A Casa da Serra

Enquanto Helen foi supostamente até em casa, Vinicius fez a mala, depois foi tomar banho, enquanto isso, Patrícia que não tinha comido nada por conta da ligação, foi até a cozinha pensando em preparar algo.

-Como não previ isso? Lógico que não tem nada na geladeira além de suco de pera e leite, é a casa do Vinicius. - pensou Patrícia em voz alta.

-O que tem a casa do Vinicius?

-O que não tem né, nada de comida na geladeira.

-Ah, não mesmo, meu tempo é tão pouco nessa casa que não vale a pena abastecer a geladeira, sou tipo um workaholic, mas a gente come algo na estrada, conheço um lugar muito bom que fica no caminho.

-Tudo bem então, aceita suco?

-Aceito, obrigado. - Quando foi pegar o copo na bancada, Vinicius tropeçou no pé da banqueta, indo parar bem perto de Patrícia. Ambos ficaram sem ação por causa da proximidade. Mas foram salvos pela chegada de Helen com uma mala.

Helen apesar de formada em direito, tinha muitos talentos, um deles era para a moda, seu hobby era dar consultoria como personal stylist, por isso ja sabia que não iria até em casa buscar roupas para Patrícia, foi ao Shopping e comprou tudo o que a amiga poderia precisar nesses próximos dias, e até o que poderia ser para alguma ocasião especial que surgisse na cabana.

Ela sabia que com a proximidade, era questão de tempo para os dois cederem ao que sentiam um pelo outro. Enfim, comprou uma mala, colocou as compras dentro e voltou para a casa do irmão. Quando chegou e viu a cena dos dois próximos um ao outro, teve a certeza de que estava certa em seu raciocínio.

-Pronto pessoal, já podem ir, e por favor, parem pra comer alguma coisa, biscoito da sorte não é jantar.

- Obrigada Helen, se cuida, logo que eu voltar quero te ajudar nos preparativos do casamento.

-Só de falar nisso me dá um frio na espinha, mas claro que sim, a propósito, aceita ser minha madrinha?

-Será uma honra! - Patricia abraçou a amiga.

Vinicius e Patrícia entraram no carro e pareceu que o ar tinha ficado denso, nada de piadas, provocações ou gracinhas, só o silêncio dos dois durante toda a primeira hora de viagem. Cada um imerso em seus pensamentos, imaginando o que viria a seguir, tentando pensar em como agir naturalmente nos próximos dias,  lembrando de tudo o que já haviam compartilhado anteriormente.

Patrícia estava lembrando daquela noite que haviam passado juntos quando ela quebrou o braço, ele havia adormecido antes e ela ficou observando sua respiração, passou a mão pelos seus cachinhos, (o que normalmente era proibido já que ele dizia que ia amassar seu cabelo se o tocassem), depois ficou olhando para ele e lembrando daquele beijo de uns dias antes. Olhou para o livro que estavam lendo e pensou… o que será que Shakespeare escreveria sobre nós? E logo adormeceu.

Vinicius pensava no suco de pera, em como algo tão simples podia ter se tornado um símbolo tão importante a ponto de virar um hábito mesmo 15 anos depois. Foi no dia que Vinícius e Helen chegaram na cidade e na escola pela primeira vez, alguém tinha feito uma doação desse suco para a escola e era o suco do dia a semana toda no refeitório.

A maioria não aguentava mais enquanto os dois estavam amando. Era o dia de Patrícia ajudar a servir então, foi quando os dois se conheceram, após Vinícius ir umas cinco vezes pedir mais suco já tinham ficado amigos. Ele sorriu naturalmente ao lembrar da cena e Patrícia suspirou quando o viu sorrindo daquela forma como se lembrava.

-Falou comigo?

-Não, estava só pensando… às vezes o silêncio pode ser incômodo, mas hoje está sendo reconfortante.

-Concordo, ouvi dizer que a intimidade entre duas pessoas pode ser medida pelo tempo que conseguem passar juntas em silêncio sem se sentirem incomodadas.

-Faz muito sentido para mim. 

-Para mim também, pelo menos depois de hoje. Olha, chegamos ao restaurante.

-Ai que bom, estou faminta.

---


-Tem razão, a comida deles é incrível.

-Sim, eu sempre venho comer aqui, não é longe da minha casa. Mais uns dez minutos e já chegaremos.

-Legal, estou curiosa para conhecer esse seu refúgio. 

-Bem, sobre isso, essa propriedade é diferente de todas as outras, como não foi feita para impressionar ninguém, ela é bem mais pessoal, é aqui que ficam minhas lembranças, por exemplo, tudo o que essa minha nova versão esconde está lá.

-E como sabe que pode confiar a mim tamanhos segredos.

-Primeiro porque é você, a Patrícia, simples assim. Você sempre foi confiável. E segundo, porque não há nada lá que seja novidade para você, pelo contrário, na verdade acho que você vai se sentir em casa.

Logo chegaram a um portão enorme, parecia uma fortaleza, na verdade, parecia com o portão do parque dos dinossauros, tanto na sua estrutura como na forma que se abria, essa era a única parte realmente exagerada da propriedade, depois disso havia uma estrada simples cheia de flores de ambos os lados, lembrando um pouco a região de Campos de Jordão, a estrada passava por pequenos chalés e depois dava em um portão menor, bem mais condizente com o estilo do lugar.

Quando Vinicius parou o carro e Patrícia viu a casa, ficou perplexa.

-Mas essa casa… é exatamente igual a um desenho que eu fiz...mas como? Eu pensei que tivesse jogado fora.

- Você tinha, mas era uma ideia boa demais para ser desperdiçada, encontrei no seu quarto aquela noite que...você sabe.

-A noite da última vez que agimos como amigos?

-Sinto muito Patrícia, eu fui muito imaturo e de tanto medo de fazer besteira eu me afastei… acabei criando só problemas para nós dois.

-Bom, ter construído meu projeto da adolescência meio que te redime. 

- Você ainda não viu nada, entre. -Disse abrindo a porta.

-Mas como? Tem detalhes aqui que não estavam no meu desenho e são exatamente como imaginei.

-Não lembra das nossas conversas sobre casas perfeitas? Quantas vezes nós ficamos tarde da noite conversando e imaginando detalhe por detalhe… tanto que eu já não sabia se alguns desses eram meus ou seus, só achei que seriam perfeitos aqui.

-E são, bem que você disse, sinto-me em casa, é tudo muito aconchegante, como se a casa toda nos acolhesse em um abraço quentinho.

-Bem descrito! É exatamente como me sinto aqui, por isso é meu refúgio.

-Agradeço por compartilhar comigo.

-Vou te mostrar o quarto de hóspedes, - Vinicius subiu as escadas e Patrícia o seguiu- e se quiser relaxar antes de dormir, também tem uma banheira. 

-Seria incrível, parece que um carro passou por cima de mim.

-E quase passou mesmo, bom...é este o seu quarto, fique a vontade e amanhã me faça um favor, durma até o mais tarde que conseguir, vou sair cedo fazer umas compras então café da manhã, só depois das dez.

-Certo, sim senhor… -Disse Patrícia enquanto observava o quarto- mas o que é aquilo? Não me diga que é…

-A sua antiga coleção de Shakespeare? É sim, minha mãe sabia que eu gostava muito então foi ela quem comprou da sua mãe antes da mudança de vocês. Essa coleção normalmente fica na minha sala de leitura, mas pedi para minha funcionária colocar aqui hoje para você.

-Você consegue ser assustadoramente fofo. É um ótimo anfitrião, agradeço.

-Nada demais, agora descanse, são recomendações médicas.

-Vou descansar sim. Boa noite Vinícius.

-Boa noite Patrícia. - Disse já saindo e fechando a porta, mas voltou e acrescentou: se precisar de mim, meu quarto é do outro lado do corredor,  bem aqui em frente.

Patrícia assentiu com a cabeça e depois deu uma piscadinha, então ele foi, fechando a porta atrás de si.

A casa não era muito grande, naquela parte de cima tinha apenas os dois quartos estilo suite, um lavabo e o escritório de Vinicius. A parte de cima era como uma galeria acima de uma sala de jantar que servia como sala de reunião e da cozinha com uma maravolhosa ilha enquanto a sala tinha o teto mais alto.

No quarto de Patrícia as toalhas estavam cuidadosamente colocadas sobre o travesseiro como em um hotel, juntamente com um kit de sais de banho e sabonetes artesanais, Patrícia pegou as toalhas e foi até o banheiro da suíte. A banheira era daquelas para imersão, de louça com pés cor de bronze, todo o banheiro era igualmente elegante. Ela deixou as toalhas penduradas, a banheira enchendo e voltou para o quarto pegar alguma roupa na mala, torcendo para ter um pijama de meia estação bem confortável.

A primeira coisa que encontrou ao abrir a mala foi um bilhete de Helen dizendo para aproveitar os dias na casa e os presentes que estavam na mala, pois ela tinha escolhido cada roupa com carinho, pensando no estilo único da amiga. 

Patrícia tirou peça por peça para ver tudo o que a amiga havia comprado, ela realmente havia acertado em quase tudo, exceto por uma linda lingerie daquelas para noites especiais e um vestido vermelho igual ao do filme "como eu era antes de você" que Patrícia estava certa de que não usaria nos dias que passaria ali. E sim, havia um belo pijama de seda no estilo de alfaiataria, do jeitinho que Patrícia amava desde a adolescência. 

Todo o afeto que estava recebendo de seus amigos, tinha feito até esquecer a razão de ter ido para aquele lugar.

Depois do banho demorado com o sabonete e os sais relaxantes, Patrícia achou que ia apagar, deitou na enorme cama e respirou fundo, mas o primeiro pensamento que teve foi sobre aquela ligação, a voz do seu ex parceiro que também era seu ex marido parecia viva em sua mente e aquele mesmo terror tomou conta dela, começou a chorar compulsivamente abraçada no cobertor.

Vinicius estava no corredor voltando da cozinha quando ouviu Patrícia chorando, sentiu que precisava cuidar dela então entrou no quarto e simplesmente a abraçou. Podia sentir ela tremendo de medo então só ficou ali em silêncio abraçado com ela até que se acalmasse depois levantou-se, ofereceu à ela a caixa de lenço e então pegou na coleção de Shakespeare o exemplar de Sonho de uma noite de verão.

-O que acha de lermos juntos?- disse mostrando o livro.

-Seria ótimo.- disse Patrícia limpando as lágrimas e dando espaço para ele na cama. 

Vinícius sentou-se ao lado dela e estendeu o braço para que ela se encostasse nele, mas num impulso, Patrícia deitou-se sobre seu peito e ele reagiu automaticamente acariciando seus cabelos enquanto segurava o livro aberto na outra mão e começava a ler.

Dessa vez foi Patrícia quem dormiu antes, Vinicius arrumou-a no travesseiro e ficou deitado ao seu lado, observando seu sono por um bom tempo, um sono muito agitado devido às circunstâncias que Patricia estava vivendo. Ficou pensando em como poderia ajudar até que também adormeceu.

Quando Patrícia acordou, eles estavam abraçados e muito próximos, seu coração disparou, sua respiração ficou ofegante, ela sentiu a boca seca e um calor imenso, então levantou devagar para não acordá-lo e foi direto para o chuveiro colocar a cabeça no lugar, ela sabia que não podia se envolver com ele, não agora que Hector tinha voltado do Canadá e estava atrás dela.

Quando Vinicius acordou e viu ela levantando, ficou ali quieto até que ouviu o barulho do chuveiro, ligou para uma das funcionárias da propriedade pedindo que preparasse um café da manhã no jardim, e decidiu que mais tarde ele iria fazer as compras que queria para a casa, ou pediria para alguém fazer.

Os funcionários da propriedade eram os moradores dos chalés que ficavam na estradinha a caminho da casa, entre eles tinha uma equipe de seguranças, cozinheiras, arrumadeiras, equipe de manutenção e um mordomo pois era uma grande propriedade que exigia muito cuidado. Além da casa havia um grande jardim, piscina, um pomar, um bosque e um lago. Havia até mesmo uma trilha para caminhar.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo