ValerieA noite caiu como um véu pesado sobre a casa, abafando os sons do mundo e intensificando o silêncio dos corredores. O relógio antigo marcava vinte e três horas quando Francesco entrou no quarto. Seus passos eram sempre calculados, sua expressão serena demais para alguém com tantas sombras por trás dos olhos. Valerie já conhecia cada movimento do marido — cada silêncio que dizia mais do que palavras.Ele deixou a jarra de água sobre a mesinha de cabeceira, como fazia todas as noites, com aquele mesmo cuidado excessivo que um estranho chamaria de carinho. Mas ela sabia. Sentia no fundo da alma que aquele gesto não era amor. Era controle. Era culpa. Ou talvez, só covardia.— Está com sono, amore mio? — ele perguntou, com um sorriso gentil, falso como um espelho trincado.Valerie assentiu, forçando um sorriso fraco. O corpo doía, como sempre. Os músculos, moles e pesados. O estômago, enjoado. Mas naquela noite, ela não tomaria a água. Não mais.— Um pouco, sim... obrigada pela águ
Victorio O uísque descia queimando, mas a sensação era quase prazerosa. Victorio apoiava o cotovelo na bancada do bar decadente, iluminado por letreiros de néon trêmulos e frequentado por homens perigosos e mulheres que já tinham visto demais. O cigarro entre seus dedos queimava lentamente, soltando uma espiral de fumaça que se dissolvia no ar carregado de promessas quebradas. Ele olhava fixamente para o fundo do copo, a mente longe dali — ou talvez perto demais. O rosto de Giulia invadia sua cabeça sem pedir licença, como fazia todas as noites desde que ela sumira. Desde que ousara rejeitá-lo. Desde que fugira de um destino cuidadosamente arranjado. Desde que fora parar nos braços de outro homem. Seus olhos se estreitaram, e ele girou o copo com raiva contida. O celular vibrou. Uma mensagem de Ricardo. E logo em seguida, a ligação. — Fala. — Sua voz saiu baixa, mas afiada. — Achei. — Ricardo não precisava de introduções. — O lugar onde a menina tá escondida. A mansão do Enrico
O silêncio era profundo na mansão naquela noite, quebrado apenas pelo som distante da chuva fina batendo contra os vitrais antigos. Enrico caminhava pelos corredores de mármore como uma sombra — elegante, impassível, com o coração pulsando de forma incomum. Ele havia enfrentado traições, guerras entre famílias, perda, dor. Mas nada o deixava tão inquieto quanto a pequena presença que, aos poucos, tomava conta de sua vida: **Giulia**.Desde que ela surgira naquela casa como babá de Giacomo, algo havia mudado. Sua doçura contrastava com a rigidez do ambiente. A luz que ela carregava era como uma afronta silenciosa à escuridão que ele mesmo cultivava — mas era exatamente por isso que ele a queria ao seu lado. Para protegê-la. Para mantê-la sua. E, naquela noite, ele tomaria a decisão final.**Casar-se com Giulia.**Não por conveniência, mas por desejo. Por possessividade. Por aquela estranha emoção que ele tentava enterrar cada vez que os olhos cor de mel dela o fitavam com inocência e m
A fumaça espessa do charuto pairava no ar como um véu de arrogância e poder. Carlo Bianchi estava recostado na poltrona de couro envelhecido, os olhos semicerrados voltados para o horizonte de Nápoles. Lá fora, a cidade sussurrava seus segredos entre a chuva fina e os becos escuros, mas ali dentro, o silêncio reinava — e Carlo se banhava nele como um rei no próprio trono.Na mesa à sua frente, papéis e relatórios se acumulavam, mas o que lhe prendia a atenção naquele momento não era nenhum negócio escuso ou uma ameaça rival. Era a notícia que o segurança acabara de lhe trazer.— Repete. Devagar. — sua voz cortou o ar como lâmina.O segurança hesitou, engolindo a saliva. O suor já escorria sob a gola da camisa.— Don Carlo… Enrico vai se casar. Vai anunciar à família nos próximos dias. Está preparando tudo em sigilo, mas a decisão… é firme.Carlo fechou os olhos por um breve momento. Uma sensação estranha o percorreu — algo parecido com satisfação. Finalmente. Não era só um gesto de al
Enrico O som dos saltos ecoava pelos mármores reluzentes da entrada principal da mansão onde os grandes jantares da máfia aconteciam. Era um palácio dourado de silêncios respeitosos, onde cada olhar carregava intenções e cada gesto tinha um valor. Na escadaria principal, Giulia descia com a delicadeza de uma deusa antiga, envolta num vestido vermelho sangue, longo e justo, que delineava sua silhueta com perfeição. O tecido fluía como uma segunda pele luxuosa, com um leve brilho sob as luzes de cristal que pendiam do teto. O cabelo, preso num coque clássico, revelava a delicadeza do pescoço e realçava o colar de diamantes que abraçava sua pele pálida como se pertencesse a uma rainha. O salto alto prateado e o batom vermelho completavam sua aura de poder e beleza. Mas não havia vulgaridade nela. Nada ali gritava. Tudo era silenciosamente imponente. Os homens da máfia se levantaram com respeito. As mulheres a admiraram em silêncio. Algumas sussurravam entre si com sorrisos since
ValerieO silêncio daquela casa era diferente de qualquer outro. Não era o silêncio da paz, mas o da tensão contida. Um silêncio que gritava, mesmo sem emitir som. Valerie estava acostumada a ele. Tão acostumada que, por anos, acreditou que era o som da vida comum. Mas nos últimos dias, depois da fuga de Giulia, aquele silêncio passou a ser insuportável.Estava sentada na poltrona perto da janela, observando o céu de um cinza opaco, como se o próprio tempo conspirasse com a angústia que a dominava. Na mesa ao lado, o copo de água deixado pelo marido aguardava, como todas as noites.Ela o ignorou. Levantou-se, pegou o copo e caminhou até a planta no canto da sala. Derramou o conteúdo lentamente.As folhas, outrora vibrantes, estavam murchas. Algumas tinham manchas marrons nas bordas. A terra parecia seca, mas era a planta que estava sendo consumida por dentro.— Ele está me matando… — sussurrou para si mesma, sentindo os olhos encherem de lágrimas.As peças estavam se encaixando. A
A música ecoava suavemente pelos salões de mármore, misturando-se ao tilintar de taças de cristal e ao murmúrio de vozes importantes. Giulia descia os degraus da grande escadaria da mansão com a leveza de uma deusa vestida de sangue. O vestido vermelho longo abraçava suas curvas com perfeição e fluía como um rio de seda a cada passo. O colar de brilhantes cintilava sob a luz dourada dos lustres e seu coque elegante, levemente despenteado por propósito, realçava a suavidade de seu rosto e o tom intenso do batom vermelho.Havia algo de diferente naquela noite. Não era apenas a presença da alta cúpula da máfia internacional reunida naquele salão imponente. Era o modo como os olhos se voltavam para ela — não com luxúria ou escárnio, mas com uma admiração contida. Giulia não parecia estar se esforçando para impressionar. Ela simplesmente era. Um furacão de leveza, força e beleza.As mulheres a encaravam com um misto de surpresa e respeito. Algumas, esposas de mafiosos, sorriam em aprovação
Enrico e Carlo O salão da mansão Bianchi exalava poder e sofisticação. Tapetes orientais encobriam o mármore frio, candelabros de cristal lançavam luzes suaves sobre as mesas bem-postas, e um quarteto de cordas preenchia o ambiente com uma melodia clássica. As taças tilintavam, os risos eram baixos e comedidos. Tudo ali era calculado, controlado — exceto ela. Giulia era a única peça fora do tabuleiro costumeiro. Usava um vestido vermelho justo, mas elegante, que abraçava suas curvas com discrição e classe. Seu cabelo estava preso em um coque delicado, alguns fios soltos moldando o rosto. Ela estava encantadora, mas era visível o desconforto em seus olhos, como se soubesse que aquele mundo não era, ainda, o seu. Ainda assim, sustentava o olhar de todos com dignidade. Enrico, ao seu lado, exalava domínio. Um terno preto sob medida, um broche com o brasão da família preso discretamente na lapela. Ele a apresentava com orgulho — sua noiva. A mulher que ele escolhera não apenas para div