1
“A Alma Poética...”
DENISE WAREEN jamais tinha reparado que são as coisas mais simples da vida que realmente nos marcam, vivia para o seu trabalho, e onde ela exercia seu ofício consumia boa parte de sua vida, bem, de sua até então fatídica vida até aquele momento.
Denise trabalhava em um escritório de advocacia. Sua vida era regrada, cheia de rotinas diárias, prazos processuais e toda aquela loucura que o mundo jurídico causava em qualquer louco que se aventurava naquele universo. Acordava às 06h00m da manhã todos os dias – até mesmo aos finais de semana –, acordava sua irmã mais nova Michelle – à qual dava um trabalho enorme para se levantar –, mas seu relacionamento com a irmã era pacífico apesar das suas gigantescas diferenças.
As duas perderam a mãe muito cedo, como seu pai trabalhava em uma indústria metalúrgica e pagava todas as contas da casa, Denise ajudou a cuidar de Michelle desde então.
Elas sempre foram muito unidas. Enquanto Michelle limpava a casa, lavava e passava a roupa enquanto Denise fazia a comida e ajudava seu pai com algumas despesas da casa, como água, luz e telefone. Era uma família unida, mas não sabiam nada sobre a vida um do outro – por incrível que pareça.
–– Mi... – Gritou Denise da porta – é hora de acordar, princesa.
Antes mesmo que Denise pudesse se recompor, Michelle saiu correndo do quarto.
–– Que pressa é essa?
–– Tenho certeza que você esqueceu, não é mesmo?
Denise estava com a cabeça em outra galáxia, ela havia escrito a peça de teatro que sua irmã iria encenar na escola.
–– É verdade, me esqueci totalmente.
Ela se ajoelhou diante da irmã mais nova e disse:
–– Prometo que vou tentar, tudo bem?
Mas Michelle já sabia que a irmã iria furar com ela.
DENISE ERA UMA PESSOA extremamente carente, jamais tivera um grande amor em sua vida, apenas algumas dezenas de desilusões amorosas. Homens como Johan Willians, que chegou até marcar noivado com ela e no mesmo dia, Denise o pegou traindo com a sua então melhor amiga – Chayane Tilton –, a garota mais popular – para não dizer rodada, afinal, para quem tinha o apelido de corrimão, já dava para imaginar que tipinho era a garota – da faculdade.
Foi uma situação terrível para Denise, a deixou em estado de choque por dias. Johan nem quis se explicar, ele sabia que estava completamente errado, e por mais que tentasse se explicar, não tinha nada que se desculpar, ela tinha escolhido se guardar para o casamento e não era culpada pelos hormônios do namorado estarem saltando aos vinte anos de idade.
Depois disso, Denise jamais tornou a ver os dois juntos, foi apenas um romance de verão e logo tudo acabou.
Isso já faziam quatro anos aproximadamente.
A angústia foi tamanha que Denise chegou a frequentar psicólogos para conseguir superar essa dor tão imensa – a dor de uma traição. Ela até tentou sair com seu melhor amigo – Bryan Fanigan –, mas eles se conheciam desde criança, Denise não gostava realmente dele, na verdade, Denise foi apaixonada por Bryan até seus quinze anos de idade, mas ele nunca a olhara dessa maneira, Bryan começou a gostar de Denise quando começou a namorar Johan, no fim de tudo foram apenas desencontros que tiveram um fim desencontrado.
Ele avisou desde o começo que aquilo não daria certo. Foi quando Bryan descobriu o porquê que Johan estava sempre ocupado em alguns dias da semana para Denise – pois estava saindo com Chayane, que há poucas semanas havia aceitado ser namorada dele (Bryan). Foi uma traição dupla – pelo menos era isso que Denise sentia.
Denise começou a trabalhar dobrado no serviço, e aos finais de semana, se afundava desesperadamente em Shakespeare e suas tragédias como terapia – comparando–as com suas próprias tragédias pessoais das quais estava afundada em suas tempestades.
Denise se sentia a Julieta sem ter coragem para tirar a própria vida por amor de seu fajuto e covarde Romeu – sabendo que seu amado não merecia tamanho sacrifício assim, se é que ela já não tinha se sacrificado demais e receber absolutamente nada em troca por tudo que havia feito por ele.
Denise se reerguera aos versos de seu escritor favorito como uma Fênix, ela sabia mais do que qualquer pessoa que Shakespeare jamais teve um grande amor de verdade na vida, por isso ele falava do amor com grande propriedade, era apenas um tolo sonhador que sabia usar as palavras certas para as pessoas erradas, no caso, ele mesmo – e Denise.
“Quando tiveres completado teus quarenta anos,
É cavado sulcos profundos onde agora és bela,
Essa tua juventude tão orgulhosa que todos ficam maravilhados,
Será somente um resto pisoteado,
Que ninguém mais se virará para ver,
Então, indagado sobre que beleza era aquela,
Que tesouro aquele de teus dias encantadores,
Dizer que se encontrem afundados nos teus olhos já opacos,
Isso seria ridículo e um elogio que ninguém entenderia,
Poderias merecer mais elogios...1”
Denise estava quase se formando em Literatura na faculdade, e dificilmente negaria que sua vida era sem graça. Acordava, tomava café da manhã com sua família, ia trabalhar em um lugar que não tinha absolutamente nada a ver com ela, ou o que sonhava fazer, ia para a faculdade – nenhum garoto daqueles a interessava –, era somente ela e seus livros de poemas, esse era o seu mundo e nada mais.
Dia após dia, Denise não se cansava de lê–los, parecendo estar fugindo de algo – ou de alguém –, talvez até dela mesma.
A vida tinha sido tão injusta todo esse tempo, tudo para Denise tinha sido mais difícil do que para as outras pessoas que ela conhecia. Todos tinham uma mãe – ela não –, todos tinham um belo e fiel namorado – e estavam perdidamente apaixonados, ela não –, todos tinham um sorriso atraente no rosto – ela também achava que não tinha. Tudo na vida das outras pessoas eram incomparavelmente mais fáceis, como se Denise fosse uma guerreira fadada a lutar sempre do lado mais fraco, sem nunca ter seu merecido prêmio por mais que se esforçasse tanto. Tudo tinha que ser na base da conquista – ou na base da porrada, como diria seu pai.
TODAS AS MANHÃS, quando chegava no escritório, eram pilhas e mais pilhas de processos para que Denise as revisasse um por um, sem erros e sem deixar passar um detalhe sequer – não é à toa que ela era a funcionária modelo.
Mas ser uma pessoa eficiente tinha seu lado ruim – pensava Denise –, qualquer deslize e isso já lhe custaria muito caro, pois todos esperam a excelência de quem sempre ofereceu excelência.
Existia outro fator que todos nunca conseguiram entender muito bem, como uma garota tão linda quanto Denise, nunca sequer tinha dado certo em um relacionamento? Ela tinha o corpo perfeito, se vestia impecavelmente bem, inteligentíssima.
Denise sempre sonhara com sua vida escrita em versos de Shakespeare...
“Mas os céus em sua criação decretaram,
Que o teu rosto apenas o doce amor deveria se estabelecer,
Quais fossem teus pensamentos ou funcionamentos de coração,
Os teus lábios nada diriam senão doçura,
Quão parecida com a maçã de Eva não será tua beleza,
Se a tua doce virtude não for a mesma que a tua aparência2”
Infelizmente a vida não era tão doce quantos os versos de um poema, seu chefe – o Dr. John Stockholm –, doutor em Direito Penal, sempre a cobrara demais, afinal, era o melhor advogado do Estado em sua área, e não podia se dar ao luxo de perder o seu cargo e status por erros técnicos de pessoas “inexperientes“, apesar de tudo, a vida sempre continua para Denise...
1 Willian Shakespeare – Sonetos / II
2- Willian Shakespeare – Sonetos / XCIII
2“A Solidão...”DENISE, EM TESE, tinha tudo que qualquer mulher no mundo sonharia ter, era uma bela mulher, tinha uma casa excelente, uma família – que na pior das hipóteses, era uma família unida, mas ao mesmo tempo um tanto quanto distante –, mas mesmo assim, uma família agradável de conviver – sem brigas e nem nada. Denise estava em um bom emprego, apesar de ser desgastante, era um emprego bom, ganhava muito bem, tinha uma vida razoavelmente estável, o único problema para ela é que fora dali não tinha uma vida. A poesia sempre foi sua melhor companheira, em todos os momentos – sejam eles bons ou ruins. Denise estava escrevendo um livro de poesias, tinha escrito poucas poesias até aquele momento, é verdade, mas com muito significado em sua vida, e ela sabia qu
3“A Viagem...”EM MEIO A TANTOS PROBLEMAS, sempre existe notícias boas e oportunidades que vêm nos trazer a paz que tanto precisamos em meio às guerras do cotidiano. Era uma quinta–feira ensolarada quando no escritório toca o telefone: –– Escritório do Dr. Stockholm, bom dia. Denise atendeu ao telefone com toda a naturalidade do mundo, do qual ouviu a resposta de uma forma totalmente diferente. –– Buenos dias... yo gostaria de hablar con Denise Wareen. –– Sou eu mesma, quem gostaria? – Ela responde com um ar de suspense, ape
4“A Despedida...”–– ALÔ... DAIANA, tudo bem? –– Sim, Denise... Sou eu... Pode falar, querida. –– Queria que você soubesse que amanhã mesmo estarei embarcando com tudo pago... Meu patrão vai pagar todas as despesas da viagem, só me pediu para deixar o celular ligado para alguma eventualidade, mas creio que não acontecerá nada de extraordinário, já que deixei tudo pronto para ele. –– Que maravilha, eu tinha certeza que você viria, deixarei tudo pronto para você aqui, assim que chegar, pode me ligar, que irei busca-la no aeroporto, já fiz um pequeno roteiro de viagem para você.&n
5“Um passo no céu...”DENISE ABRAÇOU a irmã como nunca a tivera abraçado antes, estavam somente elas, pois o pai de Denise odeia despedidas, mas ela entendia muito bem como era para ele, pois sua mãe se foi sem se despedir deles, depois disso, ficou algo dentro dele que ninguém jamais poderia retirar. –– Olha, Michelle – disse Denise – estarei pensando em você em todos os momentos lá na Espanha, gostaria muito que passassem rápidos para te ver novamente, mas queria muito que passassem devagar, para que eu possa com calma conhecer tudo que existe por lá, e também para ter tempo de escrever meu livro da melhor maneira possível. –– Eu sei como é, hermana, aproveita bastante...
6“Barcelona...”A NOITE DE BARCELONA vista do alto era belíssima, para alguém que jamais tinha saído de sua cidade, aquilo era praticamente um novo reino, um lugar novo. O avião pousara tão suavemente que Denise nem sentira que já estava no chão, apenas ficava admirando de longe a belíssima paisagem. Ficava pensando consigo mesmo – Como seria bom se a minha mãe pudesse estar aqui e aproveitar essa belíssima paisagem, com certeza ela escreveria algo sobre isso, algo relacionado às luzes noturnas de Barcelona... Ao descer do avião, ouvira de longe seu nome... “Denise...”...
7“Um inesquecível encontro...”“Mas os céus em tua criação decretaramque no teu rosto apenas o doce amor deveria se estabelecerquais fossem teus pensamentos ou funcionamentos de coraçãoos teus lábios nada diriam senão doçuraquão parecida com a maçã de Eva não será tua belezase a tua doce virtude não for a mesma que a tua aparência?17”–– SONHANDO ACORDADA de novo? –– Que nada, Dai... Estava apenas lendo um pouquinho... –– Você está aqui para relaxar e não para fi
8“Um verso para o futuro...”–– ALÔ! QUEM FALA? –– Sou eu, o Richard, tudo bem? –– Richard? Ah! Sim... Claro... Tudo bem, Richard? –– Tudo maravilhoso, na verdade, melhor agora ouvindo a sua doce voz. –– Uau!!! Quanta honra... Mas... Como foi que você conseguiu o número do meu celular, Richard? –– Na verdade foi relativamente fácil, quando nós trombamos ontem ali no parque, acabamos trocando nossos livros sem querer. Sério? Nem tinha reparado – peg
9“Nas curvas do destino...”“Invejo o ourives quando escrevo: Imito o amorCom ele, em ouro, o alto–relevoFaz de uma florImito–o. E, pois, nem de CarraraA pedra firo: O alvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro.Por isso, corre, por servir–me, Sobre o papelA pena, como em prata firmeCorre o cinzel. Corre: desenha, enfeita a imagem,A ideia veste: Cinge–lhe ao corpo a ampla roupagemAzul–celeste.Torce, aprimora, alteia, limaA frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima,Como um rubim.Quero que a estrofe cristalina,Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficinaSem um defeito: E horas sem conta passo, mudo,O olhar atento