérias atrasadas. E, ao folhear o objeto, encontrou a canção. Não bastasse a enumeração das suas características físicas, ao final, tinha uma dedicatória com nome e sobrenome completos. Só faltava endereço e CPF para tornar a situação ainda mais constrangedora.

Em um primeiro momento, Bruno pensou que Valentina tivesse escrito aquilo. Perguntou para ela e acabou descobrindo que a poetiza em questão era Bela, a irmã mais nova, a mesma que o acolhera no primeiro dia na escola. Então, esperou por ela depois do sinal para falar sobre a música.

— Isabela? Oi. Tudo bem? — indagou, já quase matando a menina do coração.

— Oiee. Tudo. Ótimo — devolveu, bastante atrapalhada.

— Quer dizer que você é escritora? Eu vi a música que fez para mim. Ficou maravilhosa. Eu queria agradecer — contou, com um sorriso doce estampando o seu rosto lindo.

Bela congelou e perdeu toda a cor. Tentou balbuciar algumas palavras, mas o som fugiu dos seus lábios trêmulos. Fez gestos com a cabeça, abriu um sorriso amarelo e fugiu dali. Deixou escapar um momento único, no qual o seu sonhado príncipe estava bem ao alcance das suas mãos. Escondeu-se em casa, trancada no quarto, aos prantos e completamente envergonhada. Fechou-se no seu casulo tímido, com medo de encontrar a própria sombra.

Os dias passaram, os meses mudaram e, em pouco tempo, Bruno saiu da escola. Dessa vez, foi literalmente para longe de Isabela e passou a habitar apenas os seus românticos devaneios apaixonados.

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