Capítulo 0005

Atualmente

Winnipeg, Canadá.

— Uau, aqui é tão frio. – Simon esfrega suas mãos, protegidas por luvas.

Seus olhos azuis escuros brilham enquanto ele observa a paisagem pela janela do carro, segurando firmemente seu ursinho de pelúcia.

— Mamãe, mamãe! – Sebastian puxa meu casaco, tentando chamar minha atenção. – Vamos parar ali, é uma lanchonete! Estou com fome!

Olho para ele pelo retrovisor, lançando-lhe um olhar severo. Sebastian volta ao seu lugar, ao lado do irmão.

— Você sabe das regras, mano. Não pode fazer isso com a mamãe dirigindo! – Scott fala, entregando a Sebastian seu pacote de cookies. – Toma, sabia que você ia continuar com fome e por isso não comi.

Sebastian sorri para o irmão, seus olhos cor de mel brilham animados com os cookies.

— Obrigado, Scott! – Sebastian diz com a boca cheia de biscoitos. Tenho que me controlar para não rir.

— Não fale de boca cheia, você vai se engasgar! – Scott diz em um tom de desaprovação.

Às vezes, me surpreendia com sua personalidade adulta. Apesar dos três serem gêmeos, Scott era o que mais se parecia com o homem misterioso do bar. Seus olhos eram bicolores, idênticos aos de seu genitor, assim como suas sobrancelhas e cabelo. Até mesmo o formato de seus olhos, rosto e cor da pele. Era impossível esquecer aquele homem, pois toda vez que via meu filho, me lembrava dele.

Dos três, Simon era o único que tinha algo semelhante à minha aparência. Seus olhos azuis escuros eram idênticos aos meus, mas o restante já não remetia a mim.

Paro em frente a antiga casa de Kendall, as lembranças da última vez que estávamos aqui juntas voltam a minha mente.

Sabia que ela e Isaac estavam felizes em sua casa em Londres, mas ainda iria sentir falta das nossas aventuras.

Voltar a cidade depois de tantos anos ainda me trazia um pouco de receio, mesmo já sendo uma adulta completa agora. Mas os fantasmas do passado ainda me incomodavam, mesmo sabendo que agora não poderiam me ferir.

Embora minha vida em Londres estava sendo boa, sempre senti algo em mim que dizia que eu deveria voltar ao Canadá, como um chamado. Como se algo estivesse me esperando para se iniciar.

Londres foi um sonho, lá me formei advogada, exerci minha profissão e ainda consegui juntar o suficiente para sair do apartamento que dividia com Kevin, mesmo ele sendo uma pessoa maravilhosa, sabia que as crianças poderiam atrapalhar sua vida romântica, ainda mais depois que Isaac e Kendall haviam se casado e mudado para uma casa em Manchester, longe de onde morávamos.

— Essa casa gigante é nossa? – Simon pergunta impressionado.

— Tia Kendall tem mais dinheiro do que pensei. – Scott diz enquanto olha pela janela.

— Crianças, vou sair do carro e abrir a porta da casa. – Digo tirando o cinto de segurança. – Não saiam da cadeirinha. Isso vale pra você também, Sebastian.

Olho para trás, encontrando Sebastian abrindo sua trava da cadeirinha, ele sorri constrangido.

— Nem precisei olhar pra saber que iria me desobedecer! – Suspiro saindo do carro. – Esperem até que eu volte.

Saio do carro, travando suas portas. Era quase inverno e eu não queria que as crianças saíssem andando pela neve e ficassem doentes. As temperaturas de Winnipeg eram mais baixas que qualquer coisa que eles já sentiram antes, não queria que se machucassem.

Andando rapidamente, chego a porta da casa e destranco a porta. Volto ao carro, esvaziando rapidamente o porta malas.

Uma sensação peculiar de estar sendo observada toma conta de mim, olho ao redor encontrando apenas a imensidão branca da neve. Uma tempestade se aproximava.

— Mamãe! – A voz de Sebastian me leva de volta a realidade.

— Vamos entrar em casa, meu pequenos. – Digo, abrindo a porta do carro.

Ao atravessar a porta de entrada, sinto um misto de familiaridade e estranheza ao adentrar a casa que um dia foi o lar de uma das pessoas mais importantes da minha vida. As crianças me seguem de perto, seus passos ecoando pelo hall de entrada. Apesar das mudanças feitas pela faxineira contratada por Kendall, a essência do lugar permanece inalterada, como se o tempo tivesse congelado naquele espaço.

Sebastian segura firmemente meu casaco, seus olhos brilhando com espectativa.

— Mamãe, podemos pedir uma pizza? – Sua voz infantil soa fofa, acaricio seu cabelo.

— Claro que sim, meu amor. Vamos procurar na agenda, deve ter alguns números úteis próximos à lareira. – Um sorriso carinhoso se forma em meus lábios.

Caminho até o cômodo familiar, onde a velha agenda telefônica de Kendall repousa, como uma reliquia do passado. Ao folhear suas páginas desgastadas pelo tempo, uma enxurrada de lembranças vem à tona, recordações de dias felizes e momentos compartilhados.

Mas, mesmo imersa nas lembranças, mantenho o foco em encontrar o número da pizzaria, precisávamos de comida e eu não havia feito compras, em breve uma tempestade se iniciaria.

Encontro o número da pizzaria, coloco a mão no bolso do meu casaco buscando meu celular.

Ao perceber que meu celular ficou no carro, uma pontada de frustração atravessa meu peito. Peço às crianças, com um tom suave:

— Por favor, aguardem aqui até que eu retorne. Deixei meu celular no carro. – Digo antes de retornar ao hall de entrada.

Uma sensação estranha percorre meu corpo, uma espécie de alerta silencioso, uma presença imponente que me deixa inquieta. Varro o entorno com os olhos, buscando indícios de quem poderia estar me observando, mas só encontro pegadas de um animal próximo ao meu carro na neve. Um arrepio percorre minha coluna ao me aproximar.

— Essas pegadas são maiores que as minhas! — Murmuro para mim mesma, observando o rastro na neve.

Com um nó de medo se formando em meu peito, adentro rapidamente o carro, sentindo meu coração pulsar descompassado. Leva alguns segundos até que eu consiga controlar minha respiração, enquanto inicio a busca frenética pelo meu celular.

Um uivo agudo e próximo corta o ar, fazendo-me saltar de susto. Lobos? Será que as pegadas pertenciam a um lobo? O que mais poderia ter deixado uma marca tão grande na neve?

Finalmente, encontro meu celular entre os bancos, mas ao me levantar, sou tomada pelo horror ao ver um lobo gigante encarando-me com seus olhos bicolores através da janela do carro. Um grito escapa dos meus lábios, ecoando no interior do veículo, e o animal se afasta, desaparecendo na direção da floresta.

Tremendo de medo, mal consigo processar o que acabo de presenciar. Nunca vi um lobo tão grande, tão imponente. Era surreal acreditar que algo desse tamanho pudesse existir. Meu coração parece querer escapar do peito, acelerado ao ponto de quase sufocar-me, enquanto o suor frio escorre pelas minhas costas.

A imagem do lobo, com seus olhos bicolores penetrantes, assombra-me. Havia algo estranhamente familiar naquele olhar, uma sensação que não consigo explicar. E então, a ficha cai: os olhos do lobo... tinham as mesmas cores dos olhos do meu filho Scott, e também a heterocromia.

Desconcertada, saio do veículo e retorno à casa, cada passo pesado pelo peso do medo que me oprime. Minha mente está em turbilhão, atormentada pelo pensamento de que aquele lobo gigante não pode ser algo normal. Alguma coisa está acontecendo, algo que eu não consigo compreender.

(.....)

— Chega de videogame, crianças! — Minha voz soa suave, enquanto bagunço o cabelo de Sebastian com carinho. — Vamos lá, os três, escovar os dentes e para a cama!

— Mas mamãe, eu acabei de passar de fase! — Sebastian resmunga, seus olhos adoravelmente brilhantes de contrariedade.

— Amanhã têm aula cedo, não quero que acordem tarde. — Minha expressão torna-se séria, e os pequenos suspiram frustrados.

Havia se passado um mês desde nossa mudança, e as crianças finalmente estavam se adaptando à diferença de horário e clima. Pela primeira vez em muito tempo, eu começava a me sentir estável, como se as coisas estivessem finalmente se encaixando.

Observo os pequenos subirem a escada resmungando, seus pezinhos fofos calçados com pantufas arrancando um sorriso de ternura de meus lábios.

Suspiro ao ouvir o alerta da câmera de segurança na entrada. Ao abrir o aplicativo, uma mensagem me informa que detectou alguém parado em minha porta. Um arrepio percorre minha espinha ao verificar as imagens e não encontrar ninguém nelas.

Durante todo o mês, tenho sentido como se alguém estivesse me vigiando, me acompanhando durante o dia. Por isso, instalei câmeras de segurança ao redor da casa. Esta é a primeira vez que recebo um alerta da câmera da porta de entrada... Já havia recebido alertas das câmeras da garagem e das que monitoram o início da propriedade, mas nunca desta. Parece que seja lá quem estiver me seguindo, agora estava mais próximo.

Guardo o celular no bolso, respirando fundo enquanto me dirijo à cozinha em busca de um copo d'água para acalmar meus nervos. A sensação de que estou sendo observada continua a me atormentar, tornando cada passo um desafio.

Ao alcançar a cozinha, sinto meu coração acelerar subitamente ouço o som de uma notificação, indicando que há alguém na porta da cozinha. Meu corpo tenso, olho ao redor, percebendo uma sombra grande pelo vidro da porta. Instintivamente, dou um passo para trás, meu coração batendo tão forte que parece querer escapar do peito.

Com mãos trêmulas, alcanço uma faca na bancada, preparada para me defender. Mas ao abrir o aplicativo no celular, uma onda de alívio e confusão me invade ao constatar que não há ninguém registrado na gravação. No entanto, ao voltar meu olhar para a porta, a sombra ainda está lá, imponente e ameaçadora. O vidro embaçado dificulta a visão clara, impossibilitando-me de distinguir com certeza que criatura está do outro lado.

Meus pensamentos correm desordenadamente, uma mistura de medo, confusão e determinação. Como algo tão grande pode passar despercebido pelas câmeras? Quem, ou o que, está me observando? Minhas mãos apertam com firmeza a faca.

Meu corpo inteiro parece gelar ao ouvir a notificação do aplicativo, indicando a presença de alguém na propriedade. Com as mãos trêmulas, abro o aplicativo e me deparo com uma imagem perturbadora: um lobo gigantesco encarando a câmera, os mesmos olhos bicolores que me assombraram no dia em que chegamos.

Um calafrio percorre minha espinha ao ver o lobo se movendo em direção à casa nas imagens, e então, desaparecendo abruptamente da vista das câmeras, como se tivesse se desintegrado diante dos meus olhos. Minha mente luta para compreender o que acabei de testemunhar, mas não encontra uma explicação lógica. Como algo tão imenso pode simplesmente desaparecer?

O som repentino da campainha me faz pular, meu coração martelando no peito com uma intensidade assustadora. Caminho até a porta da frente, meu corpo tenso e alerta, enquanto meus olhos varrem o monitor da câmera de segurança. Não vejo ninguém nas imagens, apenas o vazio silencioso do lado de fora.

Com a faca em mãos, avanço pelo corredor em direção ao hall de entrada, meu coração batendo descompassado. O medo e a incerteza se misturam dentro de mim, enquanto me preparo para enfrentar o desconhecido que está do outro lado da porta.

Por alguns segundos, permaneço imóvel diante da porta, reunindo toda a coragem que consigo. Então, com um suspiro, giro a maçaneta e abro a porta lentamente. O ar parece ser sugado de meus pulmões quando me deparo com a figura imponente do homem misterioso do bar, aquele que não via há sete anos, aquele que mudou minha vida para sempre.

Ele está ali, de pé do lado de fora, vestindo um terno preto elegante, exatamente como o vi pela última vez. Surpreendentemente, ele parece não ter envelhecido um dia sequer, como se o tempo tivesse passado sem tocá-lo. Seus olhos bicolores me fitam intensamente, enviando calafrios pela minha espinha, lembrando-me da criatura que rondava minha casa.

Fico em silêncio, observando-o com uma mistura de choque e incredulidade. Como ele conseguiu chegar até aqui? Como as câmeras de segurança não o detectaram? Onde está o lobo que vi nas imagens? Seria ele a sombra na cozinha? E, a pergunta mais angustiante de todas, como ele sabia onde eu morava?

Minha mente é inundada por uma enxurrada de dúvidas e incertezas, mas permaneço em silêncio, aguardando por alguma explicação daquele homem que, mesmo após todos esses anos, continua a ser um enigma para mim.

— Não vai me convidar para entrar, Hanna? — Sua voz rouca ecoa pelo corredor, carregada de sarcasmo, enquanto ele arqueia uma sobrancelha.

— Como... Como sabe o meu nome? — Minha voz sai em um sussurro nervoso, mal conseguindo pronunciar as palavras.

Seus olhos brilham, ainda exercendo o mesmo poder sobre mim, mesmo depois de todos esses anos. Sua presença, seus olhos bicolores e sua personalidade afiada parecem me hipnotizar.

— Você me disse quando estávamos no bar, não se lembra? — Ele responde, mantendo o contato visual intenso. — Não irá me convidar, Hanna?

Desconcertada, dou um passo para o lado, permitindo que ele entre. Ao adentrar o hall da casa, seus olhos percorrem o ambiente com rapidez, detendo-se nos pequenos sapatos próximos ao armário.

— Onde você os deixou? — Ele pergunta, sua expressão intrigada. Sua voz ressoa de forma vaga, como um rosnado distante.

Um instinto primal se agita dentro de mim, alertando-me de que algo está terrivelmente errado.

— Não sei do que está falando. — Encaro-o com seriedade, minha voz firme. — Eu não o conheço. Como soube onde me encontrar?

Seus olhos voltam-se para mim, e por um breve instante, percebo uma mudança em suas feições, algo selvagem, como o de uma fera.

— Senti seu cheiro assim que pisou em Winnipeg, Hanna. — Sua voz é rouca, e ele se aproxima lentamente. — Soube que você estava com os filhotes e vim buscá-los.
Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo