DIAS DEPOIS...AntonelaHoje é sábado e Milena e eu estamos no apartamento da minha avó aqui no Leblon.— Nossa, a vista aqui é linda, Nélis! — Milena fala, vindo da sacada.— Sim, é incrível! Minha avó tem bom gosto para tudo, e falando nela, que saudade estou sentindo. Nem parece que estive com ela há pouco tempo em Paris.— Faz anos que a Ângela não vem ao Brasil, né?— Faz! Ela quase não vem mais.— Vamos começar a produção? Quero tomar um banho bem delicioso de banheira. Depois colocaremos um look “mara” e faremos uma maquiagem bafônica. — Milena diz, empolgada.— Tá! Mas como a gente vai fazer? Porque com certeza devem ter soldados aqui na frente do prédio me vigiando, o Gabriel não iria deixar numa boa eu vir pra cá sozinha!— Não se preocupa! Tem algum carro da sua avó na garagem, não tem?— Tem dois juntando poeira, inclusive. Afinal, não são usados há muito tempo.— Então está tudo no esquema. A gente vai com um deles. Os soldados não conhecem os carros da Ângela. — Milena f
RafaelaFoi uma surpresa saber que Antonela também é moradora de favela. Ela parece muito com essas Patricinhas da pista, aliás, a Milena também.Eu tenho uma amiga que mora no asfalto, inclusive, foi indo a uma festa da faculdade dela que conheci a Milena. Mas é uma das poucas com quem tenho amizade fora daqui. Ela era moradora da Pedreira e quando os pais se separaram, foi embora da comunidade com a mãe, mas a nossa amizade continuou.Não gosto muito das Patricinhas, pois se acham melhores do que a gente pelo simples fato de morarem em bairros nobres. Mas estão sempre subindo o morro pra comprar droga e dar pra bandido. Hipocrisia pura.O pai da Antonela deve ser muito controlador, porque ela ficou com muito medo dele descobrir que ela está aqui, então não vou contar a ninguém o verdadeiro nome dela. Poucas pessoas fazem amizade comigo, morar em favela nos dá cicatrizes de dores alheias, das quais não temos culpa.DJ Binho está se apresentando e a galera está indo a loucura. Milena,
Antonela A história do primo da Rafa não saía da minha cabeça. É muito estranho saber que o filho de um policial seguiu o caminho do crime. Milena e Rafaela estão muito doidas, já beberam todas. Eu bebo menos, mas bebo também. Vou até o cara que está preparando os drinks para encher meu copo que está vazio. Quero tomar mais alguma coisa pra ver se esse tal Cold sai da minha cabeça. Aliás, que vulgo é esse, gente? — O que essa princesa quer beber? — O rapaz pergunta enquanto entrega dois copos a um cara com um fuzil enorme nas costas, que aguardava. — Então... acho que vou querer igual ao que você entregou para o cara ali. — Hi, morena, aquilo ali não é bebida pra uma princesa como você, não! Sorrio ao ser chamada de morena. Eu cresci ouvindo meu pai chamar minha mãe assim. Dizem que me pareço muito com ela e gosto dessa comparação, pois minha mãe é uma mulher linda e incrível. — Então qual drink você me indica? — O mais leve! — Uma voz grossa fala ao meu lado — Faz um sem á
G4No início de semana, o ritmo no morro tá frenético.Pessoas sobem, outras descem.Coleta de lixo, entrega de abastecimento de gás, vapores no comércio intenso nas biqueiras. Grana numa mão, drogä na outra, e todo mundo fica contente.Faturar alto é o plano e o esquema não pode falhar nunca. Nesse lema, o sucesso é garantindo.Tudo palmeado enquanto ando acelerado de moto pelo morro. Leco me ajuda nisso. Ele é sagaz e mesmo ainda sendo um moleque, cresceu nesse mundo entre drogäs, armas e mortes, assim como eu, então a maturidade chegou cedo pra nós.Na escola da vida, onde meu pai e o dele foram nossos professores, nós nos formamos com maestria no crim€.Chego no paiol estacionando minha moto que de tão acelerada que estava, levantou poeira do chão. Leco gesticula e fala impaciente com alguns soldados.Ali, só de bermuda, deixando as várias tatuagens à mostra e o fuzil atravessado no peito, mesmo ainda sendo tão novo, ele mostra que tem o porte de um líder.Assovio.Ele se aproxima
Antonela Depois do baile na Pedreira, a amizade com a Rafa só se fortaleceu. Milena, ela e eu nos falamos diariamente, inclusive por chamadas de vídeo. Três garotas de três comunidades diferentes, mas com uma vida tão parecida. O destino tem dessas coisas. A Rafaela é uma pessoa incrível: muito simples, humilde, extrovertida e sem papas na língua. E o primo dela? Ele é uma tentação. Eu quase me perdi nos braços dele. Foram os amassos mais quentes que já vivi. O Cold sabe o que dizer, o que e como fazer. Ele é o perigo em forma de homem, e eu quase perdi minha virgindade durante um baile funk, com um cara que eu nunca tinha visto, atrás de um camarote de uma comunidade desconhecida. Onde eu estava com a minha cabeça? Na noite do baile, quando retornamos ao camarote, estava estampado, pelo menos na minha cara, que eu estava com ele. Era nítido que havia rolado algo entre nós. Só depois as meninas me contaram que, quando retornaram da pista me procurando, nos viram aos beijos, prova
ThierryMorando num quarto minúsculo de uma pensão barata, em um bairro nada nobre, vou levando minha vida do jeito que dá.Uma cama de casal com colchão ruim, um frigobar velho e uma televisão onde, tantas vezes, assisti reportagens sobre o Complexo da Penha, o temido traficante Carioca e seu famoso herdeiro, o tal G4, meus supostos pai e irmão.Penso que, se realmente eu fosse filho dele, minha vida poderia ter sido melhor. Da minha avó e da minha irmã também. Mas ele não me quis, e eu vivi uma vida de dúvidas e frustrações.Tantas vezes quis estar diante dele, olhar nos olhos e perguntar apenas: POR QUÊ?Por que ele nunca quis saber de mim?Mesmo sem ter a chance de perguntar, a resposta era clara: para ele, eu era um nada, e a possibilidade de ele ter matado minha mãe era grande. Minha avó desconfiava disso também. Para ela, havia duas possibilidades: minha mãe e o marido dela tinham sido mortos pela polícia ou pelo próprio Carioca, e, com medo, ela nos levou embora. Ela morria d
SÁBADO, DIA DE EVENTO NA ASSOCIAÇÃO:ThaylaA faculdade está tomando bastante parte do meu tempo, e não estou conseguindo ajudar tia Célia tanto quanto eu gostaria.Durante os intervalos das aulas, e às vezes na saída, Antonela e Milena conversam comigo, e confesso que está se formando uma amizade entre nós.Gostei delas. Elas parecem Patricinhas, mas só parecem mesmo, são extremamente simples.Antonela é totalmente diferente do irmão. Ela é simpática, humilde e meiga. Já ele, é arrogante, agressivo e se acha demais.Thierry parece que finalmente está tomando jeito na vida. Ele está trabalhando, e nós estamos nos falando diariamente.Eu o convidei para vir à nossa casa, e até que enfim ele aceitou. Agora só falta a tia Célia falar com o dono do morro, para ver se ele permite.Antonela me convidou para irmos a uma comemoração que terá hoje na associação. Lá tem projetos muito legais para as crianças da comunidade. Parece que foi a mãe dela quem ajudou a fundar. Mas já avisei que minha
ThaylaMilena chegou animada bem no momento em que o grupo de pagode começou a tocar.Ela beija minha bochecha e a da Antonela também.— Sua doida, você disse que não vinha!— Ai, Nélis, minha mãe acha que eu não paro mais em casa, mas consegui dobrar a dona Rebeca. Só que ela me fez prometer que, no próximo final de semana, vou ficar em casa. — Milena responde, revirando os olhos.Rimos.— Onde tem um desses pra mim? — Milena pergunta logo após tomar um gole da bebida de Antonela.— Vamos lá buscar, vem! — Antonela fala.Um tempo depois, o pagode está rolando solto, o grupo é bom e a música é muito animada. Já tomei alguns copos de drink, que, na verdade, não sei quantos foram, e de tempo em tempo olho para onde o G4 está. Ele e a loira pareciam ter muita intimidade.Eu não queria olhar, mas era mais forte que eu, e várias vezes nas quais olhei, ele também me olhava.— Ele não para de te olhar!Me assustei ao ouvir isso e olhei para as meninas.— Ai, para, Antonela. Não posso cair de