RUANDA
“Pela primeira vez na história, temos o dinheiro e o know-how
tecnológico necessário para resolver os problemas da África.
Mas será que temos vontade?”
Bono Vox
Localizada em um solo montanhoso e sem saída para o mar, Ruanda é um país do continente africano que faz fronteira com Burundi, ao sul, República Democrática do Congo, ao Oeste, Uganda, ao norte, e Tanzânia, ao leste.
Foi dominada pela Alemanha, no início do século XIX, e posteriormente pela Bélgica após a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas ficou responsável pela administração do país até 1962, quando a independência de Ruanda foi finalmente concedida.
É um país marcado por conflitos étnicos. Principalmente entre os Hutus, que praticamente dominam a população, em seus 90%, e os Tutsis, minoria, em 9%, que mesmo assim foram escolhidos pelo poder colonial para governarem o país. Tal fato fez com que os Tutsis fossem perseguidos e, em 1994, um grande genocídio envolvendo os presidentes de Ruanda e Burundi marcasse para sempre a história mundial.
Segundo os dados da ONU, o massacre teve mais de um milhão de vítimas ruandeses, e os Tutsis, que outrora eram minoria, desta vez foram 90% dos mortos.
Com o passar dos anos, a situação de Ruanda não melhorou.
Além dos constantes conflitos étnicos, a maior parte da população ainda vive abaixo da linha da pobreza, a subnutrição atinge mais de 40% do total da população, a mortalidade infantil é de mais de 10% — quando as crianças nascem vivas. O índice de analfabetismo é de 35%, e apenas 22% da população tem acesso a saneamento básico e ambiental.
E era para este lugar que o tenente Macon J. Kendrick estava indo.
Aos vinte e oito anos e com uma carreira ascendente no exército dos Estados Unidos, ele poderia pensar que era uma missão única, uma oportunidade sem igual que estavam lhe davam devido aos anos em que se dedicou à corporação.
Não.
Aparentemente suas admiráveis habilidades não passavam de um bom currículo para tornar-se babá da filha do Coronel. Uma criatura mimada, que resolveu salvar o mundo após se formar em medicina.
Uma Médica Sem Fronteira.
Sem ter o que fazer de mais útil, ele poderia apostar.
Depois de finalmente formada, Violet Bates sentia que havia mais em sua vida do que apenas clinicar em qualquer hospital. Ela tinha mais a contribuir. Nada de errado em querer contribuir. Mas ao se inscrever para uma missão de paz, o governo dos EUA resolveu enviá-la para uma Ruanda não tão pacífica.
A cidade Nyamutera era menos pacífica ainda, pois, próximo a ela, na divisa entre Ruanda e Burundi, no Parque Nacional da Floresta Nyungwe, o exército americano colocou o seu mais recente “comitê pacificador” — e nada deixa o povo africano, ou qualquer povo, mais feliz do que um intruso montando acampamento e achando que vai ensinar você e todo o seu país como agir, ainda que o objetivo do acampamento fosse levar saneamento e boas condições de vida para a população.
Por que ele, então? O tenente era o militar mais próximo do coronel Bates. Mas seu amigo e companheiro das forças armadas, Tom, brincava, dizendo que agora ele não passava de um secretário do coronel.
Mas Macon preferia o termo homem de confiança, já que acompanhava de perto todos os procedimentos, papeladas e protocolos que deveriam passar pelo coronel. Então, em uma noite, mais precisamente quando Bates descobriu para onde exatamente sua filha estava indo, ele surtou. Não podia ter Violet lá.
Naquele momento, seu homem de confiança, o único em que ele poderia confiar a filha, estava em um avião, já sobrevoando a base do exército, em um local onde seu nome mudaria de Macon J. Kendrick para Mary Poppins, segundo seus companheiros.
Ele pensou que isso seria o pior que poderia lhe acontecer.
Senhoras e senhores: bem-vindos ao inferno.
Ele estava enganado.
MISSÃO“Vamos, não se preocupe, meu irmão, neste mundo todos somos os mesmos.Nós devemos encontrar a paz.”Don’t worry – Playing for Change— Chega, Parker, todos conhecemos a história. Estávamos lá, lembra? — Macon resmungou, voltando sua atenção para as terras avermelhadas que em breve tocariam seus pés.— Ora, meu amigo! Por que o mau humor? — Parker questionou, rindo e sabendo muito bem o motivo para todo o problema de Macon.— Porque deveríamos ir para este país com um propósito maior do que ser babá da filha teimosa do nosso superior. — Ele sabia que os amigos conheciam toda a história, mas sua frustração era tanta, que ele simplesmente não
TEMOS QUE FICAR JUNTOS“Um amor, um coraçãoVamos ficar juntos e nos sentiremos bem.Estou implorando para a humanidade” One Love – Bob MarleyNão era fácil estar em Ruanda.Violet nunca pensou que seria fácil de qualquer maneira. Não era ingênua a esse ponto.Bem, talvez ela fosse um pouco, pois nunca imaginou a dificuldade que teria em ser aceita. No começo, os homens e as mulheres da aldeia a boicotaram, assim a estação médica ficava entregue às moscas. A Médicos Sem Fronteiras ajudava, é claro, mas o que tinham ali não era muito, já que os casos de urgência deveriam ser levados para a base, e não para o ambulatório.Uma desidratação, anemia, um corte, febre, gripe... Sim, isso tudo ela poder
LINDO DE OLHAR, PROIBIDO DE TOCAR“Você pode me pegar enquanto eu estiver dormindo.E enquanto eu estiver sonhando também. Porque é um lugar solitário para mim, querido. Deve ser solitário para você também.”Catch me while I’m sleeping – PinkDois dias depois, a estranheza de dividir um quarto não havia passado. Macon e Violet conversavam somente o estritamente necessário. A tensão deles não tinha qualquer justificativa, a médica estava disposta a ser amigável, e ele não tinha nada contra ela, aliás, a cada hora que passava ao lado daquela mulher, sua admiração só crescia. Mas eles simplesmente não conseguiam relaxar em torno um do outro.Atração.A única explicaç&a
A MORTE FECHA OS OLHOS DE ALGUNS... E ABRE OS OLHOS DOS OUTROS“Encharcado em minha dor de novo,Nos tornamos quem nós somos.”Wake me up when September ends – Green DaySe os dois primeiros dias foram tensos para Macon e Violet, as duas semanas seguintes foram muito difíceis. A tensão entre eles apenas aumentava. A atração era quase palpável. Se fosse uma pessoa, seria bem gorda e estaria ocupando um lugar enorme em cada ambiente que ocupavam. O acordo mútuo e silencioso de transformar aquela atração em qualquer coisa que não fosse exatamente o que era os fez pender para pequenas hostilidades. Uma voz alterada aqui, porque Violet tinha saído cedo da manhã para andar sem ele, ou um olhar reprovador para ele, ao segui-la até mesmo quando Violet precisava de um tempo apenas para
A GOSTOSA INSANIDADE“A beleza das coisas existe no espirito de quem as contempla.”David HumeDepois daquela conversa não terminada, Macon e Violet pareciam mais próximos. Embora, em todas as noites, ao irem dormir, a tensão sexual estivesse ali, a animosidade havia ido embora. Assim, conseguiam manter a civilidade e até certa cumplicidade.Os flertes ficaram mais abertos, os sorrisos, menos discretos, e os olhares, mais ousados. Era difícil disfarçar o interesse que um nutria pelo outro, mas, de alguma forma, eles ainda conseguiam se segurar. Especialmente o tenente. Era sempre ele quem freava as brincadeiras e os flertes mais ousados.— Sabe...? — Violet começou enquanto trocava o soro de uma jovem que estava desnutrida. A moça estava melhorando consideravelmente e dormia, calma e serena, ap&oacu
O HOMEM DAS CAVERNAS“Todos os cinco horizontesGirando ao redor de sua alma. Como a terra ao redor do solAgora o ar que eu provei e respireiMudou de rumo”Black – Pearl JamLinda, ele disse que ela estava linda. Macon orientou a médica pela trilha até seu destino. A trilha cortava o Parque Nacional da Floresta Nyungwe e dava direto no quartel general. Com Thomas e Melanie os acompanhado, ambos ficaram calados sobre o que havia acontecido poucos minutos antes, mas não significava que tivessem esquecido. Os dois repassavam a cena mentalmente repetidas vezes, tentando decifrar a troca que tiveram, entender se estavam na mesma página, queriam saber o que aconteceria em seguida.Ela se apoiou em seu braço enquanto eles andavam cuidadosamente para que ela não machucasse seus pés delicados, Mellie e Tom
APAIXONADOS“Quando a noite tiver chegado e a terra estiver escura e a lua for a única luz que veremos, eu não terei medo. Desde que você fique comigo.” Stand by me – Ben. E KingEles não se despediram da floresta quando o momento selvagem foi embora. Macon sentou-se na relva e puxou Violet para ficar no meio de suas pernas. Juntos, em silêncio, eles admiraram a escuridão que os cobria quase por completo, a exceção era dada pela luz das estrelas e da bela lua de Ruanda. Ele acariciou seus braços, beijou seus ombros e suspirou em seu ouvido enquanto ela apenas sorria e contemplava o que havia acabado de acontecer.O silêncio contemplativo era bem-vindo e confortável. Tão confortável quanto Violet nos braços dele. Parecia mais que fora feita para estar ali.Mas
O QUE NÃO FOI DITO“Segure a respiração e conte até dezSinta a terra se mexer e entãoOuça meu coração explodir novamente”Skyfall – AdeleNos dias que seguiram, o casal fazia o seu trabalho de dia e se enroscava na cama improvisada no chão do quarto à noite. Era simples assim. Eles falavam, conversavam sobre tudo, exceto sobre o seu relacionamento. Era cedo, Violet sabia daquilo. Entendia que Macon queria aproveitar o tempo que tinham sem dramas, mas, droga, a medida em que ia caindo de amor por aquele homem, não pensar em como seria no futuro estava cada vez mais difícil. Porém, com medo de perturbar a harmonia que estava vivendo com ele, não tocou no assunto.Macon, embora realmente quisesse aproveitar, pensava, sim, em como seria o seu futuro com Violet. Pensava além. E as chances