Alicia
Aos poucos, recupero minha consciência e olho para os lados, tentando me orientar. Está escuro e eu estou deitada de lado no chão de uma floresta. Tudo o que eu vejo é um céu estrelado, a lua cheia e as copas das árvores balançando no vento frio. Ele sopra com mais força e me sinto grata por alguém ter colocado um casaco de frio em mim.
- Como você está? - Katherine, que está deitada atrás de mim, puxa meu ombro levemente para que eu fique deitada de costas. - Tudo inteiro? - Ela apoia a cabeça na mão e me encara, mais séria do que jamais a vi.
- Estou bem. - Suspiro, aliviada quando percebo que ela trocou de roupas e limpou o sangue de seu rosto. - E você? - Ela ri, mas a conheço tempo o suficiente para saber que, por trás da risada, Katherine está sofrendo, e muito, pela morte de Boonie e, talvez, por ter que voltar para Lorien.
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Katherine - Olhe para mim, Freya. - Minha tia pega meu rosto entre as mãos e limpa minhas lágrimas com a ponta dos dedos. - Vai dar tudo certo, querida. Estou aqui com você. - Ela beija o topo da minha cabeça e me abraça com força. Já faz dois dias que nos mudamos para viver entre os mundanos a mando de meu pai, mas, apesar de todos os esforços de minha tia, não consigo me sentir confortável, esse lugar simplesmente não é meu lugar. Não estou comendo, conversando ou dormindo nesses últimos dias, pois, toda vez que fecho meus olhos, a imagem de minha mãe sendo morta por um lobo volta a minha mente. Minha mãe. Abaixo a cabeça e novas lágrimas escorrem pelo meu rosto. Quando eu tinha pesadelos, ela dormia comigo na torre onde eu estava, me levava para ver as estrelas a noite escondida de meu pai, fazia tranças em meus cabelos e me fazia cócegas quando
Katherine Depois de dormir por algum tempo, acordei com Alicia sacudindo meus ombros e declarando que os guardas do palácio haviam chegado para nos acompanhar pelo restante do caminho. Desde então, não vi mais os herdeiros de Lallybroch. Quando começamos a subir o aclive da montanha onde o castelo de Ravengarden se encontra, ajeito-me na sela do cavalo que estou montada, desconfortável com a longa viajem que fizemos desde a floresta. Ainda estamos rodeados de pinheiros altos e antigos dos dois lados, mas conforme vamos avançando montanha acima, vou vendo o castelo, coberto de neve e em toda a sua glória. Lentamente, o cavalo chega aos portões, que são abertos apressadamente, e passa por eles. Com certa dificuldade, desço do cavalo que estava montada e olho para os lados. Nada mudou, ainda é o mesmo castelo imenso, feito inteiramente de pedra escura e cerc
Katherine Estou terminando de arrumar minha maquiagem quando a porta do quarto abre e Alicia entra, como uma tempestade. Ela está deslumbrante, com uma maquiagem leve, um vestido azul turquesa que vai até os joelhos e um salto agulha da mesma cor. - Nossa, acho que nunca vi você tão arrumada. - Elogio, enquanto dou um passo para trás analiso meu trabalho. Nunca fui boa em fazer um delineado gatinho perfeito, mas esse se superou entre todos os que eu já fiz. - Nossa, obrigada. - Ela entra, fecha a porta e marcha em direção as portas do closet anexo ao quarto. - Uau. - Ela solta um gritinho ao sumir pela porta. - Já escolheu o que vai vestir? - Entro no closet e a vejo parada em frente aos muitos vestidos pendurados. Nego com a cabeça e vou para o lado de Alicia, passando as mãos por um vestido de renda azul. É assustador, não escolhi uma peça s
Katherine Estou tão distraída com a beleza da biblioteca, com a forma como o sol da tarde ilumina as estantes de cinco metros de altura e as pesadas mesas de madeira brilhosas, que não percebo o último degrau e acabo caindo de joelhos. Imediatamente, apoio minhas mãos no chão a minha frente, para impedir que meu rosto bata contra as pedras. - Porra, Katherine. - Gustavo desata a rir, pulando ao meu lado. Delicadamente, ele me pega pelo cotovelo e passa um braço pela minha cintura, me erguendo enquanto eu rio desesperadamente. Talvez sejam as seis taças de champanhe fazendo efeito, ou talvez seja o nervosismo de estar tão próxima dele, sentindo seu perfume maravilhoso, mas me sinto muito bem ao rir. - Cadê? - Coloco a mão em minha cabeça, ajeitando os cabelos e procurando a coroa. - Puta merda, Gustavo, onde está? - Ajoelho-me no chão novamente e começo a procurar por ela
Lorenzo Mesmo cinco minutos depois de Katherine ter saído da biblioteca, ainda sinto o cheiro de baunilha no ar, o cheiro dela, somado ao cheiro de seu sangue. Como uma pessoa tão pequena consegue ter um cheiro tão forte? Ou melhor, como alguém tão pequeno pode ser tão intenso? Intensa. Sim, essa é a melhor palavra para descrever aquele mini tornado de cabelos escuros e olhos verdes. Fecho os olhos e pressiono minhas têmporas doloridas com os polegares. Não sinto tanta dor de cabeça desde... Desde Alya, desde que me importei realmente com alguém dessa forma, desde que que a perdi. Elas são tão parecidas e ao mesmo tempo tão diferentes. As duas são pequenas, mas é realmente apenas isso que elas têm em comum no quesito aparência. Alya tinha longos cabelos pretos, olhos castanhos e olhar para ela era como olhar para uma guerreira, sua força era óbvia e exala
Katherine Sempre tive curiosidade acerca de qual o sabor do whisky, por causa do cheiro, imaginei que seria péssimo, mas depois de alguns copos, nem sinto mais nada, ele só desce. Pego a garrafa que achei na cozinha e sirvo o quarto copo. Já estou bêbada, pelo menos mais bêbada do que me lembro de já ter ficado alguma vez em minha vida, mas não me importo. Dancei com Lorenzo por um tempo, no qual evitamos conversar, mas depois, quando Alicia tentou se aproximar de mim, eu acabei escapando, pegando a garrafa de bebida na cozinha e vindo parar aqui, andando pela biblioteca enorme, escondida das pessoas no salão, bebendo sozinha e no escuro, me perguntando como minha vida pode ter virado do avesso tão rápido. Não sei ao certo porque a estou evitando, mas deve ter algo a ver com negação. Recuso-me a acreditar que Alicia sabia do meu noivado com Lorenzo e, par
Katherine Nesse momento, a única coisa que me impede de sair do correndo atrás de Antônia, exigindo respostas, é o peso do que estou sentindo ante as revelações da noite, então apenas fico sentada na poltrona até que Alicia entra e faz um gesto para que eu a siga. Andando pelo castelo atrás dela, percebo que não estou tão bêbada quanto imaginava, ou então a raiva que sinto de todos nesse momento está clareando minha mente o suficiente para que eu ande sem tropeçar e para que eu fique pensando em qual a melhor forma de colocar Ali contra a parede. Quando a porta do quarto fecha atrás de mim, apesar de ter conversado comigo mesma para não pirar, para manter a calma, a primeira coisa que faço é pegar um vaso de cristal cheio de tulipas vermelhas e arremessa-lo contra a parede. Os cacos de vidro e as flores se espalham pelo quarto, mas ainda assim sinto a rai
Katherine Deito-me entre Boonie e Alicia no cobertor de lã que estendemos na grama do jardim dos fundos da casa de meus tios e puxo outro cobertor por cima de nós, enquanto, cada uma de um lado, elas se aconchegam mais em mim para nos esquentarmos nessa noite fria de inverno. No jardim, em si, não há nada demais, apenas algumas flores e arbustos cuidados por tia Celine e, raramente, por mim, mas esta noite estamos aqui para acompanhar Boonie, que, após o funeral de sua avó, queria desesperadamente ver as estrelas. No início, eu e Ali achamos o pedido estranho, mas não hesitamos em acompanhá-la, pois ela faria o mesmo por nós sem pensar duas vezes. Nosso pensamento era que ela queria ficar sozinha conosco, para poder chorar, se despedaçar e juntar seus pedaços, mas ela não o fez, não chorou, não se lamentou, nem mesmo tocou no assunto