A fumaça espessa do charuto pairava no ar como um véu de arrogância e poder. Carlo Bianchi estava recostado na poltrona de couro envelhecido, os olhos semicerrados voltados para o horizonte de Nápoles. Lá fora, a cidade sussurrava seus segredos entre a chuva fina e os becos escuros, mas ali dentro, o silêncio reinava — e Carlo se banhava nele como um rei no próprio trono.Na mesa à sua frente, papéis e relatórios se acumulavam, mas o que lhe prendia a atenção naquele momento não era nenhum negócio escuso ou uma ameaça rival. Era a notícia que o segurança acabara de lhe trazer.— Repete. Devagar. — sua voz cortou o ar como lâmina.O segurança hesitou, engolindo a saliva. O suor já escorria sob a gola da camisa.— Don Carlo… Enrico vai se casar. Vai anunciar à família nos próximos dias. Está preparando tudo em sigilo, mas a decisão… é firme.Carlo fechou os olhos por um breve momento. Uma sensação estranha o percorreu — algo parecido com satisfação. Finalmente. Não era só um gesto de al
Enrico O som dos saltos ecoava pelos mármores reluzentes da entrada principal da mansão onde os grandes jantares da máfia aconteciam. Era um palácio dourado de silêncios respeitosos, onde cada olhar carregava intenções e cada gesto tinha um valor. Na escadaria principal, Giulia descia com a delicadeza de uma deusa antiga, envolta num vestido vermelho sangue, longo e justo, que delineava sua silhueta com perfeição. O tecido fluía como uma segunda pele luxuosa, com um leve brilho sob as luzes de cristal que pendiam do teto. O cabelo, preso num coque clássico, revelava a delicadeza do pescoço e realçava o colar de diamantes que abraçava sua pele pálida como se pertencesse a uma rainha. O salto alto prateado e o batom vermelho completavam sua aura de poder e beleza. Mas não havia vulgaridade nela. Nada ali gritava. Tudo era silenciosamente imponente. Os homens da máfia se levantaram com respeito. As mulheres a admiraram em silêncio. Algumas sussurravam entre si com sorrisos since
ValerieO silêncio daquela casa era diferente de qualquer outro. Não era o silêncio da paz, mas o da tensão contida. Um silêncio que gritava, mesmo sem emitir som. Valerie estava acostumada a ele. Tão acostumada que, por anos, acreditou que era o som da vida comum. Mas nos últimos dias, depois da fuga de Giulia, aquele silêncio passou a ser insuportável.Estava sentada na poltrona perto da janela, observando o céu de um cinza opaco, como se o próprio tempo conspirasse com a angústia que a dominava. Na mesa ao lado, o copo de água deixado pelo marido aguardava, como todas as noites.Ela o ignorou. Levantou-se, pegou o copo e caminhou até a planta no canto da sala. Derramou o conteúdo lentamente.As folhas, outrora vibrantes, estavam murchas. Algumas tinham manchas marrons nas bordas. A terra parecia seca, mas era a planta que estava sendo consumida por dentro.— Ele está me matando… — sussurrou para si mesma, sentindo os olhos encherem de lágrimas.As peças estavam se encaixando. A
A música ecoava suavemente pelos salões de mármore, misturando-se ao tilintar de taças de cristal e ao murmúrio de vozes importantes. Giulia descia os degraus da grande escadaria da mansão com a leveza de uma deusa vestida de sangue. O vestido vermelho longo abraçava suas curvas com perfeição e fluía como um rio de seda a cada passo. O colar de brilhantes cintilava sob a luz dourada dos lustres e seu coque elegante, levemente despenteado por propósito, realçava a suavidade de seu rosto e o tom intenso do batom vermelho.Havia algo de diferente naquela noite. Não era apenas a presença da alta cúpula da máfia internacional reunida naquele salão imponente. Era o modo como os olhos se voltavam para ela — não com luxúria ou escárnio, mas com uma admiração contida. Giulia não parecia estar se esforçando para impressionar. Ela simplesmente era. Um furacão de leveza, força e beleza.As mulheres a encaravam com um misto de surpresa e respeito. Algumas, esposas de mafiosos, sorriam em aprovação
Enrico e Carlo O salão da mansão Bianchi exalava poder e sofisticação. Tapetes orientais encobriam o mármore frio, candelabros de cristal lançavam luzes suaves sobre as mesas bem-postas, e um quarteto de cordas preenchia o ambiente com uma melodia clássica. As taças tilintavam, os risos eram baixos e comedidos. Tudo ali era calculado, controlado — exceto ela. Giulia era a única peça fora do tabuleiro costumeiro. Usava um vestido vermelho justo, mas elegante, que abraçava suas curvas com discrição e classe. Seu cabelo estava preso em um coque delicado, alguns fios soltos moldando o rosto. Ela estava encantadora, mas era visível o desconforto em seus olhos, como se soubesse que aquele mundo não era, ainda, o seu. Ainda assim, sustentava o olhar de todos com dignidade. Enrico, ao seu lado, exalava domínio. Um terno preto sob medida, um broche com o brasão da família preso discretamente na lapela. Ele a apresentava com orgulho — sua noiva. A mulher que ele escolhera não apenas para div
EnricoEnrico saiu de dentro do quarto, deixando Giulia completamente relaxada sobre a cama. Ainda a madrugada escurecia o dia, mas ele não podia mais adiar as coisas, a sensação de ansiedade apertava seu peito, mas ele gostava, já tinha sentido isso antes...Foi para o seu escritório Enrico discou no telefone criptografado. O toque soou apenas uma vez antes de ser atendido.— Fala. — A voz de Guilhermo veio firme, ainda que baixa. Sempre alerta, mesmo no meio da madrugada.— Prepare tudo. O casamento vai acontecer. Ainda este mês.Um silêncio carregado caiu do outro lado da linha. Quando Guilhermo respondeu, sua voz trazia algo entre preocupação e lealdade.— Você tem certeza disso?— Tenho. — Enrico apoiou o cotovelo no braço da poltrona, encarando a escuridão além da janela. — Não é mais sobre o velho, ou sobre orgulho. É sobre ela. Quero Giulia perto. Por inteiro. Quero que todos saibam que ela me pertence... e que eu pertenço a ela.— E você acha que isso vai protegê-la ou coloc
O herdeiroMeu nome é Enrico, sou o próximo Don da família Grecco, tenho 27 anos e essa é a história da minha vida, de como eu virei capo e como foi tudo até aqui. Na verdade, minha história não foi muito diferente dos outros herdeiros da máfia, mas eu sempre quis que fosse. Assim eu não ia experimentar esse sofrimento que carrego dentro do peito. Como um doce dado para uma criança e arrancado logo em seguida. Só que junto com o doce, tinha meu coração arrancado dentro do peito e vivia ou sobrevivia quebrado. Dizem que o sofrimento transforma as pessoas, faz com que elas deixem de acreditar nas coisas do alto e só olhem para o próprio umbigo, que elas deixem de ter esperança, de sonhar. Eu nunca almejei herdar o trono do meu pai, mas como primogênito, não teve outro jeito. Só se sai da máfia morto, e eu preferia viver fingindo que estava tudo bem e sem exercer meu verdadeiro propósito, além de conviver com o vazio do luto, do que perder a vida.Sempre invejei o meu irmão Giancarlo, e
GIULIAMeu nome é GIULIA, tenho vinte e um anos, morena da cor do pecado, com olhos castanhos claros e cabelos cheios com ondas e encaracolados. Muito abençoada pelo cara lá de cima e hoje eu vou contar como o meu conto de fadas virou meu pesadelo pessoal de um dia para o outro. Eu cresci achando que o mundo era meu, que eu podia fazer qualquer coisa que eu quisesse, e nem precisava me esforçar para isso. Meus pais sempre me deixaram viver assim, tendo tudo na minha mão, no topo do mundo, ainda mais sendo filha única e mais ainda fazendo parte de uma família importante da Itália.Meu pai sempre disse ser um empresário bem-sucedido e que eu não precisava me preocupar com nada a não ser comigo. Eu vivi nessa ilusão até acabar a minha faculdade, o curso que eu escolhi com tanto carinho e que achava mesmo que ia seguir na minha carreira, abrir meu próprio negócio. A minha vida era resumida em tecido e linha, analisar as mulheres, os panos que as cobriam e imaginar o quanto eu podia melh