MELINA O silêncio da manhã seguinte era pesado demais para mim, principalmente por acordar sentindo o cheiro dele em mim. Não porque dormimos juntos, pois Amarok dormiu no chão e desapareceu antes mesmo de eu acordar, mas porque a lembrança da noite anterior ainda estava viva em cada centímetro da minha pele.Inconscientemente toquei os meus lábios devagar, como se tentasse lembrar do gosto único dele na minha boca e ao mesmo tempo tentando apagar o sabor dele da minha memória, mas infelizmente não conseguia.Nem com raiva, muito menos com vergonha ou arrependimento.Sentei na beirada da cama, me questionando mentalmente por que tinha deixado ele ser meu primeiro beijo e me tocar se minha intenção era apenas provocá-lo para ganhar sua confiança e depois fugir, mas ainda não tinha resposta para essa pergunta.Amarok voltou à tarde, o som da porta rangendo denunciando sua presença imponente. Do jeito que estava virada para a lareira, eu fiquei, com o olhar perdido nas chamas e sem cora
AMAROK Caminhava pela floresta como se eu fosse parte dela, pois desde que me entendia por gente, esse era o meu lar. Cresci aqui com a minha falecida mãe, que fez das tripas dela força para me criar sozinha. Meu pai, um covarde, nos abandonou quando eu ainda era um filhote pequeno e indefeso, deixando toda a responsabilidade para minha mãe, que faleceu em um combate contra lobos inimigos na minha frente, enquanto eu estava escondido e encolhido entre os arbustos vendo tudo.Cresci revoltado e sendo visto como um bastardo por todos da matilha. Eu nunca consegui ganhar o respeito da alcateia, mas consegui ganhar o medo deles e, consequentemente, acabei me tornando o Alfa do bando por ter o lobo maior, mais forte e mais temido.Minhas botas pareciam pesadas quando entravam em contato com a terra úmida e o meu peito parecia muito apertado por causa de uma dor que não sabia nomear. Tinha matado três cervos antes do sol alcançar o topo das montanhas, mas não fiz isso pela fome, foi pela
AMAROK Voltei para a cabana apenas ao entardecer e, quando a vi sentada perto da lareira, lendo o mesmo livro e fingindo que eu não existia, algo dentro de mim estremeceu de raiva.Controlando meu lobo interior, respirei fundo e não disse nada, apenas observando-a. Melina tinha se recuperado totalmente e estava mais forte, mas seus olhos ainda pareciam carregar a mesma dor. A mesma sede de liberdade.Embora quisesse vê-la feliz, eu sabia que não conseguiria deixar de ser esse muro entre Melina e o mundo, pois essa ligação que tinha com ela era mais forte que tudo e qualquer coisa que já aconteceu em minha vida. Se essa humana teimosa nunca me aceitasse como seu marido e companheiro, eu teria mesmo que me acostumar a apenas compartilhar a sua presença física e nunca tocá-la como o desejo que vinha me corroendo por dentro.De maneira inconsciente, andei até o fundo da cabana onde tinha um pequeno baú de madeira com pertences antigos. Dentro tinha papéis, mapas, relíquias da alcateia
MELINAO carvão da lareira apagada e apenas em brasa estralava baixinho quando eu acordei de repente em meio à madrugada fria. O medalhão em meu pescoço estava frio como o clima, mas pesava como se fosse cheio de significados não ditos. Segurei o colar com os dedos, sem perceber que fazia isso, e olhei em volta procurando por ele.Amarok não estava deitado no chão como de costume ao irmos dormir e inconscientemente quis saber onde ele estava a essa hora da madrugada. Me levantei devagar e caminhei até o centro da casa de madeira, onde o clima estava ainda mais frio e então eu o vi. O Alfa estava sentado diante da lareira apagada, com as suas costas largas nua e com uma expressão facial que demonstrava um sofrimento interno que parecia não ter fim.— Não consegue dormir? — Perguntei, com a voz baixa.Ele virou o rosto lentamente na minha direção e pela primeira vez fiquei tocada ao ver com mais nitidez a tristeza esculpida em seu rosto másculo.— O lobo dentro de mim... — Amarok diss
MELINA A primeira coisa que senti ao acordar ainda de madrugada foi o calor, mas não era um calor comum de uma noite abafada ou o aconchego de cobertas espessas de pele de ovelha. Era um calor pulsante que parecia vir de dentro de mim, como se meu próprio sangue estivesse fervendo.Me revirei entre os lençóis de pele de animal, me sentindo ofegante, enquanto uma urgência estranha percorria meu corpo. Minhas pernas tremiam, meus músculos latejavam e meu ventre… meu útero queimava. Eu já tinha ficado no cio várias outras vezes, mas dessa vez estava totalmente diferente, pois eu nunca havia sentido um desejo de acasalar tão intenso como esse. Doloroso e agonizante. Sentia como se cada célula do meu corpo clamasse por algo que eu ainda não queria admitir, um homem metade lobo que lutei para rejeitar desde que cheguei aqui.O Alfa Amarok.— Não… — murmurei para mim mesma, apertando os olhos com força e tentando conter um gemido que ameaçava escapar da minha garganta. — É só mais um cio
AMAROK O ar da floresta me cortou como uma lâmina afiada assim que deixei a cabana a contragosto em direção à floresta.Um alívio momentâneo me atingiu, aliviando um pouco a febre que corroía minha pele desde que senti o cheiro dela antes mesmo de chegar em casa, mas foi apenas uma amostra de alívio, pois nem o frio, nem a distância, nem o silêncio da mata adormecida foram suficientes para abafar o caos que Melina tinha despertado dentro de mim.Me afastei o máximo que consegui da cabana, correndo entre as árvores como se fugir do perfume dela fosse algo possível, porém não era. Sua essência feminina agora estava entranhada na minha pele, no meu íntimo e no fundo da minha garganta que simplesmente queria uivar para a lua.Corri até perder meu fôlego e caí de joelhos perto de uma clareira, onde cravei as minhas mãos humanas na terra úmida, arfando como um animal machucado. Sentia meu lobo ferido por dentro, machucado por algo que eu e ele queríamos mais do que oxigênio, porém que não
MELINAO uivo próximo cortou o silêncio do dia que estava quase amanhecendo como uma lâmina, me fazendo acordar em um sobressalto e sentar abruptamente na cama, com o meu coração batendo forte no peito. Eu ainda estava sofrendo pelo cio e acabei dormindo de exaustão.Os sons da floresta, que normalmente eram abafados, agora vibravam com urgência e caos. Um segundo uivo veio logo depois, mais próximo, mais agressivo e dessa vez eu senti em meus ossos.Como uma ameaça velada.Procurei com o olhar desesperadamente por Amarok e o encontrei já em pé, em total alerta e olhando pela janela. Ele estava meio transformado, com os olhos vermelhos, o peito nu e com os músculos retesados, como se cada centímetro de seu corpo soubesse o que estava vindo e ainda se controlasse para não pular em cima de mim.Que ainda exalava meus feromônios no ar.— Fique dentro da cabana e não abra a porta — ele ordenou em seu modo Alfa, com a voz grave.— O que está acontecendo? — Perguntei, preocupada.— Intrusos
AMAROK A floresta parecia viva enquanto as árvores tremiam com o vento que descia das montanhas, fazendo os galhos se dobrarem como se fossem ossos fraturados.Corri na minha forma totalmente bestial preta que possuía quatro patas fundidas a presas felinas mortais, com garras prontas para matar e os olhos ardendo com sede de sangue.O cheiro dos inimigos estava por toda parte, em uma mistura de suor, lama e penugem, porém o cheiro que sobressaía sobre os deles e que provavelmente eles também estavam sentindo, era da minha fêmea no cio. Três, talvez quatro, invasores que foram exilados por mim por serem traiçoeiros. Lobos famintos e rebeldes, que agora não tinham alcateia. Eram selvagens e imprevisíveis. Encontrei os três lobos a alguns quilômetros da cabana, farejando o cheiro da minha esposa humana.— Amarok... — uivou um deles, com olhos cor de ferrugem. — Ouvimos dizer que está distraído, que se acorrentou e se casou com uma humana frágil.Rosnei feroz, odiando ouvir falar da min