A música seguia alta do lado de fora, as taças tilintavam, os sorrisos eram rasgados, mas aqui dentro, no fumódromo reservado da mansão, o clima era outro. O cheiro de charuto tomava o ar, misturado com uísque envelhecido e segredos velhos demais para serem contados em voz alta. Encostei-me à parede, observando os homens à minha frente: Carlo, o pai de Angeline, com a postura altiva de sempre, aquele tipo de autoridade que não precisava levantar a voz. Ivan, o russo frio, que mantinha Sofia sob rédea curta, mas que sabia comandar um império com a mesma frieza com que mataria um traidor. Vittorio, meu tio, mais cobra do que lobo, e eu sabia bem disso. E Maurício Esposito, respeitado por todos e silenciosamente temido por quem tinha juízo. — Os colombianos tão querendo negociar com a Bratva. — Ivan soltou, cruzando as pernas com elegância cruel. — E tão oferecendo um corte maior do que o que vocês deram para eles no último carregamento. — Traição disfarçada de proposta. — Maurício re
O estalo seco do primeiro tiro cortou o ar como um chicote. Por um segundo, achei que tivesse imaginado. Estávamos em uma festa da máfia. Um ambiente controlado, vigiado, cercado por soldados. Mas o segundo tiro veio em seguida. Depois um terceiro. Gritos. Vidros quebrando. Meu coração parou. Isabella. Corri sem pensar. Subi as escadas como se o inferno estivesse atrás de mim. Meu vestido pesado atrapalhava meus movimentos, mas eu não sentia nada além do pânico se espalhando pelo meu peito. Passei por duas mulheres chorando, um homem armado empurrando todos pro salão principal. O som dos disparos ainda ecoava pelos corredores, mas já parecia mais distante. Ou talvez fosse minha cabeça, bloqueando tudo que não fosse o quarto onde Isabella deveria estar. Abri a porta com força. Ela estava lá. Abraçada à babá, com os olhos arregalados, chorando em silêncio. — Isabella! — gritei, aliviada e desesperada ao mesmo tempo. Ela soltou a babá e correu até mim, se jogando nos meus braço
O hospital da máfia ficava a vinte minutos da mansão, mas naquela noite, o caminho pareceu eterno. Assim que descemos do carro, soldados abriram espaço. Matteo seguia à frente, imponente, enquanto eu sentia o peito apertado. Imaginar meu irmão ensanguentado me perseguia como um pesadelo vívido. Luigi já estava na ala cirúrgica. Bianca, sentada numa das cadeiras da sala de espera, levantou-se assim que me viu. Os olhos dela estavam vermelhos, as mãos trêmulas. — Disseram que ele tá fora de perigo, mas ainda não saiu da cirurgia… — a voz dela era fraca, desesperada. Eu a abracei forte. — Ele vai ficar bem… — sussurrei. — Luigi é teimoso demais para morrer assim. Ela chorou no meu ombro. Minutos depois, Sergei apareceu. Alto, de expressão dura, mas com os olhos carregando uma tensão que ele tentava esconder. Ele me viu, hesitou, e depois se aproximou. — Como ele está? — perguntou, a voz grave, contida. — Estável. Ainda em cirurgia… — respondi, encarando-o. — Você devia estar lá
Luigi / capítulo bônus. O quarto do hospital tinha cheiro de remédio e arrependimento. A luz fraca, a dor no ombro, o som irritante do monitor cardíaco. Nada disso incomodava tanto quanto a presença dele. Sergei. Parado ali, de braços cruzados, me olhando como se estivesse tentando me decifrar de novo. Como se ainda tivesse alguma esperança. Eu não conseguia olhar para ele por muito tempo. Doía mais que o tiro. — Você podia ter morrido. — ele disse. A voz dele sempre foi firme, sem rodeios. Mas tinha algo diferente agora. Uma falha no tom, um resquício de sentimento. E isso me atingiu mais fundo do que qualquer bala. — A vida inteira escuto isso. — murmurei, sem olhar. — Mas vindo de você... soa quase como preocupação. Ouvi seus passos se aproximando. Eu sabia que ele não ia deixar barato. — Não brinca comigo, Luigi. Não agora. Revirei os olhos e soltei um riso fraco. — Quando eu posso brincar com você, Sergei? Quando você entra no quarto de motel à noite, e sai antes do sol
A água quente escorria pelo meu corpo como se pudesse lavar não só o cansaço, mas o peso dos últimos dias. Quando saí do banho, enrolei a toalha no corpo e me encarei no espelho. Meus olhos estavam cansados, mas havia um alívio escondido ali. Luigi estava bem. Meu irmão estava vivo. Isso era tudo o que importava agora. Suspirei fundo, caminhando até o quarto, o vapor ainda subindo dos fios do meu cabelo molhado. De repente, senti o estômago revirar. O enjoo veio sem aviso, me fazendo parar no meio do quarto e fechar os olhos, tentando respirar fundo. — Merda... — sussurrei, segurando a beirada da cômoda para me equilibrar. Era o bebê. Já começava a se manifestar. Ou talvez fosse só o estresse. Ou os dois juntos. Me deitei na cama de toalha e tudo, sentindo o frescor dos lençóis na pele quente. Matteo estava em outro cômodo, resolvendo algo com Giovanni. Eu sabia que assim que entrasse por aquela porta, o olhar dele ia buscar o meu, como sempre fazia. E ia me lembrar, com aquela pr
Eu estava sozinha na varanda, sentada na espreguiçadeira, sentindo o vento leve bater contra meu rosto. A barriga ainda nem aparecia, mas dentro de mim o peso da maternidade já crescia. Não só pelo bebê que Matteo e eu esperávamos… mas por tudo que vinha junto disso. Isabella entrou na varanda com passos firmes demais para seus cinco anos. Segurava um dos brinquedos preferidos e me olhava de longe. — Quer vir aqui, Isa? — chamei com um sorriso suave, tentando manter a proximidade que sempre busquei com ela. Ela hesitou. Depois veio, mas com o rostinho sério, franzido. — Por que tem outro bebê? — ela perguntou, num tom quase agressivo para uma criança. — Eu já sou filha do meu pai. — E sempre vai ser, Isabella… — tentei alcançá-la com a mão, mas ela se afastou. — Esse bebê não muda nada do que seu pai sente por você. — Muda sim! — ela gritou, e antes que eu pudesse reagir, empurrou minha perna com força. Quase me desequilibrei na cadeira. Fiquei em choque. Não pela força, ela er
Os dias estavam cada vez mais longos. Os enjoos vinham como ondas violentas, e a cada manhã eu acordava sentindo como se estivesse sendo punida por algo. Nada ficava no estômago. A cabeça latejava. O corpo pesava. A alma também. E Matteo...Ele estava ausente. Sempre saía cedo. Voltava tarde. Evitava longas conversas. Estava resolvendo “coisas da família”, como ele dizia. Coisas que eu sabia que envolviam sangue, lealdade e decisões frias. Mas o que mais doía era perceber o quanto ele estava se afastando justo agora, quando eu mais precisava. Isabella mal olhava na minha cara.Quando falava, era com sarcasmo ou raiva. Às vezes, me dava medo. Outras, apenas uma tristeza profunda.Eu sabia que não podia forçar amor, mas o silêncio dela me destruía por dentro. Estava no quarto, deitada de lado, uma das mãos sobre o ventre, tentando imaginar como seria esse bebê.Será que seria como Matteo? Será que viria com o mesmo temperamento, a mesma intensidade? Ou será que teria os olhos fech
O ar da madrugada estava pesado, como se até o vento soubesse que algo ruim estava prestes a acontecer. O depósito em chamas. Dois homens feridos. Mercadoria destruída. Mas o que me tirou do eixo foi o recado deixado. Um papel, simples.Dobrado com precisão. "Isso é só o começo. — F." Filippo. Filho da puta. Ele tinha ousadia. Tinha coragem. Mas agora... tinha assinado a própria sentença. — Giovanni. — rosnei, andando até ele com os olhos em brasa. — Acabou o tempo do jogo. Quero ele. Hoje. — Matteo... — Giovanni tentou argumentar, mas meu olhar o calou. — Não. Chega. Esse merda já passou dos limites. Destruir um depósito? Ferir nossos homens? Querer me provocar? Não. Não dessa vez. Quero ele aqui. Amarrado. Sangrando. E se algum dos nossos tiver dúvida sobre o que fazer... que vá com ele. — Entendido. — E se ele estiver protegido? — perguntou Francesco, tenso. — A gente derruba quem estiver por perto. Não me importa. Ele cruzou a linha. Mexeu com meu território, com minha