Aurora vagava pela mata, os pés descalços afundando na terra úmida, o coração feito um tambor de guerra batendo no peito. As imagens do sonho ainda pulsavam em sua mente, frescas como se fossem reais. O toque dele… em outra. O olhar de desejo. A marca no pescoço.Elena.Tudo nela gritava que era mentira. Tudo… menos a dor.O vínculo entre ela e Darius, que antes era luz e força, agora parecia enevoado, instável. Como se algo o contaminasse, como se ele estivesse sendo dividido. Ela se sentia fraca. Sozinha. Vulnerável.Foi então que a floresta sussurrou.— Está quebrando, filha da lua...Aurora parou.— Quem está aí?Do meio das árvores, surgiu uma figura encurvada, coberta por peles antigas e colares de ossos. A loba anciã, Morgra. Ninguém sabia sua idade, mas todos sabiam que ela era a guardiã do antigo. Daquilo que até a Matilha da Lua Negra temia.— A marca em ti está em guerra — Morgra murmurou, se aproximando devagar. — A magia quer te dividir. Ela usa tua mente. Teu ventre. Tua
A noite caiu pesada sobre a floresta. Nenhum som de coruja, nem o farfalhar do vento. O silêncio era espesso como fumaça. Aurora sentia o coração pulsar junto à terra, agora conectada a algo que nem ela compreendia completamente. Morgra dormia encolhida perto do fogo, mas a jovem não conseguia fechar os olhos. O espelho e o frasco prateado estavam ao seu lado como lembretes de que nada seria como antes.Ela bebeu o líquido.No segundo seguinte, foi como se tivesse engolido relâmpago. A mente clareou. As vozes sumiram. Pela primeira vez em dias, ela conseguia pensar sem dor.E com clareza veio a decisão.Ela ia treinar. Ia lutar. Ia proteger o que era dela.—Enquanto isso, na fortaleza, o caos.Darius destruía o salão principal. A mesa da aliança — partida ao meio. Os guerreiros se entreolhavam, tensos, sem ousar interromper o alfa em fúria. As garras dele estavam à mostra. Os olhos, dourados e bestiais. Um rugido ecoou pelas paredes de pedra, estremecendo até os pilares.— Quero Morg
Os trovões anunciavam o que viria.A floresta parecia em suspense, as árvores inclinadas como se prestassem reverência à loba que agora caminhava entre elas com olhos de relâmpago. Aurora não era mais apenas a filha da lua perdida. Ela era o eco de um poder antigo, o despertar de uma linhagem esquecida, o ventre de um novo tempo.A capa negra balançava atrás de si, presa aos ombros por presilhas de osso lunar. Morgra, silenciosa, observava do alto da colina. A aprendiz estava pronta. Mas não era apenas uma luta que se aproximava… era o destino cobrando sua dívida.— Vai sozinha? — perguntou a anciã, mesmo já sabendo a resposta.Aurora não hesitou.— Essa batalha é minha.Morgra assentiu, entregando-lhe o colar de garras prateadas.— Que os espíritos antigos te reconheçam. Que tua luz fira os olhos dos traidores.Aurora sorriu de canto. Um sorriso de lobo.— Hoje, eu acabo com a bruxa.—Na fortaleza, Darius sentiu a mudança no ar.Ele estava no salão, os olhos fechados, quando o víncu
O portão da fortaleza se abriu com um rangido ancestral, ecoando pelos corredores como um presságio. Todos pararam. Lobos em forma humana, servos, guerreiros… ninguém ousava dar um passo ou sequer respirar alto. Porque o ar tinha mudado.Um cheiro novo... ou melhor, antigo, tão forte quanto sangue derramado e tão doce quanto o cio da lua cheia.Aurora estava de volta.Caminhava entre eles de cabeça erguida, coberta de terra, ferida, mas invencível. Os olhos dela — brilhantes como prata fundida — não desviavam de nada. Quem a olhava nos olhos, abaixava a cabeça. A fêmea que saíra da fortaleza era uma loba dividida. A que retornava… era uma rainha forjada na guerra.No alto da escadaria, Darius esperava.Quando seus olhos encontraram os dela, algo se partiu dentro dele. Era o desejo bruto, sim, o amor que não cabia no peito… mas também a culpa. Porque mesmo sem ter cedido à Elena, ele se sentia sujo por ter sido manipulado, fraco por não ter enxergado antes.— Aurora… — ele sussurrou.E
A noite caiu pesada sobre os telhados da nova fortaleza. O vento assobiava entre as torres como um presságio antigo, e a lua, quase cheia, parecia observar tudo lá do alto — silenciosa, cúmplice, julgadora.Aurora caminhava pelos corredores escuros como uma sombra. Não queria ser vista, não ainda. Darius dormia, exausto depois de uma reunião com os anciãos das duas matilhas. E ela… precisava fazer aquilo sozinha.O ventre pesava. Não fisicamente — ainda não. Mas o lobo que crescia dentro dela pulsava com poder. Às vezes, ela sentia como se outra alma tocasse a dela, chamando, sussurrando segredos que ainda não sabia decifrar.Parou diante da porta coberta por folhas secas e símbolos ancestrais. A caverna de Morgra.Aurora bateu uma vez. A madeira gemeu. A voz da velha surgiu do escuro, rouca como pedra:— Eu senti você. Entra.A jovem loba respirou fundo e entrou. O ambiente era abafado, repleto de ervas penduradas e velas acesas que pareciam queimar com um fogo que não vinha desse mu
Prepara o coração, que o herdeiro está despertando.A lua estava baixa no céu, ainda em fase crescente, mas já espalhava um brilho estranho sobre a floresta que cercava a fortaleza. Os lobos mais antigos diziam que aquele tipo de luz não era normal — que parecia observar, em vez de apenas iluminar.Na ala norte da fortaleza, Aurora dormia. Ou pelo menos tentava. Desde o ritual com Morgra, seu corpo estava mais sensível. Cada movimento no ventre parecia um trovão. Cada sonho… um prenúncio.Aquela noite, no entanto, não foi um sonho. Foi uma visão.Ela se viu de pé, sozinha, em meio a um campo de neve. O vento gelado cortava a pele, mas Aurora não tremia. Havia uma presença ali — forte, poderosa, e ao mesmo tempo... familiar.— Mamãe...A voz era de criança, mas ecoava como se viesse de dentro da terra. Aurora se virou. E o viu.Um menino de uns cinco anos, cabelos prateados como o luar, olhos dourados como o próprio sol, e ao redor dele… uma energia que fazia o mundo se curvar. Caelum.
O tempo na fortaleza parecia ter se dobrado.Meses haviam se passado desde o casamento de Aurora e Darius, desde que a união das matilhas trouxe paz ao território. Mas aquela paz era apenas a superfície. Por baixo, algo novo germinava. E não era só a tensão crescente com os sinais da bruxa viva… Era Caelum.Aurora andava diferente. Seus olhos estavam mais profundos, os sentidos mais aguçados, os poderes à flor da pele — mas o que poucos sabiam é que dentro dela crescia uma vida marcada pela profecia antiga.Na noite do eclipse, quando a lua se pintou de vermelho e os lobos uivaram como se sentissem algo no ar, Aurora caiu de joelhos no centro do salão, com as mãos pressionando a barriga.Darius correu, os olhos arregalados, o lobo dele quase tomando o controle.— Está na hora — ela sussurrou, o suor escorrendo pela testa. — Ele… ele quer nascer agora.E ele não queria esperar.As anciãs das duas matilhas cercaram a alfa, preparando a câmara sagrada no coração da fortaleza. Era o antig
A noite caía como um véu prateado sobre a floresta. O céu, limpo, deixava a lua cheia brilhar com uma fúria silenciosa. Ela parecia maior naquela noite — quase viva, pulsando no alto como um coração de luz.Dentro da clareira sagrada, onde só os alfas e seus escolhidos pisavam, Aurora estava ajoelhada na grama, com Caelum nos braços. Darius estava ao lado, calado, os olhos fixos no pequeno corpo do filho, que se contorcia inquieto.— Ele sente — disse Aurora, baixinho, como se falasse para si mesma. — A lua o chama.Caelum, ainda bebê, soltava pequenos rosnados, o corpinho quente tremendo como se algo dentro dele tentasse romper a pele. A noite estava pesada, o ar vibrando de energia. Darius franziu o cenho, sentindo o cheiro metálico que só surgia quando a magia tocava o mundo físico.— Ele está se transformando… — murmurou o alfa, incrédulo.Aurora olhou para o filho, os olhos brilhando com lágrimas. Não de medo. Mas de reverência. Ela sabia. Sempre soube. O sangue dentro dele era o