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Capítulo quatro - Uma doce e inocente conclusão

Capítulo quatro – Uma doce e inocente conclusão

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“Meu querido está vindo para casa para o Natal

Eu estive acordada a noite toda no meu quarto

Você disse que estaria comigo em breve

Então eu espero e espero

Mas eu já aguentei tanto quanto podia”

(Música: One More Sleep – Intérprete: Leona Lewis)

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            Na manhã seguinte, algo realmente inusitado aconteceu: acordei estranhamente disposta. Sequer conseguia me lembrar da última vez que tinha me sentido assim.

Acordei bem cedo, comi bem no café da manhã, fiz uma limpeza rápida na casa e senti-me empolgada em iniciar os planos que há tempos vinha adiando, de me tornar um pouco menos sedentária e começar a caminhar. Coloquei a roupa e os tênis de ginástica que eu não usava há meses e saí de casa.

Dessa vez, tranquei tudo e levei comigo a chave, documentos e o celular. Era uma forma interessante de perceber que eu pretendia retornar.

            Segui pelas ruas arborizadas do meu bairro, até chegar à praça central da cidade, o mesmo lugar onde, menos de vinte e quatro horas antes, eu tinha planejado dar um fim à minha própria vida.

            E tinha sido salva por uma garotinha linda, com voz doce e carinha de anjo. Sorri sozinha apenas por me lembrar dela.

Apenas por precaução, fiquei bem longe da ponte dessa vez, sentando-me em um banco para descansar um pouco antes de voltar para casa. Sabia que aquela pausa quebrava completamente o ritmo da caminhada, mas senti que precisava daquela parada. Sentir o sol sobre a minha pele, o cheiro de terra dos canteiros, o ar puro do lado de fora de quatro paredes... Era quase como voltar a viver.

Era uma tentativa, ao menos.

            Tinha fechado os olhos por um momento, mas voltei a abri-los ao ouvir o meu nome sendo dito por uma voz infantil.

            — Tia Vanessa!

            Abri os olhos, surpresa ao me deparar com a minha pequena anjinha do dia anterior. Estava de novo com o mesmo uniforme e a mesma mochila, mostrando que mais uma vez voltava do colégio.

            — Ah... Oi, pequena!

            Voltei a sorrir, mostrando-me um pouco mais simpática do que no dia anterior. E ela pareceu perceber isso, pois abriu um largo e lindo sorriso e comentou:

            — Está feliz hoje, tia Vanessa? Que coisa boa!

            — Por que o espanto?

            — Porque ontem você estava triste. Mas eu sei por quê. Você devia estar com medo de cair na água, não é? Também, quem mandou subir no encosto da ponte? Não pode fazer isso, tia. É muito perigoso.

            A conclusão dela era bem mais agradável, doce e inocente do que a verdade.

            E eu a deixaria seguir pensando daquela forma.

            — Tentarei não subir mais lá. Mas, me diz uma coisa... Já é quase Natal e você ainda está estudando?

            — Eu tava, mas entrei de férias hoje. Passei de ano em tudo!

            Achei graça do orgulho com que ela dizia aquilo, mas esforcei-me para não rir.

            — Muito bem. Parabéns! Que tal um sorvete para comemorar?

            As pequenas sobrancelhas se ergueram, formando naquele rostinho uma expressão desconfiada.

            — Papai me diz que não devo aceitar nada de estranhos. Principalmente coisas de comer.

            Bem, por mais que eu realmente quisesse levá-la para tomar um sorvete, aquela era uma recomendação que eu não poderia contestar. Apenas fiz uma observação:

            — Você também não deveria conversar com estranhos. E está falando comigo.

            — Porque tenho educação, ué! Papai diz que tenho que ser educada com todo mundo. E você não tem cara de sequestradora de criança.

            Dessa vez, foi impossível conter a gargalhada. A desenvoltura e articulação daquela menina tão pequena me encantavam.

            — É, não sou mesmo uma sequestradora de crianças. Apesar de até sentir vontade de levar você para a minha casa, sabia?

            Ela sorriu mais uma vez. Um sorriso tão lindo e encantador que fez aquele meu dia de novas tentativas parecer subitamente ainda mais promissor.

            As outras crianças que pararam para brincar no parque a chamaram e, só então, descobri que ela se chamava Laura.

            — Tenho que ir, tia Vanessa. Vê se não fica mais perto da ponte, viu? E também não aceita comida de estranhos, papai diz que é muito perigoso. Tchau!

            Virando-se, ela correu, de forma estabanada, até o grupo de amigos. Fiquei observando-a se afastar, pensando na alegria que aquela pequena criatura devia dar aos seus pais.

Naquela alegria de ser mãe, da qual eu fora cruelmente privada.

            Decidindo que já era hora de voltar, eu me levantei e comecei a fazer o caminho para casa. Já estava quase na minha rua quando o meu celular tocou.

            Atendi, imaginando ser algum amigo, ou mesmo a Tamires, para me dar notícias do bebê. Porém, logo reconheci a voz do outro lado da linha.

            — Oi, Vanessa. Como está, depois daquela chuva de ontem?

            Não seria possível... Por que ele estava me ligando?

            — Você tem o meu telefone?

            — Foi você mesma que me passou, esqueceu?

            É, mas não tinha passado exatamente para ele. No entanto, logo percebi que fazer tal comentário seria um tanto mal educado da minha parte. Ainda mais do que eu já estava sendo até então.

            — Desculpa, mas é que... eu não imaginei que você fosse me ligar.

            — É que... vim fazer um atendimento domiciliar no seu bairro, então pensei que talvez fosse bom ter uma companhia para o almoço.

            Ele estava me convidando para almoçar? Dei uma bela olhada em mim mesma. Eu não estava nem um pouco apresentável para me encontrar com alguém.

            — É que estou na rua. Saí para caminhar. Estou com roupa de academia, toda suada, descabelada...

            — Bem, eu não estou usando um smoking nem nada do tipo. É um restaurante simples, ninguém vai te barrar pela sua roupa.

            — Não é isso. Mas é que... Desculpa, doutor...

            — Gabriel — ele me corrigiu.

            — Isso... Gabriel. Desculpe, mas é que... Talvez eu não seja o tipo de companhia que você gostaria de ter.

            Um breve instante de silêncio antecedeu a resposta dele:

            — Ouça, Vanessa, não quero que me interprete mal. Não é uma cantada nem nada do tipo. Não pense que estou te convidando com segundas intenções só estou buscando mesmo uma companhia para o almoço. Mas compreendo se você não puder...

            — Não! — eu praticamente gritei para interrompê-lo. Não queria que ele pensasse que eu o estava destratando ou coisa do tipo. Até porque... percebi que eu realmente queria aceitar aquele convite. — Tudo bem. Digo, se você não se importar com o jeito como estou vestida...

            — É claro que não. Ouça, estou saindo agora da casa do paciente. Vi ontem que tem um restaurante na sua rua. Te encontro lá. Chego em uns... cinco minutos, talvez.

            — Certo. Chego em pouco mais do que isso.

            — Até daqui a pouco, então.

            Desliguei o celular, sentindo-me confusa sobre ter feito a escolha certa.

Oras, não haveria nada de mais em almoçar com alguém. Não era como se estivéssemos pensando em qualquer coisa além disso.

Homens e mulheres podem, tranquilamente, ser amigos, sem qualquer interesse maior. E eu fiz questão de enfatizar isso em minha mente, porque não admitia ter um interesse maior por qualquer pessoa. A aliança do meu casamento se mantinha no meu dedo, me fazendo todos os dias lembrar do homem que mais amei na vida. Sabia que ele estava morto e que, talvez, eu precisasse reaprender a amar algum dia. Mas ainda não me sentia preparada para isso.

            Contudo, talvez, já estivesse mais do que na hora de me permitir voltar a interagir com outras pessoas. Uma vida social não me faria mal, muito pelo contrário.

            Talvez fosse daquilo que eu precisasse, em primeiro lugar. Voltar a ter uma vida.

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