Zonam era uma cidade bem interessante. Ela possuía uma forma quase circular dividida em diferentes blocos residenciais, militares, industriais e comerciais. Mas essa era só a visão frontal da cidade dos Zhang.

Qualquer um que olhasse para Zonam, não importando de onde fosse, poderia ver uma grande montanha entre o centro da cidade e a parte de trás dela onde uma pequena cordilheira dava espaço para um pequeno vale arborizado.

Aquela montanha central era a propriedade particular dos Zhang onde se encontrava o Grande Salão e as mansões dos Conselheiros e membros secundários da Família. Era exatamente para esse bairro particular dos Zhang que Xin Zhang estava guiando Xi e Lei Zhang.

Eles desciam uma ladeira flanqueada por jardins e pequenas mansões muradas. Uma vez ou outra eles passavam por outros membros da Família ou familiares dos Conselheiros, principalmente crianças com babas ou seguranças os acompanhando.

Xi Zhang cumprimentou aqueles que ele conhecia e trocou alguns rápidos acenos de cabeça com os que ele mal lembrava. Ele se apegava a essas interações com os membros de sua Família para evitar pensar no comportamento sombrio de seus irmãos

Xin Zhang avançava com passadas pesadas e as costas tensas. Era possível ver que ele estava com os dentes serrados e mal percebia aqueles que o cumprimentavam pelo caminho. Apesar de que Xi Zhang percebeu que a maioria das pessoas evitava ficar no caminho de seu quinto irmão após dar uma olhada na expressão que dominava seu rosto.

Já Lei Zhang não demonstrava a tensão corporal de seu irmão, mas somente pelo seu comportamento mais evasivo e quieto era possível para qualquer um que a conhecia bem saber que ela estava inquieta com alguma coisa.

Sem perceber, Xi Zhang se viu parado ao lado de Xin Zhang olhando para os portões de bronze de uma das mansões. O muro estava tingido de vermelho com linhas onduladas pretas e telhas marrons avermelhadas cobriam a parte de cima dos muros.

Respirando fundo, o Quinto Irmãos avançou, abrindo os portões de bronze e adentrando no pátio frontal da mansão. Xi Zhang seguiu seu irmão, vendo que uma calçada de blocos verde escuros formava uma passagem que conectava a entrada da mansão com os portões de bronze. A direita dele estava uma casinha sem muros que possuía um telhado triangular de telhas marrom avermelhas, muito parecida com aquela onde Xi Zhang se reuniu com seus irmãos mais cedo.

A esquerda da passagem central do pátio estava um pequeno lago artificial com alguns peixes com escamas vermelhas e douradas. Era uma visão até que bela, mas algo naquilo tudo dava a Xi Zhang um sentimento um pouco negativo, depressivo. Apesar dele não saber porque sentia essas coisas naquele momento.

A mansão por si só era algo incrível também. Um edifício largo com paredes feitas de blocos verde escuro e com as telhas de um tom marrom avermelhado. Xi Zhang conseguia ver duas janelas grandes na frente da mansão, uma de cada lado de uma grande porta de bronze.

- Seus pertences antigos e aqueles que você trouxe do sul já foram alojados em seu novo quarto. – Xin Zhang falou enquanto olhava fixamente para a porta de bronze. – Lei também está morando aqui enquanto suas naves estão no chão. Eu tenho uma casa um pouco mais para cima no caminho pelo qual viemos...

- As coisa estão tão ruins assim? – Xi Zhang perguntou quando percebeu que seu irmão estava atrasando de proposito a entrada deles na mansão.

- Você verá por si mesmo. – O Quinto Irmão respondeu após um longo suspiro carregado de tristeza.

Xi Zhang se virou para Lei Zhang que deu de ombros com uma expressão estranhamente contida. Ela então avançou, passando pelos dois e indo em direção a porta de bronze que se abriu para dar passagem para uma mulher magra e velha, com cabelos totalmente brancos e a coluna levemente curvada.

A velha deu um olhar de desaprovação para Xin e Lei Zhang e depois se focou em Xi Zhang, foi quando ele viu uma certa expressão de esperança no rosto da velha mulher.

- Ela está no quarto dela. – A velha falou com uma voz seca que arranhava no ouvido dos três. – Passou o dia todo na cama como sempre e se recusou a comer toda sua comida.

- Obrigado, Gena. – Lei Zhang forçou um sorriso para a velha mulher e então passou por ela entrando na mansão.

Os outros dois irmãos trocaram algumas palavras rápidas com Gena e então seguiram sua irmã, se movendo pelos corredores da mansão em direção aos aposentos da mãe deles.

Estranhamente a casa estava vazia, sem a presença de mais nenhum servo ou visitante. A parca iluminação do lugar dava a Xi Zhang uma sensação de abandono e tristeza. Ele chegou a comentar isso com seus irmãos que simplesmente deram de ombros, se negando a falar sobre o assunto.

Lei Zhang parou diante de uma porta simples e hesitou por um breve momento antes de dar uma batida discreta.

- Mãe? – Ela chamou um pouco acanhada. Era tão estranho vê-la se comportando daquela maneira que fez com que o mal pressentimento de Xi Zhang se intensificasse. – Mãe? A senhora está acordada? – Ainda sem resposta, ela se virou para Xin Zhang que deu outro suspiro audível antes de se aproximar da porta também.

- Mãe? Podemos entrar? – Ele perguntou enquanto trocava o peso do corpo de um pé para o outro, era visível seu desconforto. – Xi está aqui conosco.

Eles esperaram por mais um momento, sem receber nenhuma resposta de sua mãe. Xi Zhang já estava se perguntando se ela estava mesmo no quarto quando ouviu uma voz baixa e cansada respondendo.

- Meu pequeno voltou?

O coração de Xi Zhang se apertou quando ouviu o cansaço e a dor na voz de sua mãe. Ele olhou para sua quarta irmã e depois para seu quinto irmão, mas os dois evitaram seus olhos.

- Estamos entrando, mãe.

Lei Zhang abriu a porta e entrou lentamente no quarto, sendo seguida por Xin Zhang que se endireitou, escondendo sua expressão pesarosa em uma máscara estoica.

O comportamento de seus irmãos deixou o mais novo deles em aflição. Ele tentou se preparar mentalmente para o que estava dentro do quarto e então deu um passo a frente, atravessando a porta e adentrando o quarto de sua mãe.

Lá dentro estava pior do que o resto da casa. Duas velas aromatizadas quase apagadas eram as únicas fontes de iluminação para todo o quarto. Xi Zhang mal prestou atenção no interior do aposento, seus olhos se focaram rapidamente na figura meio sentada meio deitada sobre a cama.

A pouca iluminação escondia muito dos traços de sua mãe, mas Xi Zhang percebeu em um simples olhar que ela parecia ter muito mais rugas em seu rosto agora do que na última vez que ele estivera em Zonam. Os ombros caídos e o cabelo despenteado também eram marcas visíveis da dor e do cansaço que pesavam sobre ela.

Quando sua mãe ergueu a cabeça e olhou para ele, o jovem Xi teve que se esforçar ao máximo para não arquejar em choque. Os olhos dela estavam vazios, desprovidos de qualquer emoção enquanto eram corroídos por uma profunda dor.

Xi Zhang teve seu tempo de luto após saber da morte de seu pai quando ele estava em Iseka. Apesar de saber que sentiria falta de seu velho, ele nunca teve muita intimidade com o antigo Patriarca dos Zhang. Tinha sido Xen Zhang que o tinha treinado inicialmente no caminho marcial, mas a responsabilidade como Patriarca logo o afastou de seus filhos.

Raim Zhang provavelmente era o filho mais próximo do falecido Xen Zhang, ele era aquele que ficava mais próximo do pai enquanto aprendia tudo o que precisava para ser o próximo Patriarca dos Zhang.

Apesar de não ter visto seu irmão mais velho demonstrando muito pesar pela morte de seu pai, Xi Zhang sabia que isso era mais pelo status que ele possuía agora do que por qualquer outra coisa. Raim Zhang não tinha o direito de sofrer na frente de seus súditos, ele precisava ser forte e representar perfeitamente seu papel, principalmente em tempos conturbados como aqueles em que eles estavam.

Mas vendo o estado de sua mãe agora, Xi Zhang compreendeu as palavras da Conselheira Li, se a morte de Xen Zhang tinha afetado seu povo, então como sua esposa estaria reagindo a tudo isso?

- Xi? É você mesmo? – Sorrindo com carinho para sua mãe, Xi Zhang deixou de lado seus pensamentos sobre as repercussões da morte de seu pai e foi até a cama onde sua mãe estava deitada.

- Sou eu, mãe. Estou de volta. – Ele respondeu quase sussurrando enquanto se sentava na cama ao lado de sua mãe.

As mãos delicadas dela se ergueram e deslizaram pelo rosto dele, uma expressão de dor enquanto ela passava a ponta dos dedos suavemente pelas novas cicatrizes que marcavam o jovem rosto de seu filho mais novo.

- Pelo o que você passou, meu filho? – Ela perguntou com preocupação e tristeza em sua voz. Seus olhos vazios analisando o rosto de seu filho. – Eu ouvi alguns dos relatos sobre o bravo jovem herói Xi Zhang. Você trouxe honra para os Zhang.

Ainda sorrindo para sua mãe, Xi Zhang pegou as mãos dela, evitando fazer uma careta quando percebeu o quão magras elas estavam. Lentamente ele foi falando com sua mãe, tentando acalma-la enquanto contava suas histórias, fazendo o máximo para diminuir os perigos pelos quais tinha passado e focando mais nos lugares que visitou os nas pessoas que conheceu.

Mas mesmo enquanto conversava com sua mãe, ele percebeu que ela mal prestava atenção. Seus olhos sempre se desviando dele enquanto procuravam alguém pelo quarto.

Vê-la daquela forma encheu o coração de Xi Zhang com pesar. Ele agora entendia o comportamento de seus irmãos.

Alguns minutos depois a porta do quarto se abriu e a velha Gena entrou no quarto com uma tigela cheia de sopa sobre uma bandeja metálica. Ela se aproveitou da distração da conversa de Xi Zhang para conseguir alimentar a mãe dele.

O tempo se arrastou mais um pouco e Gena conseguiu dar toda a sopa para a mãe dos Zhang e mal ela tinha terminado de comer, acabou pegando no sono. Os três irmãos saíram em silêncio do quarto, um clima pesado e sombrio sobre eles.

- Ela está assim desde a morte dele? – Xi Zhang perguntou em voz baixa.

- No início ela parecia normal, só um pouco melancólica. – Xin Zhang respondeu se virando e olhando para a porta do quarto da mãe. – Mas conforme os dias foram se passando, ela começou a ter algumas crises. Acordava gritando, procurando pelo pai. – Ele fez uma pausa e balançou a cabeça. – Tivemos que medica-la constantemente para mantê-la calma, tememos que ela acabe se machucando sozinha.

Xi Zhang assentiu e também se virou para olhar para o quarto de sua mãe. O estado dela tinha pegado ele de surpresa. Ele esteve tão focado no que seu irmão iria querer dele que nem tinha considerado o estado emocional daqueles que tinham ficado em Zonam enquanto ele estava no sul.

- Amanhã irei ao tumulo da Família. – Ele falou de repente, se convencendo. – Preciso pagar meus respeitos ao pai.