Ponto de Vista da KaiaSe eu estendesse minha audição o suficiente, conseguia ouvir as vozes dos humanos no iate branco ali perto. As risadas deles viajavam com a brisa do oceano.Eles estavam ancorados, se preparando para mergulhar nas águas cristalinas que naquele momento eu chamava de lar.Aquele era o meu lugar favorito: o topo das falésias. Me lembrava da Matilha Águas Claras, da matilha onde cresci.Nunca conheci minha mãe. Ela morreu quando eu nasci. Mas, crescendo na matilha dela, eu sempre senti que estava perto dela.Até o dia do ataque... E meu pai me mandou embora.Fiquei sozinha depois daquilo, tentando me manter escondida até conseguir encontrar meu pai de novo. Foi então que Than me encontrou. Achei que minha vida finalmente ia melhorar depois de encontrar meu companheiro... Mas como eu estava enganada.Na verdade, troquei uma vida solitária e segura por uma vida perigosa dentro de uma matilha. Nem toda matilha era como a da minha mãe... Naquele momento eu sabia daquilo.
Ponto de Vista da Kaia— Uma surpresa?— Você vai ver... — Ele riu da minha leve apreensão, enquanto eu semicerrei os olhos para ele, num jeito brincalhão, mas claramente desconfiado.Voltamos para o terreno principal da Matilha Reformada Noite Sombria. O caminho foi mais demorado do que se eu estivesse sozinha. A perna do meu pai o fazia andar mais devagar. Mas só o corpo era mais lento, a mente dele continuava afiada como sempre.Ele tinha feito tanta coisa nos últimos quatro anos. A bela casa do alfa, construída com pedras brancas, era prova daquilo.Ainda estávamos em processo de construção: casas para os membros da matilha, e um pequeno centro médico, até conseguirmos levantar mais fundos para expandir dentro das nossas fronteiras. Como as terras ainda eram contestadas, sofríamos ataques constantes de matilhas vizinhas que afirmavam que aquelas terras pertenciam a elas.Muitas já haviam assinado o tratado desde que cheguei, com a condição de enviarmos guerreiros caso suas terras f
Ponto de Vista da KaiaDepois do jantar, meu pai chamou o Samson para uma conversa particular no escritório. Era algo que, aparentemente, só dizia respeito aos dois.De qualquer forma, eu queria conferir a troca de turno dos guardas noturnos, então fui até lá. Estava tudo tranquilo na fronteira naquela noite, mas não podíamos nos dar ao luxo de relaxar. Os ataques podiam acontecer a qualquer momento e sempre eram planejados para nos pegar de surpresa. Até naquele momento, ninguém tinha conseguido romper nossas defesas.Eu estava em uma das colinas de onde dava para ver todo o território da matilha, mais para o interior do que perto das falésias costeira. Dali, conseguia observar tudo, até o momento em que vi o Samson saindo da casa do alfa e vindo na minha direção.— Aí está você. — Disse ele, subindo o último trecho da colina antes de parar para recuperar o fôlego. A inclinação era bem puxada, e demorava algumas subidas até o corpo se acostumar.— Queria conferir as fronteiras... E ol
Ponto de vista da KaiaA reunião da matilha para discutir as táticas de defesa tinha se estendido além do previsto, o que, se o Samson não estivesse presente, provavelmente me faria sentir culpada por atrasar nossos planos de jantar. Mas como ele também estava ali, estava começando a ter uma noção real do quão trabalhoso era proteger as fronteiras contra tantas ameaças.Estávamos discutindo quais matilhas eu tinha visitado pessoalmente recentemente, e entre aquelas, quais já tinham concordado ou tinham grandes chances de assinar um tratado de paz. As coisas tinham avançado mais rápido com a minha chegada. Eu sentia que a participação de uma loba era essencial quando se tratava de lidar com certas delicadezas, especialmente com as alcateias dominadas por machos.— E a Matilha Lua de Cristal? — Meu pai perguntou, olhando para os guerreiros e para mim.Preferi ficar em silêncio. Eu ainda não tinha visitado aquela matilha, e por um motivo bem claro. Eu sabia que ela fazia parte da aliança
Ponto de Vista da KaiaPassei minha vida sendo treinada por meu pai para proteger uma matilha que já não existia mais. Naquele momento, tinhamos aquela matilha e eu precisava protegê-la com todas as minhas forças. Eles não poderiam ultrapassar as fronteiras, não poderiam chegar às mulheres e crianças inocentes que se esconderam em suas casas.Eles já invadiram a fronteira, mas não iriam chegar mais longe, não se eu pudesse impedir.Não tivemos fundos para construir um abrigo para a matilha, algo que naquele momento era essencial para o nosso futuro, se conseguiríamos sobreviver a aquele ataque.As crianças e as grávidas estavam espalhadas demais. Precisaram ser guardadas juntas em um abrigo que fosse impossível de penetrar.Eles continuavam vindo. Mas não eram lobos solitários, eram lobos de matilha.Eram lobos que tinham recebido ordens de atacar com o único objetivo de nos lembrar de quem aquelas terras pertenciam, e aparentemente, não eram nossas.Eu fui atrás dos lobos mais jovens
Ponto de Vista da KaiaEu estava ajudando os feridos, era por isso que o hospital precisava ser maior. Com um ataque daquele, estávamos funcionando muito acima da capacidade.Havia até camas nos corredores, com garotos recém-saídos da adolescência gritando de dor. Faltavam médicos, faltavam enfermeiras... Tínhamos mal saído de uma batalha, só para cair direto em outra.Eu corria de um lado pro outro no hospital, tentando encontrar ataduras para estancar o sangue que escorria de tantos corpos.O ataque do Alfa tinha sido preciso, calculado. Se eles atacassem de novo naquele momento, a gente não teria a menor chance de proteger nosso território.Meu pai me encontrou no hospital, justo quando Samson me ajudava a recolocar os ossos deslocados de uma loba.A aura dele chegou pesada, escura, carregada de raiva, sufocava o ar do centro médico, que já lutava para manter um ambiente de paz e cura.A maioria ali ia ficar bem, era só parar o sangramento e ajeitar os ossos que o processo de cura n
Ponto de Vista da AloraEu estava vivendo duas vidas. Numa delas, eu era feliz na frente do Than. Ele nem desconfiava.Na outra, quando eu ficava sozinha, começava a me consumir pensando naquilo que li nos meus prontuários no consultório médico.Sem o Than por perto, eu não conseguia parar de pensar naquilo.Eu precisava de uma segunda opinião, de um médico que não fosse da Matilha Deserto de Âmbar, alguém que me dissesse a verdade. Naquele momento estava claro que estavam escondendo coisas de mim.Uma parte de mim ainda negava, mas a outra começava a ligar os pontos. O fato de eu nunca ter ficado realmente sozinha desde que acordei do coma. O motivo pelo qual minha loba não tinha força para se transformar. As dores na barriga que andava sentindo.Than ia sair da matilha por alguns dias, levando o Beta Zane com ele. Aquela era a minha chance, a oportunidade de descobrir por conta própria o que estava acontecendo de verdade.Com Medea ainda fora da matilha, Freya viria morar comigo por
POV de Hector Eu havia convocado um treino geral para toda a alcateia nesta manhã. Algo vinha me deixando inquieto nos últimos dias, e não conseguia identificar o quê.As fronteiras estavam limpas, não havia sinal de perigo iminente... então por que essa sensação estranha no fundo do meu estômago? Estava lá constantemente nos últimos dias — desde o momento em que eu acordava até a hora de dormir. Às vezes, até me acordava no meio da noite... como um pressentimento sombrio.Costumo sentir isso quando um ataque está prestes a acontecer ou quando um lobo de fora da alcateia invade os territórios do Clã Fantasma Negro.Mas os terrenos e fronteiras estavam tranquilos. Nenhum sinal de movimento por quilômetros.Chamei o treino como medida de precaução. Se um ataque acontecesse, ao menos os membros não guerreiros teriam passado por um treino recente.— De novo! — Ordenei a um grupo de membros jovens da alcateia. Tecnicamente, eles não deveriam treinar em um nível tão avançado ainda, não com