Capítulo 17 Mariana Bazzi Ezequiel segurava um homem pela gola da camisa, quase o erguendo do chão, encostando-o contra a parede. Um dos seguranças — magro, nervoso, claramente despreparado — tentava falar algo entre gaguejos. — E-eu não sei... senhor... juro por Deus... — Não jure por Deus, jure pela sua vida — Ezequiel rosnou, os olhos apertados de raiva. — Elas estavam aqui ontem. Onde estão agora? — R-Roberto saiu com elas, Don! Eu... eu não sei pra onde! Só sei que levou um carro, com dois caras... e... e disse que voltava em meia hora... Só levou as melhores dançarinas. — Isso foi há quanto tempo? — D-duas horas... Ezequiel o soltou com força, e o homem caiu no chão, tossindo e puxando o ar. O Don se virou. Havia algo nele agora — um fogo silencioso, frio, letal. Ele sacou o telefone do bolso do terno e falou firme: — Ativem o rastreamento. Quero saber onde esse filho da puta está. Se ele mexeu um dedo nelas, quero a cabeça dele numa bandeja. Hoje.
Capítulo 18 Ezequiel Costa Júnior Ainda parado na porta, sem saber ao certo o que fazer, fiquei olhando pro corredor por onde ela sumiu. Aquele abraço... foi real. Foi dela. Pela primeira vez ela me tocou sem medo, sem obrigação, sem ser empurrada pelas circunstâncias. Só... veio. E aquilo me desmontou por dentro. A Mariana que vi ali não era a menina assustada que se escondia atrás da doutora, nem a mulher teimosa que tentou fugir de mim. Era alguém que queria me alcançar, mesmo que ainda com medo. Fechei a porta devagar, como se o barulho pudesse quebrar aquele momento que ainda vibrava no meu peito. Ela aceitou almoçar comigo. Deitei, mas o sono não veio. Fiquei encarando o teto, revirando tudo na cabeça. Como um simples toque, uma simples aproximação, podia mexer tanto comigo? Eu, Ezequiel, Don de uma das famílias mais temidas, rendido por um gesto frágil de confiança. Sorri sozinho. Mal sabia ela que aquele toque valia mais que qualquer jura de lealdade que já receb
Capítulo 19 Ezequiel Costa Júnior Ela segurava a sacolinha como se fosse um tesouro. Seus olhos brilhavam com uma mistura de nostalgia e ternura, e eu já conseguia sentir o gosto da vitória. Aquilo tinha que ser o sinal. O sinal de que ela estava começando a me enxergar. De que podia, finalmente, me amar. — Você conhece quem me deu esse presente? — ela perguntou com a voz suave, quase infantil. — E se eu disser que sim? — provoquei, encostando o cotovelo na mesa, sorrindo. Ela riu, e aquilo foi como um raio de sol em meio a uma tempestade. — Nossa! Jura? Eu não acredito! Você conhece o Papai Noel? Sorri de canto, esperando mais, esperando que ela dissesse algo como “eu sabia que era você” ou “sempre desconfiei”. Mas não. Mariana respirou fundo e continuou: — Sabe, Ezequiel... aquele homem... aquele Papai Noel... ele olhava pra mim de um jeito diferente. Não era com malícia, nem com pena. Não sei explicar, mas aqueles olhos me davam paz. Uma paz que eu nunca tive
Capítulo 20 Mariana Bazzi A sacolinha estava no meu colo, como um amuleto. Eu a segurava com tanto cuidado que parecia feita de vidro, enquanto a caixa bonita deixei no chão. Dentro dela, um pedaço do que eu nunca tive direito de viver. Nunca usei o vestido, e na agenda haviam sonhos que talvez nunca conseguisse realizar. Ezequiel me olhava com seus olhos pacientes, protetores, e ao mesmo tempo... tão intensos. Era confuso. Era tudo muito confuso. Ele disse que conhecia o Papai Noel. Meu coração deu um salto. Parte de mim queria acreditar que era só uma coincidência — que o homem gentil de olhar calmo e abraço acolhedor existia mesmo. Que ele poderia aparecer diante de mim e me dar mais um presente. Um olhar. Um afeto. A figura de um pai. De um herói. O jeito como Ezequiel me tocava, como me olhava, como dizia meu nome... não era nada paterno. Era diferente. E por mais que meu corpo começasse a reconhecer isso — a desejar isso —, minha mente ainda gritava de medo.
Capítulo 21 Ezequiel Costa Júnior O sorriso dela ainda estava impresso na minha memória quando saí do restaurante. Leve, doce, e também assustado, mas cheio de esperança. Era como ver uma flor brotar no concreto depois de anos de abandono. Mariana me deu uma chance — pequena, tímida, frágil — mas era uma chance. Ajudei minha bonequinha a se levantar com todo o cuidado do mundo, como se fosse feita de vidro fino. Caminhamos até o carro, e ela segurava a sacolinha como quem segura o passado e o futuro ao mesmo tempo. A cada vez que olhava pra ela sentia uma vontade louca de agarrar, beijar e fazê-la minha, mas eu controlei casa maldito impulso, não entendo como. Quando paramos na porta de casa, eu apenas beijei sua mão. Nada mais. Nada que a pressionasse. Nada que a fizesse recuar, embora meu corpo gritasse de desejo. Só dei aquele beijo leve, carregado de tudo que eu sentia e ainda não podia dizer em voz alta. — Até mais tarde, bonequinha — murmurei, e vi um bri
Capítulo 22 Mariana Bazzi A água quente escorria pelas minhas costas, como se pudesse limpar os medos, as vozes do passado, as memórias partidas que sempre me impediam de seguir. Pedi ajuda à doutora Samira, porque precisava disso. Precisava me libertar. — Como superar esse medo, doutora? — Androfobia não é uma simples aversão, é uma ferida muito dolorida. Um trauma que se instala na alma, te trava e molda seus sentimentos, os pensamentos, até o modo de respirar, instaurando esse medo irracional que você sente. Mas felizmente existe tratamento minha querida. Vamos reconstruir a Mariana aos poucos. Essa escolha de confiar em Ezequiel, ainda que incerta, é um passo enorme. — Eu confio, doutora. Estava com o cabelo molhado e o roupão amarrado quando ouvi barulho de pneus. Muitos. Um som fora de lugar para o final da tarde. Fui até a janela, puxei levemente a cortina. E o que vi me fez perder o ar. Haviam carros chegando de todos os lados, como um enxame de abelhas
Capítulo 23 Mariana Bazzi A doutora Samira olhou nos meus olhos, tentando manter a calma, mas a tensão era visível até em seus ombros tensos. — Eu não tenho certeza, querida — respondeu com a voz baixa, mas firme. — Sou clínica geral e terapeuta comportamental. Esses são os médicos oficiais do Don. Apenas eles têm permissão para casos mais graves. E, pelo visto, Ezequiel está inconsciente. Meu peito apertou. Dei um passo instável para frente. — Mas o que aconteceu com ele? — perguntei num sussurro. Mal terminei, e a voz de Yulssef atravessou a conversa: — Sofreu um acidente. Nossos homens o seguiam como de costume. Um caminhão atravessou um cruzamento e bateu praticamente de frente. O socorremos de imediato, e já estou averiguando tudo — falou bem rápido. Levei a mão à boca, o coração disparado. Fui instintivamente para perto da doutora, e ela segurou minha mão. Só percebi que estava apertando demais quando ela reprimiu um gemido e levou a outra mão aos lábios
Capítulo 24 Mariana Bazzi Me aproximei da cama devagar. O jantar que ele prometeu agora parecia uma lembrança distante. — Não durma tanto — murmurei, tentando conter as lágrimas. — Você combinou de fazer eu me apaixonar por você. Como pretende fazer isso deitado, hein? Fechei os olhos com força por um instante. Senti que a doutora me observava, mas não importava. Precisava que ele ouvisse... mesmo que não pudesse responder. Puxei uma cadeira, me sentei ao lado da cama e fiquei ali. Vi um movimento pela janela. Um homem parado do lado de fora. Era alto, com a pele marcada por uma cicatriz que cortava o rosto de cima a baixo. A expressão era fria, os olhos sombrios. A maneira como ele me olhava me arrepiou inteira. — Quem é aquele lá fora? A doutora se virou calmamente. — É o Aaron. Ele trabalha aqui. Antes era... prisioneiro. Cometeu atrocidades. Mas hoje apenas cumpre ordens. Não se preocupe, ele não vai te fazer mal. Assenti devagar, sem desviar os olhos