A mansão está silenciosa agora. Os convidados já se foram, a música parou, e até as luzes mais fortes foram apagadas, deixando só o brilho suave dos lustres menores. Entro no quarto devagar, tirando os brincos e deixando os sapatos no canto. Meus pés doem, minha cintura parece que vai quebrar ao meio, e meu peito está sensível como sempre. Ainda assim, estou com um leve sorriso. Foi um bom dia, tirando o veneno da víbora da Martina. Ouço a porta se fechar atrás de mim. Matteo tranca, como sempre faz.Ele vem até mim em silêncio, até parar bem atrás. Sinto o calor dele antes do toque. — Fiquei te observando o tempo todo. — a voz dele vem baixa, rouca, arrastada. — Você sabe o que faz comigo quando fala daquele jeito, né? — Que jeito? — pergunto, já sabendo exatamente. Ele desliza os dedos pela minha cintura, me puxando de leve para trás, contra o corpo dele. — Quando se impõe. Quando lembra para todo mundo que é minha. — Matteo passa o nariz pela minha nuca. — Quando deixa claro
O sétimo dia estava se aproximando como uma sentença. E eu estava cada vez mais sufocada. Matteo, como sempre, parecia perceber que algo me incomodava, mas não fazia perguntas, talvez por respeito, ou porque confiava demais que eu contaria. Mas dessa vez, eu estava calada. Assustada. E protetora como nunca. Na manhã do sexto dia, o silêncio foi quebrado. Uma das empregadas bateu na porta do nosso quarto e entrou com um buquê de rosas brancas. Grandes, lindas, delicadas demais para carregar algo tão cruel. Meu estômago revirou antes mesmo que eu tocasse o cartão. Sofia, que estava comigo, apenas olhou. Ela sabia. Eu sabia. Minhas mãos abriram o pequeno envelope que acompanhava as flores. E o mundo pareceu parar quando li. Se quiser que Matteo viva, vá até Via del Mare, número 211, casa abandonada no final da trilha. Lá há uma caixa escondida sob o assoalho. Leve-a à polícia. Caso contrário, no oitavo dia, ele morre. Minha visão embaçou, mas não pelas lágrimas. Era raiva. Era medo
A sala estava cheia de vozes baixas e risos suaves. Era raro termos um momento de calmaria naquela casa, e eu tentava me forçar a aproveitar. Sofia acariciava a barriga redonda, Alessandra contava uma história da juventude, Isabella brincava com um dos brinquedos do irmão no tapete. Matteo ainda não tinha voltado da missão do dia, mas ele disse que era simples. Rápida. Rotina. Rotina. Até o grito. — MATTEOOOO! A voz de Verônica cortou o ar como uma navalha. Tensa, estrangulada, desesperada. O copo escorregou das minhas mãos e se espatifou no chão, estilhaçando o pouco da paz que ainda existia no meu peito. Meu coração parou. — Não… — murmurei, já correndo em direção ao som. E então ele entrou. Matteo apareceu na porta da sala, apoiado em Giovanni. O sangue escorria do braço esquerdo, manchando a camisa social branca, agora vermelha demais. O rosto estava tenso, os dentes cerrados, os olhos buscando os meus. Estava acordado. Consciente. Mas ferido. — Angeline! — ele me chamou,
Acordei com um silêncio estranho. A cama ainda estava quente do lado dela, o que me dizia que ela não tinha saído há muito tempo. Mas não estava ali. Levantei. O sol começava a cortar pelas frestas da cortina, o cheiro de café fresco já existia. Mas nenhum som de passos. Nenhum sinal de Angeline. Desci as escadas e encontrei a sala vazia. — Angeline? — chamei, mas só ouvi o eco da minha própria voz. Minha mente, já contaminada por tudo que aconteceu, se encheu de desconfiança. Ela nunca saía sem avisar. Estava subindo as escadas, tentando não pirar. Mas já estava com o celular na mão quando ouvi a porta da frente se abrir. Desci em dois segundos. Ela entrou devagar, parecendo querer passar despercebida. Quando me viu, travou. Olhos vermelhos. Corpo tenso. — Onde você estava? — perguntei direto, sem rodeios. — Estava no jardim. — respondeu rápido demais. Mentirosa. Cruzei os braços, encostei na parede e só a encarei. Ela subiu as escadas sem dizer mais nada. Fui atrás. Tinha
Fiz dezoito desejos antes de sair de casa.Nenhum deles se realizou. O restaurante estava perfeito, do jeito que Matteo gostava: exclusivo, luxuoso, com vista para o mar. A noite era quente, o vinho fluía pelas taças, as conversas entrelaçadas com risos abafados. Isabella estava animada com os doces da mesa, Sofia ria com Alessandra e Verônica ao fundo. Ivan observava tudo em silêncio, como sempre. Luigi me lançava olhares silenciosos, protetores. Bianca estava ao lado dele, contida. Giovanni discutia algo em voz baixa com Matteo, que parecia finalmente relaxado depois de dias tensos. E então o mundo parou. Policiais armados, coletes, distintivos.O caos invadiu o salão.Os soldados da máfia já estavam em posição, mas Giovanni levantou a mão, pedindo calma. — Mandado de prisão para Matteo Fontana. — disse o policial da frente, estendendo os papéis. Giovanni tomou os documentos com a frieza que só um subchefe treinado teria. Mas seus olhos… seus olhos procuraram algo no papel. E
Eu já sabia que não ia sair dali. As paredes da cela pareciam mais próximas a cada dia, como se tentassem me engolir. Mas não era o concreto que me esmagava, era a traição. O gosto amargo que não saía da minha boca, por mais que eu cuspisse no chão ou socasse as paredes até os nós dos dedos arderem. Angeline. O nome dela era um veneno que eu não conseguia parar de engolir. Cada vez que pensava nela, meu peito ardia de raiva… e saudade. A promotora apareceu no final da tarde, acompanhada de dois agentes. O terno preto dela estava impecável, o salto batendo seco no chão, e os olhos tão frios quanto os meus já tinham sido um dia. Giulia Bianchi. Claro que eu lembrava daquele sobrenome.O marido dela sangrou até morrer na calçada de um prédio no centro de Palermo. Um erro. Um aviso. Um castigo.Fui eu quem ordenei a execução. Foi o meu nome que ele amaldiçoou com o último fôlego. E agora… ela estava ali.Na porra da minha frente.Com um sorrisinho vitorioso, como se finalmente tiv
O cheiro de Luca ainda era o mesmo. Doce, puro… como se ele ainda estivesse no meu ventre. Ele tinha só um mês. Um mês. E já estava sendo arrancado dos meus braços. — Meu amor… — sussurrei com os lábios tremendo enquanto passava os dedos na bochecha macia dele. — Mamãe te ama. Mais do que qualquer coisa nesse mundo, você sabe disso? Ele resmungou baixinho, os olhos fechados, alheio ao caos que nos cercava. Tão pequeno. Tão frágil.E eu tão impotente. As lágrimas escorriam sem controle. Não tentei conter. Não havia mais dignidade para salvar. — Me perdoa, Luca… me perdoa por não poder te proteger, por não poder ficar. Eu daria tudo para te ver crescer… — minha voz quebrou. — Mas eu fiz isso por você. A assistente social se aproximou. Meu corpo inteiro enrijeceu quando vi os braços dela estendidos. — Não! Só mais um segundo… — supliquei, apertando Luca contra o peito. — Angeline… — Giulia se aproximou com calma, mas firme. — Está na hora. Beijei a testa do meu filho, tentando m
Três meses depois... Três meses.Noventa dias.Dois mil e cento e sessenta horas.Preso. Isolado. Cheirando mofo, sangue e arrependimento. A cela é pequena, mas o ódio ocupa cada centímetro.Aqui, a escuridão tem nome.Angeline. A mulher que eu amei. A mulher que eu protegi. A mesma que me destruiu com um único movimento. Frio. Preciso. Letal. A prisão é uma tortura silenciosa. O tempo não anda, rasteja, me arranhando como lâmina cega, me lembrando todos os dias que eu fui enganado. Traído.Fudido. Já não sei o que é sono.Só tenho raiva.Só tenho sede de vingança. Hoje é dia de visita.Giovanni chega primeiro, com o olhar duro e atento de sempre. Logo atrás dele, Verônica entra com Isabella e Luca. — Papai! — Isabella grita, os olhinhos brilhando, sem entender que o pai dela agora vive atrás das grades. Que o homem que ela ama é chamado de criminoso. Me ajoelho. Ela se joga nos meus braços e eu a aperto como se fosse minha âncora nesse inferno. Ela é tudo que me resta de luz.