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ALÉM DE UM AMANHECER
ALÉM DE UM AMANHECER
Por: Rafael Zimichut
1 “A Alma Poética...”

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“A Alma Poética...”

DENISE WAREEN jamais tinha reparado que são as coisas mais simples da vida que realmente nos marcam, vivia para o seu trabalho, e onde ela exercia seu ofício consumia boa parte de sua vida, bem, de sua até então fatídica vida até aquele momento.

          Denise trabalhava em um escritório de advocacia. Sua vida era regrada, cheia de rotinas diárias, prazos processuais e toda aquela loucura que o mundo jurídico causava em qualquer louco que se aventurava naquele universo. Acordava às 06h00m da manhã todos os dias – até mesmo aos finais de semana –, acordava sua irmã mais nova Michelle – à qual dava um trabalho enorme para se levantar –, mas seu relacionamento com a irmã era pacífico apesar das suas gigantescas diferenças.

          As duas perderam a mãe muito cedo, como seu pai trabalhava em uma indústria metalúrgica e pagava todas as contas da casa, Denise ajudou a cuidar de Michelle desde então.

          Elas sempre foram muito unidas. Enquanto Michelle limpava a casa, lavava e passava a roupa enquanto Denise fazia a comida e ajudava seu pai com algumas despesas da casa, como água, luz e telefone. Era uma família unida, mas não sabiam nada sobre a vida um do outro – por incrível que pareça.

  –– Mi... – Gritou Denise da porta – é hora de acordar, princesa.

  Antes mesmo que Denise pudesse se recompor, Michelle saiu correndo do quarto.

          –– Que pressa é essa?

          –– Tenho certeza que você esqueceu, não é mesmo?

          Denise estava com a cabeça em outra galáxia, ela havia escrito a peça de teatro que sua irmã iria encenar na escola.

          –– É verdade, me esqueci totalmente.

  Ela se ajoelhou diante da irmã mais nova e disse:

          –– Prometo que vou tentar, tudo bem?

          Mas Michelle já sabia que a irmã iria furar com ela.

DENISE ERA UMA PESSOA extremamente carente, jamais tivera um grande amor em sua vida, apenas algumas dezenas de desilusões amorosas. Homens como Johan Willians, que chegou até marcar noivado com ela e no mesmo dia, Denise o pegou traindo com a sua então melhor amiga – Chayane Tilton –, a garota mais popular – para não dizer rodada, afinal, para quem tinha o apelido de corrimão, já dava para imaginar que tipinho era a garota – da faculdade.

          Foi uma situação terrível para Denise, a deixou em estado de choque por dias. Johan nem quis se explicar, ele sabia que estava completamente errado, e por mais que tentasse se explicar, não tinha nada que se desculpar, ela tinha escolhido se guardar para o casamento e não era culpada pelos hormônios do namorado estarem saltando aos vinte anos de idade.

          Depois disso, Denise jamais tornou a ver os dois juntos, foi apenas um romance de verão e logo tudo acabou.

          Isso já faziam quatro anos aproximadamente.

          A angústia foi tamanha que Denise chegou a frequentar psicólogos para conseguir superar essa dor tão imensa – a dor de uma traição. Ela até tentou sair com seu melhor amigo – Bryan Fanigan –, mas eles se conheciam desde criança, Denise não gostava realmente dele, na verdade, Denise foi apaixonada por Bryan até seus quinze anos de idade, mas ele nunca a olhara dessa maneira, Bryan começou a gostar de Denise quando começou a namorar Johan, no fim de tudo foram apenas desencontros que tiveram um fim desencontrado.

          Ele avisou desde o começo que aquilo não daria certo. Foi quando Bryan descobriu o porquê que Johan estava sempre ocupado em alguns dias da semana para Denise – pois estava saindo com Chayane, que há poucas semanas havia aceitado ser namorada dele (Bryan). Foi uma traição dupla – pelo menos era isso que Denise sentia.

          Denise começou a trabalhar dobrado no serviço, e aos finais de semana, se afundava desesperadamente em Shakespeare e suas tragédias como terapia – comparando–as com suas próprias tragédias pessoais das quais estava afundada em suas tempestades.

          Denise se sentia a Julieta sem ter coragem para tirar a própria vida por amor de seu fajuto e covarde Romeu – sabendo que seu amado não merecia tamanho sacrifício assim, se é que ela já não tinha se sacrificado demais e receber absolutamente nada em troca por tudo que havia feito por ele.

          Denise se reerguera aos versos de seu escritor favorito como uma Fênix, ela sabia mais do que qualquer pessoa que Shakespeare jamais teve um grande amor de verdade na vida, por isso ele falava do amor com grande propriedade, era apenas um tolo sonhador que sabia usar as palavras certas para as pessoas erradas, no caso, ele mesmo – e Denise.

“Quando tiveres completado teus quarenta anos,

É cavado sulcos profundos onde agora és bela,

Essa tua juventude tão orgulhosa que todos ficam maravilhados,

Será somente um resto pisoteado,

Que ninguém mais se virará para ver,

Então, indagado sobre que beleza era aquela,

Que tesouro aquele de teus dias encantadores,

Dizer que se encontrem afundados nos teus olhos já opacos,

Isso seria ridículo e um elogio que ninguém entenderia,

Poderias merecer mais elogios...1

          Denise estava quase se formando em Literatura na faculdade, e dificilmente negaria que sua vida era sem graça. Acordava, tomava café da manhã com sua família, ia trabalhar em um lugar que não tinha absolutamente nada a ver com ela, ou o que sonhava fazer, ia para a faculdade – nenhum garoto daqueles a interessava –, era somente ela e seus livros de poemas, esse era o seu mundo e nada mais.

          Dia após dia, Denise não se cansava de lê–los, parecendo estar fugindo de algo – ou de alguém –, talvez até dela mesma.

          A vida tinha sido tão injusta todo esse tempo, tudo para Denise tinha sido mais difícil do que para as outras pessoas que ela conhecia. Todos tinham uma mãe – ela não –, todos tinham um belo e fiel namorado – e estavam perdidamente apaixonados, ela não –, todos tinham um sorriso atraente no rosto – ela também achava que não tinha. Tudo na vida das outras pessoas eram incomparavelmente mais fáceis, como se Denise fosse uma guerreira fadada a lutar sempre do lado mais fraco, sem nunca ter seu merecido prêmio por mais que se esforçasse tanto. Tudo tinha que ser na base da conquista – ou na base da porrada, como diria seu pai. ­

TODAS AS MANHÃS, quando chegava no escritório, eram pilhas e mais pilhas de processos para que Denise as revisasse um por um, sem erros e sem deixar passar um detalhe sequer – não é à toa que ela era a funcionária modelo.

          Mas ser uma pessoa eficiente tinha seu lado ruim – pensava Denise –, qualquer deslize e isso já lhe custaria muito caro, pois todos esperam a excelência de quem sempre ofereceu excelência.

          Existia outro fator que todos nunca conseguiram entender muito bem, como uma garota tão linda quanto Denise, nunca sequer tinha dado certo em um relacionamento? Ela tinha o corpo perfeito, se vestia impecavelmente bem, inteligentíssima.

          Denise sempre sonhara com sua vida escrita em versos de Shakespeare...

“Mas os céus em sua criação decretaram,

Que o teu rosto apenas o doce amor deveria se estabelecer,

Quais fossem teus pensamentos ou funcionamentos de coração,

Os teus lábios nada diriam senão doçura,

Quão parecida com a maçã de Eva não será tua beleza,

Se a tua doce virtude não for a mesma que a tua aparência2

          Infelizmente a vida não era tão doce quantos os versos de um poema, seu chefe – o Dr. John Stockholm –, doutor em Direito Penal, sempre a cobrara demais, afinal, era o melhor advogado do Estado em sua área, e não podia se dar ao luxo de perder o seu cargo e status por erros técnicos de pessoas “inexperientes“, apesar de tudo, a vida sempre continua para Denise...

1 Willian Shakespeare – Sonetos / II

2- Willian Shakespeare – Sonetos / XCIII

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