EnricoO "o quê?" saiu mais alto do que eu esperava, carregado por uma incredulidade que rasgava o ar como um trovão. Eu tinha descido as escadas para buscar um dos meus relógios na sala de estar quando escutei a voz do Giacomo. O que ele disse me acertou como um soco: “Tem bebezinho aqui…”Parei no último degrau, meus olhos fixos na cena diante de mim.Giulia estava no chão, ao lado do meu filho, com o rosto molhado de lágrimas e uma expressão que oscilava entre pânico e rendição. Andrea estava de pé, como um velho conselheiro que já sabia de tudo antes mesmo das palavras serem ditas.— Giulia… — meu tom foi mais baixo agora, denso. — É verdade?Ela não conseguiu responder de imediato. Levantou-se com um movimento hesitante, como se estivesse saindo de um sonho ruim, e olhou diretamente para mim. Era a primeira vez, desde que a contratei, que via nos olhos dela algo quebrado, frágil. Ao mesmo tempo, havia firmeza. Um tipo de coragem que só nasce no meio do caos.— Sim — respondeu, a
EnricoO silêncio se espalhou pela casa depois que ela subiu as escadas. Por um instante, fiquei ali, imóvel, com os olhos fixos no nada, como se o eco daquela revelação ainda reverberasse entre as paredes de pedra e madeira antiga. A respiração doía. Não pelo susto. Mas porque alguma parte de mim... estava aliviada.Giulia.Grávida.Grávida de mim.Soltei o ar pela boca, fechei os olhos e deixei o peso do momento se acomodar sobre meus ombros. Eu deveria estar com raiva, confuso, preocupado. Mas, em vez disso, senti algo inesperado florescendo no peito: um senso de propósito que há muito tempo eu não sentia. Algo quase... bom.Me dirigi ao bar, servi uma dose generosa de uísque e encarei o reflexo distorcido no cristal da garrafa. O gosto queimou ao descer, e a imagem dela me veio à mente com uma força implacável: os olhos marejados, as mãos tremendo levemente, e aquela coragem absurda de me encarar mesmo com medo. Giulia era feita de aço disfarçado de doçura. Ela não queria meu dinh
ValerieA noite caiu como um véu pesado sobre a casa, abafando os sons do mundo e intensificando o silêncio dos corredores. O relógio antigo marcava vinte e três horas quando Francesco entrou no quarto. Seus passos eram sempre calculados, sua expressão serena demais para alguém com tantas sombras por trás dos olhos. Valerie já conhecia cada movimento do marido — cada silêncio que dizia mais do que palavras.Ele deixou a jarra de água sobre a mesinha de cabeceira, como fazia todas as noites, com aquele mesmo cuidado excessivo que um estranho chamaria de carinho. Mas ela sabia. Sentia no fundo da alma que aquele gesto não era amor. Era controle. Era culpa. Ou talvez, só covardia.— Está com sono, amore mio? — ele perguntou, com um sorriso gentil, falso como um espelho trincado.Valerie assentiu, forçando um sorriso fraco. O corpo doía, como sempre. Os músculos, moles e pesados. O estômago, enjoado. Mas naquela noite, ela não tomaria a água. Não mais.— Um pouco, sim... obrigada pela águ
Victorio O uísque descia queimando, mas a sensação era quase prazerosa. Victorio apoiava o cotovelo na bancada do bar decadente, iluminado por letreiros de néon trêmulos e frequentado por homens perigosos e mulheres que já tinham visto demais. O cigarro entre seus dedos queimava lentamente, soltando uma espiral de fumaça que se dissolvia no ar carregado de promessas quebradas. Ele olhava fixamente para o fundo do copo, a mente longe dali — ou talvez perto demais. O rosto de Giulia invadia sua cabeça sem pedir licença, como fazia todas as noites desde que ela sumira. Desde que ousara rejeitá-lo. Desde que fugira de um destino cuidadosamente arranjado. Desde que fora parar nos braços de outro homem. Seus olhos se estreitaram, e ele girou o copo com raiva contida. O celular vibrou. Uma mensagem de Ricardo. E logo em seguida, a ligação. — Fala. — Sua voz saiu baixa, mas afiada. — Achei. — Ricardo não precisava de introduções. — O lugar onde a menina tá escondida. A mansão do Enrico
O silêncio era profundo na mansão naquela noite, quebrado apenas pelo som distante da chuva fina batendo contra os vitrais antigos. Enrico caminhava pelos corredores de mármore como uma sombra — elegante, impassível, com o coração pulsando de forma incomum. Ele havia enfrentado traições, guerras entre famílias, perda, dor. Mas nada o deixava tão inquieto quanto a pequena presença que, aos poucos, tomava conta de sua vida: **Giulia**.Desde que ela surgira naquela casa como babá de Giacomo, algo havia mudado. Sua doçura contrastava com a rigidez do ambiente. A luz que ela carregava era como uma afronta silenciosa à escuridão que ele mesmo cultivava — mas era exatamente por isso que ele a queria ao seu lado. Para protegê-la. Para mantê-la sua. E, naquela noite, ele tomaria a decisão final.**Casar-se com Giulia.**Não por conveniência, mas por desejo. Por possessividade. Por aquela estranha emoção que ele tentava enterrar cada vez que os olhos cor de mel dela o fitavam com inocência e m
A fumaça espessa do charuto pairava no ar como um véu de arrogância e poder. Carlo Bianchi estava recostado na poltrona de couro envelhecido, os olhos semicerrados voltados para o horizonte de Nápoles. Lá fora, a cidade sussurrava seus segredos entre a chuva fina e os becos escuros, mas ali dentro, o silêncio reinava — e Carlo se banhava nele como um rei no próprio trono.Na mesa à sua frente, papéis e relatórios se acumulavam, mas o que lhe prendia a atenção naquele momento não era nenhum negócio escuso ou uma ameaça rival. Era a notícia que o segurança acabara de lhe trazer.— Repete. Devagar. — sua voz cortou o ar como lâmina.O segurança hesitou, engolindo a saliva. O suor já escorria sob a gola da camisa.— Don Carlo… Enrico vai se casar. Vai anunciar à família nos próximos dias. Está preparando tudo em sigilo, mas a decisão… é firme.Carlo fechou os olhos por um breve momento. Uma sensação estranha o percorreu — algo parecido com satisfação. Finalmente. Não era só um gesto de al
Enrico O som dos saltos ecoava pelos mármores reluzentes da entrada principal da mansão onde os grandes jantares da máfia aconteciam. Era um palácio dourado de silêncios respeitosos, onde cada olhar carregava intenções e cada gesto tinha um valor. Na escadaria principal, Giulia descia com a delicadeza de uma deusa antiga, envolta num vestido vermelho sangue, longo e justo, que delineava sua silhueta com perfeição. O tecido fluía como uma segunda pele luxuosa, com um leve brilho sob as luzes de cristal que pendiam do teto. O cabelo, preso num coque clássico, revelava a delicadeza do pescoço e realçava o colar de diamantes que abraçava sua pele pálida como se pertencesse a uma rainha. O salto alto prateado e o batom vermelho completavam sua aura de poder e beleza. Mas não havia vulgaridade nela. Nada ali gritava. Tudo era silenciosamente imponente. Os homens da máfia se levantaram com respeito. As mulheres a admiraram em silêncio. Algumas sussurravam entre si com sorrisos since
ValerieO silêncio daquela casa era diferente de qualquer outro. Não era o silêncio da paz, mas o da tensão contida. Um silêncio que gritava, mesmo sem emitir som. Valerie estava acostumada a ele. Tão acostumada que, por anos, acreditou que era o som da vida comum. Mas nos últimos dias, depois da fuga de Giulia, aquele silêncio passou a ser insuportável.Estava sentada na poltrona perto da janela, observando o céu de um cinza opaco, como se o próprio tempo conspirasse com a angústia que a dominava. Na mesa ao lado, o copo de água deixado pelo marido aguardava, como todas as noites.Ela o ignorou. Levantou-se, pegou o copo e caminhou até a planta no canto da sala. Derramou o conteúdo lentamente.As folhas, outrora vibrantes, estavam murchas. Algumas tinham manchas marrons nas bordas. A terra parecia seca, mas era a planta que estava sendo consumida por dentro.— Ele está me matando… — sussurrou para si mesma, sentindo os olhos encherem de lágrimas.As peças estavam se encaixando. A