Thalassia, 1482
"Ao Nobre Reino de Thalassia,
Com saudações e respeito a vossa majestosa corte, escrevo-lhes humildemente em busca de uma aliança que não apenas unirá nossos reinos, mas também promoverá um futuro de prosperidade e harmonia para ambos os nossos povos.
Em meio aos desafios e perigos que cercam nossos mundos, é com grande convicção que procuro encontrar uma parceira de nobre linhagem que compartilhe dos mesmos valores, aspirações e visão para o nosso futuro.
Acredito firmemente que esta aliança, forjada pelo comprometimento, trará inúmeros benefícios para nossos reinos. Com o intuito de tornar este encontro o mais justo e transparente possível, convido todas as princesas solteiras de Thalassia a se reunirem em um grandioso baile em nosso palácio, onde poderemos nos conhecer pessoalmente e descobrir afinidades que irão além de fronteiras e sangues reais.
Este evento será uma celebração de união e uma oportunidade de estabelecer uma ligação que transcenderá gerações. Além do potencial para uma aliança sólida e duradoura entre nossos reinos, a princesa escolhida terá o privilégio de governar ao meu lado, compartilhando o peso das responsabilidades e alegrias de liderar nossos povos. Juntos, poderemos promover a paz, a justiça e a prosperidade em toda a terra que governamos.
Nossos reinos têm muito a oferecer um ao outro, desde nossos recursos naturais até nossa cultura rica e diversificada. Através desta união, poderemos fortalecer nossas economias, ampliar nossas alianças comerciais e promover o intercâmbio cultural que enriquecerá nossos povos.
Assim, faço este pedido com o coração aberto e a esperança de um futuro brilhante para nossos reinos. Convido todas as princesas de Thalassia a considerarem esta oportunidade de unir-se a mim e ao Reino de Kingswood para construir um futuro repleto de amor, compreensão e prosperidade.
Que a paz e a benevolência guiem nossos passos enquanto buscamos um novo capítulo em nossas histórias.
Com respeito e gratidão, Príncipe Tyler Harrington
Reino de Kingswood"
Há algum tempo, eu desisti de me importar com o que era estranho viver naquele enorme castelo. Todos me diziam que eu deveria ser grata por ser retirada da obscuridade e trazida para o esplendor da realeza.
Aos dez anos, fui confundida com a princesa Penélope e levada ao castelo para que o rei decidisse o meu destino. Passei alguns dias nas masmorras, perdida em desespero por não compreender o que estava acontecendo. Era como se eu não existisse para ninguém ali, uma sombra de mim mesma.
Quando finalmente lembraram da minha existência, eu estava quase definhando de fome e sede. Minha pele e ossos eram tudo o que restava, e minha vontade de lutar pela vida já não existia.
"Levem-na para a sala de banhos e peçam ao médico que avalie se ela ainda é útil."
A voz que proferiu essas palavras permaneceu anônima para mim, mas ainda assim, agradeci mentalmente. Talvez alguém se lembrasse de que eu estava lá, dentro daqueles muros.
Passei por um exame minucioso e fiquei sob a tutela de algumas criadas por cinco dias, aprendendo as habilidades necessárias para a minha permanência ali. No entanto, havia algo que me distinguia delas.
Minha vestimenta.
Fui forçada a usar uma túnica preta e uma máscara que ocultava o meu rosto, deixando apenas os olhos de fora. Diziam que eu era repulsiva demais para ser vista, e qualquer tentativa de remover a máscara resultaria em morte.
As memórias daquela transformação se encaixaram quando finalmente conheci a verdadeira princesa Penélope. Ficou claro que eu não tinha nenhuma semelhança com ela, e entendi que era melhor me esconder nas sombras da minha túnica do que ofender a princesa com minha presença.
Conforme me tornei a sua criada pessoal, fui instruída a absorver cada detalhe sobre ela, incluindo idiomas e habilidades. Tornou-se minha tarefa sentar, vestir-me e agir como ela. Assisti às aulas das sombras, esforçando-me para não interferir em sua educação, mesmo que eu enfrentasse grandes desafios.
De tempos em tempos eu era questionada sobre meus conhecimentos e toda vez que eu errava, era punida com severidade.
Esses tempos foram fundamentais para moldar quem eu era.
A sombra da princesa.
Agora, aos vinte e um anos, meu maior desejo é escapar deste castelo e de minhas obrigações, mas simultaneamente, o medo do desconhecido me prende aqui. Minha aparência é um segredo guardado, e todos ao meu redor me encaram com aversão e desprezo.
Penélope diz que sou sortuda, mas eu realmente não compartilho dessa visão.
"KAYLA!!!!!" Eu me levantei da poltrona, colocando o livro que estava em minhas mãos na mesa ao lado.
"Estou aqui, Alteza?" A estonteante morena estava sentada em frente à penteadeira, selecionando o colar para o almoço com seu pai.
"Arrume o meu cabelo. Não sei quanto tempo ainda vou demorar para escolher o colar. Seja rápida. Tenho assuntos importantes para discutir com meu pai." Seus olhos castanhos me observaram pelo espelho.
"Claro, Senhorita." Peguei a escova e passei delicadamente pelos seus cabelos sedosos, tão castanhos quanto a terra molhada. Sempre me impressionava com tudo o que essa garota tinha, mesmo que ela mesma parecesse insatisfeita.
"Cuidado, criada, você está me machucando." Ela reclamou, embora as cerdas mal roçassem seus fios.
"Peço desculpas, Alteza." Continuei a pentear seus cabelos, mal tocando as cerdas nele, esperando para concluir meu trabalho.
Fiz duas tranças laterais e amarrei a parte de trás em um coque, envolvendo-o com as tranças. Após adorná-lo com algumas pérolas, afastei-me, observando meu reflexo sombrio no espelho.
"Hmm, está aceitável." Ela se virou para mim. "Você precisa aprender novas técnicas para realçar ainda mais a minha beleza. Haverá mudanças em breve por aqui." Concordei, sem tentar descobrir mais detalhes. Mudanças sempre traziam mais fardos para a minha vida.
Penélope se levantou e dirigiu-se a outro espelho, alisando o vestido rosa que usava. Após avaliar-se de todos os ângulos, virou-se novamente para mim.
"Vamos, Kayla." Concordei com um aceno e segui-a a uma distância respeitosa.
Quando entramos no salão onde o rei estava, uma imensa mesa estava posta para o almoço. Todos os melhores pratos do reino estavam dispostos ali, e minha boca se encheu d'água ao ver a comida.
Empurrei a cadeira para a princesa e aguardei até que ela me dispensasse para ficar próxima à parede, atenta a qualquer necessidade.
"Então, papai, o que tem a me dizer?" Percebi a princesa se inclinar ainda mais em direção ao pai.
"Bem, nós sempre soubemos que este dia chegaria, minha querida, e Kingwood nos apresentou uma proposta." Meus olhos se arregalaram, e vi a princesa se aproximar ainda mais.
"Que proposta?" Ela quase gritou.
"Eles querem conhecê-la. Vão sediar um baile e convidar as princesas mais notáveis dos reinos vizinhos, visando um possível casamento com o príncipe herdeiro."
"Princesas notáveis?" Vi as mãos da princesa se fecharem em um gesto de raiva e frustração. "Eu sou mais que uma simples princesa notável, papai. Não há ninguém melhor do que eu em todo o reino. Como eles podem me tratar assim?" Seus punhos bateram na mesa, e o rei os segurou suavemente.
"Eles não a conhecem, querida. Não têm noção da joia preciosa que estão prestes a descobrir. Assim que o príncipe a contemplar, ele não terá interesse em nenhuma outra."
Essas palavras pareceram acalmar a fúria crescente na princesa.
"Tem razão." Ela retomou a comer alguns itens em seu prato e brincou com outros. Era um comportamento que eu já conhecia bem. "Quando devo partir?" Ela começou a questionar, e vi o rei se ajeitar em sua cadeira.
"Estou aguardando um relatório sobre o príncipe para entender melhor o que devemos esperar. Não colocarei sua vida em perigo desnecessário."
"Pode haver perigo?" O rei não respondeu, apenas me lançou um olhar diferente antes de voltar a encarar a filha.
"Não se preocupe, querida. Tenho tudo sob controle. Vamos unir nossos reinos da melhor maneira possível."
A resposta pareceu acalmar a princesa, que continuou a comer antes de me chamar para retirar seu prato.
"Sinta-se à vontade para desfrutar do que sobrou, Kayla." Meus olhos se fixaram nela. "Eu sei que os criados geralmente não têm permissão para desfrutar das iguarias que temos, mas vou ser generosa e permitir que coma o que restou da minha refeição." Aceitei a oferta. Quando ela estava de bom humor, ocasionalmente me permitia vivenciar um pouco do mundo da realeza.
Naquela noite fui acordada por um dos soldados do castelo. O rei solicitava minha presença imediatamente.Segui o soldado quase correndo pelos corredores do castelo e parei em frente ao rei em sua sala de reuniões. Ele andava de um lado a outro com algumas folhas na mão."Sente-se Kayla." falou seco e fiz o que ele mandou. "Você sabe que sua vida me pertence, não sabe?" fiz que sim com a cabeça. "Cuidei de você a vida toda e agora preciso que pague o que fiz." me assustei com suas palavras duras."Pagar, majestade? Pagar como?" meus pelos estavam arrepiados e meu coração disparado."Leia isso." ele me entregou os papeis que segurava de forma bruta.Tentei amparar as folhas para que elas não caíssem no chão.Meus olhos corriam rápidos pelas linhas ali descritas, uma após outra me deixavam com a sensação de que minha alma estava sendo jogada na fogueira."Esse é o príncipe com o qual o senhor quer casar a princesa?" falei tremendo e ele me olhou sério."Não, eu não vou tolerar que esse
Quando a carruagem finalmente parou, senti um arrepio percorrer minha espinha. Olhei pela janela e vi as enormes torres do castelo de Kingswood se erguendo majestosamente diante de mim. O castelo era ainda mais imponente do que eu imaginava, com suas paredes de pedra cinza e jardins exuberantes que cercavam a entrada principal. Foram um dia e uma noite dentro daquela carruagem remoendo o que aconteceria quando eu chegasse ali.Lady Isobel Fairchild, minha dama de companhia, se virou para mim com um sorriso caloroso. Seus olhos azuis brilhavam com curiosidade."Chegamos, alteza", disse ela suavemente. "É hora de tirar a capa e a máscara. Não podemos parecer desleixadas com sua aparência, a senhorita tem que causar uma excelente impressão se quiser conquistar o príncipe."Com dedos trêmulos, eu obedeci. Primeiro, a capa negra deslizou de meus ombros e, em seguida, a máscara que escondia meu rosto. A brisa fresca da tarde acariciou minha pele, e eu me senti vulnerável sem a proteção das
O rei começou um discurso fazendo aquela reunião parecer mais do que uma caçada a nova esposa para o filho. Ele falou sobre responsabilidade, deveres e renúncias que todos que estavam dentro do reino deveriam ter. Falou brevemente sobre a história do seu reino e por fim passou a palavra ao filho.Seus traços eram marcantes, e seu cabelo escuro contrastava com a palidez de sua pele. O príncipe não parecia entusiasmado com a reunião social, algo que rapidamente percebi. Ele não estava sozinho em sua aparente relutância; seus olhos, emoldurados por longos cílios escuros, transmitiam um mistério e uma profundidade que contrastavam com o ambiente festivo do baile."Boa noite." falou iniciando seu discurso, dando uma breve pausa para olhar cada uma naquele salão.Por um instante seus olhos pousaram nos meus, e senti o medo percorrer minhas veias, lembrando de cada linha daquela carta."Como meus pais disseram, não haveria momento melhor para escolhermos uma princesa." seu sorriso pareceu fo
Fui despertada abruptamente de meus sonhos pelo som insistente de batidas na porta do meu quarto. Meus olhos se abriram, e por um instante, tudo ao meu redor parecia embaçado e confuso. Mas, à medida que minha mente despertava, percebi que algo estava errado. Meu corpo doía e me vi deitada no chão, sem qualquer conforto.Levantei-me com pressa, tentando entender o motivo daquela interrupção inesperada. Meu coração batia com força, e uma sensação de urgência se apoderou de mim. Passei pela penteadeira e olhei para o espelho, vendo meu rosto pálido e meus cabelos desalinhados.As batidas na porta continuavam, agora acompanhadas pela voz apreensiva de Lady Isobel do outro lado."Princesa Penélope, acorde. Senhorita, posso entrar? Temos que nos apresentar a corte em alguns minutos."As palavras de Lady Isobel me atingiram como um raio. Eu estava tão cansada da viagem e tão imersa na loucura em que fui jogada, que acabei adormecendo de exaustão. Agora meu plano de fuga não teria como ser e
Fomos escoltadas pelo corredor ornamentado em direção ao jardim do castelo, onde o príncipe Tyler nos aguardava. As batidas de meu coração pareciam mais altas do que nunca, e minha mente estava em um turbilhão. Minha imaginação criava cenas terríveis de aves sendo sacrificadas em um tiro ao alvo cruel. A única experiência que eu tinha com caça era pegar frutas das árvores em Thalassia, e isso não me preparou para enfrentar a perspectiva de ver animais sendo mortos.Ao chegarmos ao jardim, uma brisa suave acariciou meu rosto, mas eu mal percebi. Meus olhos estavam fixos na cena diante de nós. Várias aves coloridas estavam presas em poleiros improvisados, a uma distância considerável. Um homem de aparência experiente segurava um arco e flecha, enquanto outro segurava uma ave de presa.O príncipe Tyler, com sua postura elegante, olhou para nós com um sorriso confiante. As outras princesas, cujos nomes eu ainda não conhecia, pareciam intrigadas e animadas com a perspectiva do evento. Fui
Voltei para o meu quarto andando nos calcanhares, pois eram o único lugar que não tinha nenhuma lesão. Demorei muito e tive que parar várias vezes para descanar. Aquele infeliz nem para me ajudar a chegar ao meu quarto."Oh santo Deus. O que aconteceu com seus pés, menina?" Lady Isobel entrou por baixo do meu braço e me levou até a cama, posicionando uma almofada abaixo deles."Seus maravilhosos sapatos." bufei irritada vendo o desespero da mulher."Mas você sempre os usou, o que será que está diferente?" fiz uma careta de desgosto. Penélope tinha o pé menor que o meu, mas ninguém se importou com isso."Não sei, mas jogue todos fora. Não vou colocar mais nenhum. M
Acordei me sentindo mais descansada. Os cuidados do Príncipe Tyler com meus pés haviam surtido efeito, e as dores diminuíram consideravelmente. Eu sabia que não podia ficar no castelo por muito mais tempo. Cada dia a mais naquele lugar me mostrava o quanto eu não queria participar daquele mundo.Passei pelos corredores desertos antes do sol raiar e sai por uma passagem lateral que era usada somente por criados.Para não chamar atenção, coloquei um vestido mais desbotado que eu tinha encontrado em um dos armários do quarto onde eu estava hospedada.Fui me afastando lentamente para não chamar a atenção dos guardas, até que adentrei a vila que rodeava todo o castelo.
"Onde você estava?" Lady Isobel estava parada em frente a porta do meu quarto."Fui dar uma volta." Falei abrindo meu quarto e me jogando na cama."Volta? Com essas roupas? Princesa, o que está passando em sua cabeça para ser tão inconsequente?" a voz dela estava me irritando e me virei de barriga para cima."Preciso de um banho. Por favor!" continuei a olhar para o teto sem olhá-la.O sermão que Tyler tinha me dado já era o suficiente para a semana toda. Ainda me assustava com seus gritos em minha mente, marcados como brasa."Claro, Princesa. Vou preparar um banho quente para você imediatamente." Lady Isobel respondeu com preocupação em sua voz a