CAPÍTULO 03

RENZO FELIPE

Achei que isso nunca acontece eu como

E aconteceu

O destino deu um empurrãozinho

Colocando o seu caminho no mesmo que o meu

Não mesmo que o meu

Foi amor à primeira esquina, ai ai ai

Procurei um defeito, ela não tinha, ai ai ai

Bem que o meu coração me avisou

Abriu um sorriso e o tempo fechado

(Amor À Primeira Esquina, Zé Neto e Cristiano)

A estrada esburacada não impede que a baixinha durma como um anjo, mas estou com medo que ela acabe se machucando, por isso paro o carro e pego uma almofada que estava no banco de trás do caminhonete e com cuidado subo o vidro, arrumo sua cabeça da que mais bem confortável perco alguns segundos admirando seu rosto angelical.

Ainda estou por ela estar sozinha no meio do nada. A estrada que leve diretamente a Jabuticamel é deserta, raramente passa alguém pelo caminho. A maioria prefere a estrada asfaltada, por isso dá a volta por cima. La é mais movimentado e há casas para pedir socorro, mas a estrada que leve o Jabuticamel tem asfalto até a metade, acho que esqueceram de terminar.

Ou a folha de sol é queimando, queimando. Algumas nuvens cinzas fazem ele sumir por pequenos segundos, talvez mais tarde chova. Mal termino meu raciocínio e pingos grossos batem contra o para-brisa, me pecou mesmo pela pequena mulher estar dormindo protegida dentro do meu carro velho.

Ainda estou processando o fato de não ter ido por outra estrada, é a que eu mais uso. Acho que meu extinto de mecânico me guiou, quando vi a fusquinha azul – ultima geração – parado na estrada meu coração palpitou dentro do peito e depois que vi que não tinha ninguém além de duas malas rosas jogadas no banco de trás, eu sabia que deveria continuar o caminho o mais rápido possível.

A estrada é quase sempre deserta, mas se eu seguir por aquele caminho, outra também poderia seguir. Não sei porque o pensamento de outro chegar e ajudar quem é que eu foi assombrou por todo o caminho, e foi por conta desses pensamentos que eu quase atropelei a baixinha.

Estranho ela estar indo para Jabuticamel, moro la a quase três anos e nunca a vi. Talvez ela esteja indo visitar algum parente.

Emanuelle Regina é um nome bonito, isso me faz lembrar os gêmeos Esmael e Emanuel. Esmael trabalha comigo na oficinal, enquanto Emanuel trabalha com o pai na padaria, os gêmeos se tornaram meus melhores amigos, e apesar de ser gêmeos idênticos aos dois são completamente diferentes. Eles não desistiram de tentar fazer amizade, mesmo eu tentando afasta-los de qualquer maneira.

Tive que largar a faculdade de engenharia e vender quase todas as propriedades por conta das dívidas do meu irmão. Depois de tanta decepção meus pais e eu decidimos começar a vida em outro lugar. Tia Jussara foi quem nos indicou Jabuticamel, no começo moramos em sua casa, mas com o tempo que meu velho foi vencendo a depressão e decidi abrir a oficinal que era do meu falecido tio, e transformamos a parte de cima em nossa casa.

Depois de um ano e meio, nossa oficinal é conhecida em toda a região. Já meu irmão nunca deu mais de cara, mas ficou sabendo que em alguns meses ele vai se casar, tem pena da noiva, não sabe a encrenca que está se mesendo.

Como vezes penso em confronta-lo, mas sinto que é melhor a distância. Ele já fez muitas pessoas sofrer, principalmente meus pais.

— Falta muito? — uma voz sonolenta me dá dois dallies.

— Quarenta minutos.

— Estou morrendo de fome e sede. — diz bocejando e abre a seguida janela em.

— Tenho água em uma garrafa térmica atrás do seu banco.

A almofada esta em seu colo, seus cabelos caem em seus ombros de uma maneira estranha e extremamente sexy.

— Agradeço, mas vou esperar a gente chegar. — Sorrio com sua resposta e eu tento prestar atenção na estrada.

Ela volta a fechar os olhos e eu não sei mais como prosseguir a nossa conversa, eu gostei de ouvir sua voz sonolenta. Eu gostei de olhar-la, mas tenho ciência que precisa na estrada.

— Você vai para onde?

— Na Jussara conhece? — pergunto e ela concorda com um simples aceno de cabeça e boceja em seguida. 

Tento esconder meu bocejo, mas vê-la bocejando despertou meu sono. Tenho vontade de rir e so vou perguntar como ela conhece minha tia para ouvir sua voz doce e sonolenta.

— Conhece ela a muito tempo?

— Não a conheço pessoalmente. — ela se mexe e o banco faz barulho estranho —  Lembro que ela se mudou para Jabuticamel quando eu estava saindo de la.

Conversamos mais um pouco, e o caminho parece ter encurtado, pois a entrada da vila esta logo a frente.

— Quer que eu te deixe a onde, mulher que quer ser atropelada — questiono fazendo ela rir.

— Padaria Limas. Conhece?

— E como. — Sorrio entrando na rua da padaria. — Dona Elaine tem mãos de fadas, os pães são os melhores.

— Puxa saco. — Ela ri em seguida.

E droga! É o som mais perfeito que já ouvi, poderia passar o resto do dia ouvindo que não me cansaria.

 Eu não a conheço nem a duas horas, e ela já está mexendo com minha cabeça. O caminhão de entregas está ocupando muito espaço, por isso acabo estacionando do outro lado da rua.

— Entregue sã e salva.

— Obrigada por ter aparecido.

Sua voz é carregada de emoção, e eu fico um pouco envergonhado, se conseguir olha-la nos olhos.

— Sempre que   quiser ser atropelada e só ficar no meio da estrada que eu apareço. — Pisco num gesto de coragem e solto o cinto de segurança.

Abro minha porta e ela faz o mesmo, pego suas malas a tempo de ver seu Manoel atravessar a rua correndo como se não acreditasse no que vê, Emanuel aparece em seguida e logo atrás vem dona Elaine.

Deixo as malas no chão e cumprimento meu melhor amigo observo a baxinha abraçar seu Manoel com muita intimidade, e a curiosidade me ataca.

— Onde achou essa coisa feia? — Esmael chega fazendo graça.

— Coisa é você. — Emanuelle responde abraçando dona Elaine em seguida.

Eu sou um mero telespectador, tentando entender o que esta acontecendo a minha frente.

— Ei, ele tem a minha cara. — Emanuel resmunga e ela apenas ri.

— Paizinho, estou morta de fome, com sede, cansada, quero um banho e alguém tem que buscar meu carrinho. — diz entregando uma chave para o irmão.

A ficha cai aos poucos assim que sua frase é processada pelo meu cérebro. Engulo em seco, e tento esconder um sorriso.

— Então vamos princesinha, papai vai prepara uma torta de frango e sua mãe fara seu chá preferido. — Seu Manoel pega as malas da filha, enquanto ela se aproxima de mim.

Não consigo desviar o olhar da mulher a minha frente, meu coração começa a martelar desesperado dentro do peito quando percebo que o sorriso sincero e bonito é direcionado a mim.

— Obrigada pela carona, e obrigada por não ter me atropelado quando eu pedi.  — Sussurra me abraçando.

Fico desconsertado com o gesto tão espontâneo, mas retribuo. Quando ela se afasta vejo seu Manoel me encara por longos segundos antes de acompanhar a esposa e a filha ate a padaria, restando apenas eu e os gêmeos.

— Alguém tem que buscar o carro. — Falo quando o silencio incomoda.

Não sei o que aconteceu aqui, mas pelos olhares dos dois, foi algo digno de prisão perpetua.

— Alguém tem que ameaçar um certo mecânico que ganha abraço antes dos irmãos.

— Ela só ficou agradecida. — Respondo ignorando as batidas desenfreadas do meu coração. — Vai comigo Tiquito?

— Sim. — Responde dando a volta para entrar no carro.

Emanuel fica de cara amarrada me ameaçando com o olhar. Balanço a cabeça e vou rumo a oficina. Pretendo trazer o carro antes que escureça e quem sabe eu ganhe outro abraço.

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