Que lugar me pertence
Que eu possa abandonar?
Que lugar me contém
Que possa me parar?
Sou errada, sou errante
Sempre na estrada
Sempre distante
Vou errando enquanto o tempo me deixar
Nada sei (Apneia) – Kid Abelha
Rodrigo
O olhar de ódio que ela me lançava à mesa me fez sentir muito medo de provar a comida. Não me importava de parecer maldoso, mas aguardei pacientemente até que ela e a minha mãe se servissem e começassem a comer para, só então, fazer o mesmo. Ainda olhei com atenção o fundo do prato vazio que ela tinha separado para mim, só para ver se ela não tinha colocado algo ali... talvez pimenta das fortes, ou mesmo veneno. Nunca se sabe!
A comida era bem simples: macarrão com salsicha. Algo provavelmente feito às pressas, já que a minha visita tinha atrasado a preparação do almoço. Eu até que gostava de comidas simples, mas não negaria que aquele macarrão estava com uma aparência sofrida. Quando provei a primeira garfada, pude confirmar que o sabor não ficava atrás.
— Meu Deus, que coisa horrível! — falei sem qualquer cerimônia.
Karen voltou a me fuzilar com os olhos e minha mãe tentou amenizar a situação:
— É que você está acostumado àquelas comidas de luxo, meu filho. Não temos condições de ter nada daquilo por aqui.
— Estou acostumado a comidas bem feitas. Esse troço tá duro e sem sal... Como aguenta comer isso, mãe?
— Se não está satisfeito, é simples: não coma! — Karen continuava a comer e eu podia jurar que se esforçava para não fazer careta. Duvido que até mesmo ela tivesse gostado daquela gororoba.
Voltei a olhar para a minha mãe, feliz por, ao menos, ter encontrado mais um ótimo argumento para animá-la com a minha ideia de levá-la para morar comigo. Bem, pelo menos conseguia aproveitar alguma coisa daquele almoço horrível!
— Mãe, a senhora vai adorar a minha nova cozinheira. Por Deus, aquela mulher é um achado! Tem mãos de fada na cozinha. Será tratada como nunca foi em toda a sua vida! Além de conforto e comodidade, terá boa comida! Algo que, pelo que estou percebendo, a senhora não tem por aqui!
Karen pareceu desistir de comer – e fingiu que isso era incômodo devido à minha presença. Duvido! A comida é que era intragável! Jogou os talheres sobre a mesa e, bufando, se levantou, indo até um dos quartos – provavelmente o dela – e batendo a porta. Ela era, de fato, um tanto impulsiva e bem nervosinha.
— Estressadinha essa sua sobrinha, hein mãe? — Continuei a comer. Estava horrível, mas eu sentia fome, o que iria fazer?
— Ah, meu querido... Ela só está um pouco desconfiada.
— Sabe o que é isso? É orgulho! Ela quer poder bater no peito pra dizer que cuida da senhora sozinha.
— Mas a verdade é que ela sempre cuidou.
Droga! Péssimo argumento o meu! Tentei consertar:
— É, mas ela tem que pensar no que é melhor para a senhora. Sua vida vai melhorar muito, mãe, a senhora vai ver! Será ótimo para a sua recuperação: tenho uma academia particular que vai ajudar muito na sua fisioterapia... Ah, e a piscina também será bem útil.
— Você tem uma piscina dentro do apartamento? E pode?
Eu ri. Minha velha era mesmo uma caipira, não conhecia nada da vida! Principalmente de vida boa!
— Pode sim, mãe. A senhora vai ver quando chegar lá.
Continuei a contar a ela a respeito do meu apartamento e todas as comodidades que tinha nele. Ela fez muitas perguntas, absolutamente surpresa com tudo o que eu relatava. Tentei ser paciente para responder a tudo, mas, na verdade, eu torcia para que aquele dia passasse o mais rápido possível. Na manhã seguinte, meu empresário iria nos buscar de carro – achamos que dessa forma chamaria bem menos atenção do que eu deixar o meu carro estacionado em frente à casa da minha mãe. E, daí, eu voltaria para São Paulo, levando a minha mãe e, infelizmente, aquela garota esquisita a tiracolo. Pedia a Deus que aquela decisão pudesse, de fato, por fim aos meus problemas.
O que eu não sabia é que estava entrando em um problema bem maior e sem volta.
*****
Karen
Mas aquilo era só o que me faltava! Não bastasse aquele estúpido reaparecer do nada, com esse papinho de filho preocupado, ainda chegava cheio das indiretas, como se eu não tivesse cuidado direito da minha tia? Se até aquele momento ela só tinha a mim, e eu fazia absolutamente tudo que estava dentro das minhas possibilidades. E não era por qualquer obrigação moral... era por amor. Sentimento que eu duvidava muito que o babaca do Rodrigo tivesse por qualquer pessoa. Se não tinha nem pela própria mãe...
Não suportando mais sequer ouvir a voz daquele sujeito, eu tinha ido para o meu quarto. Liguei o velho rádio que ficava ao lado da minha velha cama, onde me deitei. Tinha esquecido dentro do aparelho um CD do Pink Floyd, e este começou a tocar. A potência do som não era das melhores, por isso aumentei no último volume, tentando abafar qualquer mínimo ruído que viesse do lado de fora do quarto.
O CD tocou até o final e eu acionei a função repeat, deixando que o repertório se repetisse inúmeras vezes... nem saberia dizer quantas! Sei que o quarto já estava escuro, a luz natural que entrava pela janela já tinha ido embora há muito tempo quando a porta foi abruptamente aberta. Levantei-me em um só impulso, mal conseguindo acreditar que aquele sujeito tinha invadido o meu quarto daquela maneira, sem ao menos bater na porta!
— Isso não te dá dor de cabeça? — Ele fez uma careta e apontou para o aparelho de som.
Praticamente soquei a mão no rádio, desligando a música. Mas não fiz isso devido ao incômodo dele. Queria apenas ter certeza de que ele ouvir muito bem o que eu tinha para dizer.
— Escuta só, seu imbecil: o que você acha que dá a você o direito de entrar desse jeito no meu quarto? Você não está na sua casa!
Ele estendeu as duas mãos diante do corpo, num sinal para que eu parasse.
— Olha, Karl... Digo, Karen... Chega! Vamos dar um tempo nessas briguinhas sem sentido?
— “Sem sentido”? Você volta aqui depois de tantos anos sem se importar a mínima para a sua mãe, vem com esse papo de que quer levá-la para morar contigo... Tia Sandra pode ser uma boba iludida, mas eu não! Sei que existe alguma intenção oculta por trás dessa sua “boa vontade” e eu vou descobrir qual é. Se você fizer a minha tia sofrer, eu te juro... Juro que eu acabo com você!
— Garota... Por favor, não me faça rir. Eu não tenho nenhuma intenção oculta... E você jamais seria capaz de “acabar comigo”.
— Não me provoque para tirar a prova, estou avisando.
— Tá... Olha só, eu não vim aqui para brigar. Minha mãe disse que só vai para a minha casa se você for junto, então, infelizmente, eu terei que te aturar. Só vim aqui para avisar que sairemos bem cedo, então é melhor que arrume logo as suas coisas.
— As minhas coisas nem foram desarrumadas desde que cheguei. — Apontei para a minha mala no canto do quarto. — Não tive tempo, estive ocupada cuidando da minha tia.
— Perfeito. Agora, se você me der licença, eu adoraria dormir um pouco. Eu vou dirigir amanhã e quero estar descansado para isso.
Passei ainda alguns instantes olhando para ele, até enfim entender o que ele queria dizer com aquilo. Quando enfim compreendi, ainda demorei para acreditar que ele estivesse realmente querendo aquilo.
— Por acaso você acha que vai dormir no meu quarto?
— E onde mais eu dormiria? Vocês têm algum quarto de hóspedes por aqui?
— Vá para o sofá da sala.
— Nem pensar! Aquele sofá velho vai acabar com a minha coluna!
— E você sugere que eu dê a minha cama para você e que eu durma no sofá?
— Bem, você não vai dirigir amanhã. Além do mais, deve estar bem mais acostumada a ter menos conforto do que eu. Deveria, então, ser menos egoísta.
Meu Deus! Aquele sujeito era absolutamente inacreditável!
Sem me dar ao trabalho de respondê-lo, eu apenas o empurrei para o lado de fora do quarto e bati a porta, tomando agora a precaução de trancá-la muito bem para que ele não voltasse a entrar sem ser chamado.
*****
Rodrigo
Eu não me lembrava de ter dormido tão mal em nenhum outro dia da minha vida. Nem mesmo no início de carreira, quando eu atravessava de uma cidade a outra do país em ônibus velhos e sucateados junto ao restante da minha equipe. Nem os bancos de ônibus junto aos solavancos de caminhos esburacados conseguiam ser mais desconfortáveis do que aquele sofá velho. Eram absurdas as coisas nas quais eu tinha que passar. Me consolava o tempo todo pensando que faltava pouco para eu sair daquele lugar e voltar para o conforto da minha vida.
Outra coisa incômoda foi o café da manhã. Uma das coisas que eu nunca me esqueci a respeito da minha mãe era o fato de ela ser uma ótima cozinheira. O dejejum preparado por ela poderia ser simples, mas sempre contava com algum bolo, biscoito ou panquecas deliciosas preparadas por ela. Só que agora ela estava impossibilitada de ficar de pé, o que significou que a Karen, mais uma vez, ficou responsável por preparar a nossa refeição. O café dela era simplesmente intragável. E, para comer, tinha apenas uns pães de forma que ela comprara no mercado no dia anterior. Sem nem uma mísera margarina para ajudar a descer melhor, já que ela alegou ter se esquecido de comprar. Senti que ela tinha feito de propósito: queria me matar de fome!
Ouvimos o som de uma buzina e eu aproveitei para finalizar aquela refeição (no caminho pararia na estrada para comer alguma coisa).
— É o Giovani, meu empresário. Ele trouxe o carro para nos buscar.
— Você não disse que iria dirigindo? — Mas aquela Karen não deixava escapar uma!
— É, eu disse, mas foi força de expressão. Você poderia abrir o portão para ele entrar?
— Poderia, mas não quero. Você tem mãos. Faça isso você!
Será que ela não me daria uma mísera trégua?
— O que você quer, uma multidão se juntando na sua porta? A essa hora, as pessoas estão saindo para o trabalho, a rua deve estar cheia. Você esqueceu que sou uma pessoa pública?
Para a minha sorte, a minha mãe resolveu me ajudar:
— Não seria bom mesmo ter pessoas se aglomerando à nossa porta, minha querida. Por favor, poderia abrir o portão para o amigo do Rodrigo?
Karen me encarou e eu movi levemente os cantos da boca, em um discreto e vitorioso sorriso. Sem argumentos, ela se levantou e foi atender o portão. Eu tinha ganhado mais uma. Aquilo até que estava começando a ficar divertido.
Em poucos instantes ela retornou, sendo seguida por Giovani, meu velho escudeiro de guerra!
— Fala aí, meu chapa! — Ele se aproximou e eu me levantei, cumprimentando-o com um tapinha nas costas. Em seguida olhou para a minha mãe. — E essa senhora adorável é que é a famosa dona Sandra? Seu filho fala muito da senhora, sabia?
Enquanto ele se abaixava para beijar o rosto dela, eu segurei o riso, me perguntando com aquele sem vergonha conseguia ser tão falso. Verdade fosse dita: há até muito pouco tempo, ele nem sabia que eu tinha mãe. Eu mal falava a respeito dela!
Claro, tirando os últimos dias, em que ela tinha se tornado um assunto em alta.
— Seja muito bem-vindo, meu filho! — Minha mãe o cumprimentou. Notei que ela pareceu ficar radiante com o comentário dele. Ao menos a falsidade serviu para alguma coisa. — Quer dizer que você é o empresário do Rodrigo?
— Empresário, amigo, e às vezes preciso bancar o pai também. Esse moleque às vezes dá trabalho, dona Sandra!
Mais uma afirmação mais falsa do que nota de três reais. Primeiro, Giovani não tinha idade para ser meu pai. Eu tinha vinte e cinco anos e, ele, trinta e dois. Segundo, porque mesmo quando chegasse aos cinquenta, Giovani provavelmente continuaria a ser o mesmo moleque fanfarrão e metido a galanteador. Ele tinha um alto faro para os negócios e uma fama de transformar tudo o que toca em ouro. Mas, na vida pessoal, não tinha uma gota de juízo. Ele era a minha companhia em noventa por cento das minhas bebedeiras.
Tomei a palavra, antes que meu amigo continuasse com suas falsidades desmedidas e acabasse falando o que não devia:
— Bem, quanto mais cedo pegarmos a estrada, mais cedo chegaremos em São Paulo. Mãe, é melhor você e a Karen irem logo terminar de se arrumar e pegar suas malas para partirmos.
Mas é claro que a Karen, para variar, não atendeu ao meu pedido de imediato. Antes me lançou mais um de seus olhares fulminantes, antes de guiar a cadeira de rodas da minha mãe em direção aos quartos. Giovani percebeu aquilo. Tanto que perguntou, logo que ficamos a sós:
— Rapaz, o que foi aquilo?
— Eu não te disse ontem pelo telefone? Essa mulher me odeia, e eu nem fiz nada!
— E você não contou para elas o motivo de estar levando a mamãe para morar com você, não é?
Fiz um “psiu” para que ele falasse mais baixo. Imagine se alguma daquelas duas ouvisse isso? Tudo iria por água abaixo!
— É claro que não! — sussurrei. — Para todos os efeitos, eu sou um filho preocupado com a saúde da mãe.
— Muito bem. E é isso que estará estampado nas capas de todos os jornais, revistas e portais de fofoca da internet a partir de amanhã. Aliás, já marquei a sua coletiva de imprensa para amanhã, às nove da manhã.
— Perfeito. É assim que tem que ser.
Giovani fez um sinal com o queixo, apontando para o corredor. Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.
— E aquela gostosinha da sua prima, hein? Fala a verdade se você já deu uns tratos nela.
— Ela não é minha prima. É sobrinha do meu padrasto. E eu não dei trato nenhum nela. Não deu para perceber que a mulher me odeia?
— Ver uma mulher odiando você é algo meio novo para mim.
— Imagine para mim!
— Mas vai me dizer que não reparou que ela é uma delícia?
Agora que ele tinha dito, enfim eu me dei conta... Não tinha mesmo parado para reparar, mas Karen, de fato, era muito bonita. Eu não gostava muito daquele cabelo azul, mas isso era algo facilmente contornável.
— É... ela é 50% gostosa. A outra metade é pura chatice.
— E você não ficou intrigado por ela não te dar a menor confiança? Se eu fosse você, encararia como um desafio.
Pronto, ele tinha usado a palavra certa. Giovani sabia muito bem que eu não era de recusar desafios. Só que aquele, ainda, me parecia completamente desnecessário.
— E você acha que eu vou ficar perdendo tempo com uma mina que me odeia, tendo tantas me querendo por aí?
— Acho, especialmente porque, a partir de agora, você sabe que vai passar alguns meses sem shows, sem viagem... a pegação vai reduzir, meu amigo. E você não está acostumado a viver na seca.
Mais um ponto interessante. Eu já começava a cogitar a ideia. E o que me fez de fato aceitá-la foi o argumento certeiro que veio a seguir:
— Para ficar mais divertido, o que acha de uma aposta? Eu e você, como nos velhos tempos?
Sorri, convencido. Aquele cretino me conhecia bem o suficiente mesmo. Ele sabia que eu sempre me empolgava com as nossas apostas. Há anos que não fazíamos isso, mas, no início da carreira, era comum, quando gostávamos da mesma garota, apostarmos sobre qual dos dois a levaria para a cama primeiro. Eu quase sempre ganhava, mas acabei perdendo algumas vezes também. Giovani não era tão gato quanto eu, mas era bom de lábia.
— O problema são as chances de nenhum dos dois ganhar.
— Sala sério, Rod. Olhou bem pra mina? Estilozinha, moderninha... Essas são as mais fáceis, vai por mim.
— Certo... Aposta aceita. — Estendi a mão e Giovani a apertou com a sua. — Que vença o melhor.
— Essa você vai perder, meu querido. Não esquece que a garota te odeia.
— Por enquanto, meu caro. Por enquanto!
Fomos obrigados a encerrar o assunto quando Karen retornou, trazendo duas malas. Giovani se prontificou em ajudá-la, enquanto eu fingia que não era comigo. Ela me deixou passando fome e me fez dormir daquele sofá velho. Por mim, carregaria tudo sozinha!
Enquanto Giovani levava as malas para o carro, Karen foi para o quarto e retornou trazendo mais uma bolsa grande, uma capa com algum instrumento musical (um violão, provavelmente) e empurrando a cadeira de rodas da minha mãe. Quando chegamos ao quintal, minha mãe ainda fez a Karen e o Giovani apanharem vários de seus vasinhos de planta, que ela afirmou que não abandonaria de forma alguma.
Tudo posto no carro, achei que poderíamos pegar a estrada, mas Karen fez mais uma exigência. Disse que, antes de ir, tínhamos que levá-la a um lugar, porque tinha uma pessoa da qual ela queria se despedir.
*****
Karen
Caso não tivesse exigido passar na oficina, aquela não seria a primeira vez que eu iria embora de Valença sem me despedir do Pedro. Mas eu sempre me odiei em todas as vezes que fiz isso. Na maioria delas, embora eu deixasse no ar um tom de indiferença, tinha feito isso por pura covardia. Despedidas nunca foram o meu forte, mesmo que eu já tivesse passado por tantas no decorrer da minha vida.
Mas, daquela vez, eu não iria repetir o meu erro. Há vinte e quatro horas eu o tinha reencontrado e garantido ter retornado a Valença para ficar por, no mínimo, alguns bons meses. E, agora, lá estava eu, indo embora mais uma vez. Agora, ao contrário das outras ocasiões, fazia isso completamente contra a minha vontade.
Desci do carro e, ao me virar para garantir à minha tia que não iria demorar, não pude deixar de reparar na cena ridícula do banco da frente: Rodrigo usava um boné com uma peruca loira por baixo, junto ao par gigantesco de óculos escuros. Se ele usava tal disfarce para passar despercebido pelas “pessoas normais”, acredito que não deveria surtir efeito. Aquilo chamaria a atenção de qualquer um que estivesse em Marte!
Entrei na oficina, aparentemente vazia. Logo imaginei onde seu Carlos e Pedro estariam. No final do local, havia uma pequena sala anexa, que era usada como escritório. Era lá que os dois estavam. Através da meia-parede de vidro, eu os observei em silêncio por alguns momentos. Sentado em sua velha poltrona, seu Carlos parecia ditar uma lista de coisas que eram anotadas por Pedro, que se mantinha de pé, em um pedaço de papel. Provavelmente eram itens a serem comprados. Seu Carlos me avistou, sorriu e disse alguma coisa, apontando para mim. Pedro se virou e também sorriu ao me ver, fazendo sinal para que eu entrasse.
Quando entrei, fui direta no assunto:
— Vim me despedir de vocês. Estou de novo indo embora de Valença.
O sorriso de Pedro morreu em seus lábios. Seu Carlos percebeu o mal estar, mas forçou-se a ignorar e se levantou, indo até mim.
— Mas, menina do céu, essa visita foi ainda mais rápida do que as anteriores!
— É, seu Carlos. Infelizmente, vou precisar partir novamente.
— Entendo. A vida do Rio de Janeiro a chama, não é?
Antes fosse!
— Na verdade, estou indo para São Paulo. O filho da minha tia decidiu levá-la para morar com ele, e ela quer que eu vá junto. — E eu também não a deixaria sozinha com aquele babaca. Mas não queria entrar nesse mérito, para não prolongar o assunto.
— Quem diria... quer dizer que o seu primo finalmente está preocupado com a mãe?
Ele não era meu primo. Mas aquele era outro assunto que eu também não pretendia prolongar.
— Pois é, seu Carlos. Foi tudo às pressas. Já estamos de saída, na verdade, mas decidi que não iria sem me despedir de vocês.
Ele não disse mais nada, apenas me deu um abraço apertado. Lutei bravamente para não chorar. Seu Carlos fazia, também, parte da minha história... E eu sentiria muita falta dele. Aquela despedida tinha um peso muito maior do que as anteriores. Com a minha tia morando em Valença, de alguma maneira aquela cidade continuava sendo a minha casa, havia sempre um motivo para voltar, nem que fosse apenas no Natal e no aniversário dela. Mas agora, que iríamos embora juntas, aquilo poderia significar de fato um adeus.
Ou não... Porque eu ainda tinha uma expectativa de que aquela fase de bom filho de Rodrigo não duraria tanto tempo assim. Talvez, antes mesmo que eu esperasse, estaríamos voltando para casa.
Depois do abraço, seu Carlos saiu, dizendo que nos deixaria a sós. Percebi que os olhos dele estavam marejados e aquilo fez o aperto no meu peito aumentar um pouquinho mais. E apenas pioraria com a despedida que ainda estava prestes a começar.
— Então... — Pedro se aproximou, coçando a cabeça. — Afinal era isso o que o Rodrigo queria? Mas... por que isso, agora? Ele nunca ligou muito para a dona Sandra.
— Eu não sei, Pedro. Mas eu não acredito que ele tenha mudado assim, da noite para o dia. Por isso não posso deixar minha tia sozinha com ele.
— É, você tem razão. Espero que fiquem bem. E, dessa vez... vê se me liga de vez em quando.
Ele tinha razão no pedido. Eu raramente ligava, geralmente apenas no aniversário dele. Mas quem sabe agora, que ele estava novamente solteiro, eu não teria um motivo a mais para fazer isso?
— Bem, então... Eu só vim dar tchau mesmo. Não gosto de prolongar despedidas. Se algum dia for a São Paulo, avisa. Meu celular continua o mesmo.
— Pode deixar. Se cuida, e... cuidado com esse Rodrigo. Ele tem uma péssima fama de mulherengo.
Tive que rir. Teria uma pontinha de ciúmes ali?
— Para o Rodrigo conseguir me seduzir, teria que morrer e nascer de novo... com caráter dessa vez.
Então, nos abraçamos. Ao contrário do que aconteceu com o seu Carlos, esse foi um abraço muito mais rápido, porque dessa vez eu não consegui conter minhas lágrimas e não queria chorar na frente dele. Logo me afastei, sussurrei um “tchau” e dei meia volta, saindo de lá como um furacão. Seu Carlos estava na calçada e, quando entrei no carro, olhei pela janela para acenar para ele. Vi Pedro chegar correndo e, com isso, foi impossível que ele deixasse de me ver chorando.
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A minha vida,Eu preciso mudar todo diaPra escaparDa rotina dos meus desejos por seus beijosOs meus sonhosEu procuro acordar e perseguir meus sonhosMas a realidade que vem depoisNão é bem aquela que planejeiEu quero sempre maisEu quero sempre maisEu espero sempre mais de tiEu quero sempre mais - Ira!Karen A dor que senti na barriga foi simplesmente surre
Mudaram as estaçõesNada mudouMas eu sei que alguma coisa aconteceu,Está tudo assim tão diferente...Por enquanto - Legião UrbanaKarenOs dias que se seguiram foram um estranho misto de bom e ruim.Ruim, óbvio, porque eu estava em um hospital. Passei por uma cirurgia, todo o meu abdome ainda doía e eu passei a maior parte dos primeiros dias sendo sedada continuamente. Ah, e é claro, tudo isso ainda comendo aquela coisa sem graça chamada comida de hospital.E bom porque o Rodrigo não saiu do meu lado durante todo esse tempo.Era até mesmo curioso ver aquele cara, sempre tão metido à gente important