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Primeira noite

“Ainda pior do que a desilusão de um não ou a incerteza de um talvez, é a desilusão de um quase”

Sarah Westphal

Estirou-se novamente no sofá apoiada em mim. Ela se aconchegou em meu peito e parecia querer se entregar totalmente. Poderia adormecer que seus sonhos seriam os meus.

À medida que relaxava também permitia um maior contato. Ela colocou suas mãos no peito e eu as segurei sentindo sua respiração diminuir enquanto pegava no sono. Eu ficaria horas vendo-a dormir. Não teria coragem de levantar e acordá-la. A visão do seu rosto sereno estava tão apaixonante quanto apreciar uma pintura.

Estar cansada era natural, afinal, passamos mais de uma hora na piscina conversando depois de uma longa caminhada pela praia. Rimos bastante, nos divertimos falando bobagem e trocando piadinhas infantis e provocações nem tanto. Aliás, falar bobagens era apenas um truque para vê-la sorrir. Cada vez que acontecia, eu tinha vontade de beijá-la.

Além do vinho, outro bom motivo para o sono tomar conta, foi o som do mar batendo na parede externa, embaixo da janela. Aquele ritmo da água embalava a ambos e a tendência, para breve, seria dormir profundamente.

Meus pensamentos continuavam sobre ela. Como seria possível imaginar a minha colega de escola agora quase desacordada no meu colo? Mas estava acontecendo e eu precisava cuidar do seu sono. Trabalhou muito, dirigiu bastante até aqui e devia estar exausta. Praticamente dormiu encostada no meu peito. Peguei-a no colo e levei até seu quarto.

Ao colocá-la na cama, ela virou-se de bruços, abraçou o travesseiro e gemeu vítima do conforto. E eu fiquei ali, pensando que assim seria melhor mesmo. Queria observar os detalhes dela e cada curva insinuante por baixo do vestido. Havia muito a ser explorado. Era muita saudade de um futuro com tantas possibilidades.

Tive uma sensação muito boa ao ver um ligeiro sorriso enquanto ela dormia. Quis me convencer que ela sonhava comigo e com aquele nosso encontro no clube. Apenas um sonho meu no qual dançávamos agarrados e nos beijávamos escondidos de seu irmão ciumento. O mesmo sonho que eu tinha descrito e iniciado todos aqueles acontecimentos. Nele, os beijos foram tão bons, inocentes e sensuais. Como ela de fato é, aliás.

Ela virou-se de lado, de tal modo que não pude mais ver seu rosto. Em compensação, ao dobrar uma das pernas, a marca do bronzeado ficou um pouco exposta. Aquela parte mais branca da pele, realçada pela luz das estrelas, foi o maior teste de força de vontade que eu já passei. O quarto estava iluminado apenas pelas luzes da baía. A claridade entrava pela janela aberta e desenhava sombras em seu corpo. A sua posição, sob aquelas condições parecia uma obra de arte. Só me restava esperar outro movimento dela e receber a surpresa com toda a minha atenção.

Acabei dormindo sentado no chão ao seu lado. Não sei quanto tempo se passou ao certo, porém acordei com um beijo no rosto e ela me pedindo para vir para a cama e ficar junto dela. Obedeci imediatamente sem pensar, afinal, também estava cansado e semiadormecido. Apenas o calor dela, mesmo que a certa distância, já era confortante.

Era madrugada ainda e ela aproveitou para ver se havia algum recado no celular. Deve ter recebido algo interessante, pois sorria enquanto passava os olhos pelo texto. Já imaginei quem tinha mandado a mensagem. Só podia ser o concorrente.

– “Não consigo demonstrar ciúmes nestas condições” – pensei sonolento. – “Amanhã eu faço uma cena compatível com o fato e talvez eu pergunte para ela quem escreveu naquele horário.“

Eu já estava quase completamente adormecido quando ela deitou relaxada ao meu lado. Aproximou-se e virou de costas para mim. Por instinto, abracei-a pela cintura e a puxei para permanecer encostada em mim. Ela não ofereceu resistência alguma e eu prossegui os toques explorando o contato. Acariciei até onde minha mão alcançava naturalmente. Naquele momento o calor dos corpos unidos se misturou aos aromas e sons da madrugada.

Tive certeza do quanto meus carinhos eram bem-vindos, pois seus suspiros eram as declarações de consentimento. Como não acreditar neles? Aqueles gemidos não sabiam mentir. Sons de uma paixão madura entre românticos racionais. Paradoxos que o tempo e a tecnologia aproximaram criando essa história surreal. Certamente, foi naquele instante, que desejamos ter mais noites intermináveis como aquela.

Mesmo semiadormecido eu lutei contra a inércia do cansaço. A vontade de fazer carinho era mais forte. Minhas mãos deslizavam por ela imaginando se estaria desperta o suficiente para perceber meu desejo. Mesmo que não sentisse a pressão em seu quadril, o batimento acelerado do meu coração não passaria despercebido. Tocá-la, mesmo que apenas por cima do vestido, só aumentava a tensão da espera dos próximos movimentos. Somente aquele fino tecido separava nossa pele e pensar nisso era uma tortura que eu queria sofrer.

– “Seria masoquismo?” – Pensei.

Não. Era a certeza que aquela noite não teria fim e o tempo teria outro tempo. Além disso, eu não deveria me esquecer da timidez dela. Mesmo desejando-a tanto, não poderia ser muito ousado. Achei melhor adiar a iniciativa de ser mais atrevido.

Ao perceber sua pele arrepiada, decidi puxar uma colcha leve sobre nós dois e me aconchegar onde todas as partes do seu corpo soubessem do carinho e atenção que no instante certo receberiam. Assim se passaram minutos, horas... Perdi a noção do tempo. Notei claramente a importância das palavras não ditas, os suspiros disfarçados e toda comunicação percebida pela alma.

Ao sentir meus movimentos, ela se aproximou mais ainda passando a ideia do quanto estava gostando de ser acariciada. Com aquele gesto não tive mais dúvidas. Seríamos amantes. Daqueles romances onde não haveria regras para amar, ainda que sem previsão de duração. Tudo seria permitido e por mais sensual que fosse não perderia a inocência.

Ficamos assim até quase adormecer, mas ainda no silêncio da madrugada ela murmurou algo. Ela chamou meu nome.

– Giulio...

Primeiro foi apenas um sussurro. Em seguida ela repetiu e completou a frase:

– Giulio...Você gosta mesmo de mim?

Apanhado de surpresa, pois não sabia se ela estava acordada ou apenas sonhando, hesitei em responder. Ela me chamou novamente e desta vez eu respondi com a boca quase encostada em seu pescoço:

– Sim... Desde a primeira vez no colégio.

Ela então se virou, sorriu, e ainda de olhos fechados me beijou suavemente.

Nenhum beijo poderia ter sido melhor que aquele. Simples, carinhoso, sincero e doce. Tomei seu rosto com as duas mãos e a beijei demoradamente. Alternava entre o canto de sua boca e seu rosto. Voltava aos seus lábios macios, emocionado com a novidade daquela mistura de gosto e cheiro. Beijos onde as pontas das línguas se encostavam e se descobriam também.

Minha mão percorria sua pele com a ousadia implicitamente permitida. O vestido já havia subido e expunha uma beleza até então só imaginada durante o passeio. Sua nudez era tão delicada quanto ela mesma. Sem pressa, ficamos tateando nossos corpos sonolentos e relaxados.

A absoluta certeza de que faríamos amor a qualquer momento, me fez aceitar apenas carinhos naquela noite. Se esperasse mais, o prazer seria maior além de guardar esta noite para as primeiras e mais reveladoras descobertas. Poderia dormir feliz de passar a primeira noite só de carícias sensuais.

Quando estava quase pegando no sono, um som não identificado me incomodou. Algo estava faltando para ser perfeito e algo não devia estar ali. Era o celular dela tocando insistentemente. Sem abrir os olhos, ela apanhou o aparelho e atendeu sonolenta:

– Alô... Sim...

Após alguns segundos de atenção, se despediu:

– Eu também te amo... Beijo meu amor.

Desligou o aparelho e voltou para o meu lado.

Era o que eu temia. Havia mesmo aquela outra pessoa na vida dela e ele sabia como agir para não ser esquecido. Ela declarou seu amor por ele com sinceridade, não tive dúvidas disso.

– “Conquistar uma mulher apaixonada por outro homem é uma tarefa quase impossível.” – refleti.

Senti pena de mim mesmo, afinal, já estava decidido a dizer para ela que não queria ser apenas um amigo. Jamais acreditei na verdadeira amizade entre um homem e uma mulher. Nietzsche dizia que para haver uma relação deste tipo era necessária certa repulsa física entre os dois. Não era o caso. Esta mulher me atraía como nunca tinha acontecido antes. Eu a queria por inteiro e não só seu carinho eventual.

Enquanto a sombra de seu namorado estivesse por perto, não diria meus verdadeiros sentimentos para ela. Todas as palavras românticas e declarações que pretendia fazer desapareceram da minha mente. Elas poderiam estragar a espontaneidade do pouco tempo que teríamos juntos.

Estava frustrado e não conseguiria mais pegar no sono. O céu já mudava de cor e as gaivotas gritavam a chegada do novo dia. Muito diferente dos rouxinóis e cotovias de Verona, quando anunciaram o amanhecer do romance de Romeu e Julieta, aqueles gritos poderiam estar prevendo o fim de um romance que nem havia começado.

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