Era início de plantão quando Mariana encontrou o bilhete. Estava preso discretamente entre os papéis da prancheta de prontuário, em sua sala. Não havia envelope. Apenas uma folha dobrada com pressa. As letras rabiscadas carregavam a ameaça como uma promessa escrita a sangue:"Eu vou voltar pra te buscar. E dessa vez, não vou sair sem você. – Alemão"O estômago dela afundou. O coração acelerou com uma sensação que misturava medo e raiva. Ele tinha sido expulso do hospital dias antes, após a descoberta de que era um rival do Rei, o traficante que dominava aquele território — e com quem Mariana havia selado um acordo perigoso, mas necessário.Com o bilhete apertado na mão, ela saiu da sala. Não tinha outra escolha. Precisava falar com ele.[...]A casa do Rei exalava poder. Mariana foi recebida por um dos vapores, o Nando, que logo a conduziu até o andar de cima. Ele não perguntou nada. Apenas fez um gesto com a cabeça e a deixou em frente à porta do escritório.Ela bateu duas vezes.— E
Narrado pelo ReiO sol nem tinha nascido ainda quando bateram na minha porta com urgência. Acordei com a sensação de que algo não estava certo. Depois da noite com a Mariana, do corpo dela gemendo debaixo do meu, pensei que ia ter um pouco de paz. Ledo engano. A guerra não dorme, muito menos quando se trata de proteger o que é meu.— Rei, tem um vapor que não voltou da entrega. Dizem que tavam esperando ele na viela, e sumiu. — o gerente da boca falava com os olhos arregalados.— Quem? — perguntei, com a voz grave e seca.— O Guto, o novo. Tava indo com o carregamento leve, só um pacote, mas sumiu. Uns disseram que viram um carro preto parado, com os vidros fumê...A informação não me desceu. O Guto não era burro. Não ia vacilar. Isso tinha dedo de gente de fora. E a primeira coisa que veio na minha cabeça foi o bilhete que a Mariana recebeu. O maldito bilhete.— "Eu volto. Mas volto pra te buscar. E não vai demorar."Língua do Alemão. Aquele filho da puta tava me testando. Mexer com
Narrado por MarianaDesde o bilhete, eu não dormia direito. Por mais que o Rei dissesse que eu estava segura, que nada ia me acontecer de novo, alguma coisa no meu peito me apertava de um jeito estranho. Era como se eu sentisse que o pior ainda não tinha acontecido. E eu aprendi, na marra, que pressentimentos não devem ser ignorados.Voltei ao hospital naquela manhã, tentando me focar nos pacientes, nas reformas que já tinham começado e nos equipamentos novos que chegaram. A equipe tá mais animada, e isso me dava uma sensação de dever cumprido. Mas era só olhar pros lados e ver um guarda armado ou um olhar atravessado vindo de um canto da sala pra me lembrar que a paz ali dentro era frágil demais.Luísa veio me encontrar na hora do intervalo. A mesma de sempre: sorriso doce, rápida no café, cheia de piadas pra quebrar o gelo. Mas algo nela... não sei. Talvez fosse minha paranoia, talvez fosse o medo falando mais alto, mas eu comecei a reparar em cada olhar que ela dava pro meu celular
Narrado pelo ReiA chuva caía fina naquela manhã cinzenta, mas minha cabeça estava um caos muito maior do que qualquer tempestade que pudesse desabar sobre esse morro. Mariana tinha sumido desde a noite passada. Não respondia minhas mensagens, não atendia minhas ligações. Nem os vapores posicionados na frente da casa dela conseguiram trocar uma palavra com ela. Mandou dizer que não queria ver ninguém. Nem a mim.Sabia que ia dar merda. Eu senti. Desde o momento em que ela apareceu naquela noite, com os olhos molhados e o rosto duro, segurando aquelas fotos nas mãos como se fossem a arma do seu próprio desencanto.Ela jogou sobre a mesa sem dizer uma palavra. E eu, estatelado, olhei as imagens em preto e branco, tiradas à distância. Eu e o moleque. E mais ao fundo, a mulher. Bruna. O passado que eu nunca quis misturar com o presente. E que agora tava explodindo bem no meio do meu futuro.— Você tem uma família? — ela cuspiu as palavras, como se elas queimassem na boca. — Um filho? Uma
Narrado por Mariana — Eu quero conhecer o seu filho. As palavras saíram antes mesmo de eu pensar. A voz firme, mesmo com o coração acelerado. O Rei me encarou como se não tivesse entendido, mas eu sustentei o olhar. Tanta coisa tinha acontecido. Tanta coisa ainda estava por vir. Eu precisava entender se havia espaço para mim naquela vida dele. Ou se eu era só mais um capítulo de uma história que já tinha começado antes de mim. — Tem certeza? — ele perguntou, com a voz mais grave do que de costume. — Se a gente vai continuar, eu preciso saber quem faz parte da sua vida. E quero conhecer os dois: o seu filho e a mãe dele. O olhar dele mudou. Aquilo o pegou de surpresa. Mas eu estava decidida. Eu precisava encarar de frente. Precisava saber se eu era forte o bastante para lidar com tudo isso. [...] A casa era simples, afastada do centro. Um sobrado com muros altos e um portão cinza. Aquele tipo de lugar que passa despercebido. Mas eu não estava lá para observar a fachada. Quando
Narrado por Rei O moleque mal tinha fechado a porta e eu já tava com a respiração pesada. A minha mente dava voltas indo até horas atrás, quando por pouco eu não perdi o Juízo e acabei com o pingo de felicidade que faz a minha existência melhor. Me virei devagar pra Bruna, que agora fingia estar distraída com o celular. Mas ela sabia. Sabia que tinha ido longe demais. — Só não te destruí aquela hora porque meu filho tava aqui — falei, sem elevar a voz, mas com a firmeza de quem não repete. — E porque a Mariana tava do lado. Mas cê sabe, né? Isso aqui… isso tem limite. E você passou dele. Ela me encarou, meio sem graça, tentando manter a pose, mas não durou nem cinco segundos. — Foi só uma piada, Rei… relaxa. — Não, Bruna. Não foi piada. Foi desrespeito. Foi provocação. Foi veneno. E eu engoli. Pela última vez. Dei um passo à frente, encurtando o espaço entre a gente. Ela deu um passo pra trás, quase tropeçou no tapete. — Escuta bem: daqui pra frente, quando eu quiser ver meu fi
Narrado por Mariana O sol ainda nem havia surgido quando abri os olhos, sentindo a ardência sutil nas costelas. O lençol estava bagunçado, meu corpo nu sob ele, e a brisa que entrava pela janela me lembrava da madrugada passada. Levei a mão até a lateral do quadril e fechei os olhos por um segundo. Era ali que doía mais. Levantei devagar, caminhando até o espelho do banheiro. E lá estavam: marcas roxas, vermelhidões espalhadas, pequenos hematomas como assinaturas da noite anterior. O espelho devolveu meu reflexo com sinceridade cruel. Meu pescoço, a parte interna das coxas, os punhos... Ele não economizava intensidade. Toquei um dos hematomas com a ponta dos dedos. O corpo reclamou, mas a minha mente… a minha mente se incendiou. Como era possível que aquilo doesse tanto e ao mesmo tempo me lembrasse de tanto prazer? Suspirei fundo, apoiando as mãos na pia. O Rei me consumia. Não havia outra forma de dizer. Ele era como um incêndio dentro de mim. Não deixava espaço pra nada alé
Os dias seguintes à discussão entre Mariana e o Rei se arrastaram como semanas silenciosas e pesadas. Ela havia decidido se afastar. Precisava pensar, respirar, se entender longe dele. Havia muita coisa em jogo. Seu coração estava um caos, sua mente, dividida entre razão e desejo. Não era apenas sobre amor. Era sobre sobrevivência, identidade, e o que ela estava disposta a abrir mão por esse homem.O Rei sentiu o golpe com mais intensidade do que esperava. Mandou flores, caixas com livros que ela adorava, bilhetes com frases sórdidas que ela amava quando saiam de sua boca. Nenhuma resposta. Nenhuma mensagem visualizada. E isso o fez mudar. A frieza retornou ao olhar dele, a brutalidade nas decisões se intensificou. Quem trabalhava com ele notou. Era o Rei de antes de Mariana. Um homem que não hesitava. Um homem sem freios.Mariana, por sua vez, se jogou de cabeça no trabalho. Mas não conseguia dormir. Os hematomas em seu corpo ainda marcavam a noite de entrega e dor que viveram juntos